Virada Psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental Wed, 01 Dec 2021 01:26:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Mais quatro boas novas da ciência psicodélica, uma delas do Brasil https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/10/11/mais-quatro-boas-novas-da-ciencia-psicodelica-uma-delas-do-brasil/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/10/11/mais-quatro-boas-novas-da-ciencia-psicodelica-uma-delas-do-brasil/#respond Mon, 11 Oct 2021 15:00:26 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/chacronafolha-287x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=682 Escrever uma página sobre ciência psicodélica está se tornando um desafio, tantas são as notícias que chegam. Em alguns dias, a saída pode ser abrir mão de notas aprofundadas em favor de registros curtos, como estes de quatro países –começando pela prata da casa.

Destaque do Brasil

O pesquisador Rafael Guimarães dos Santos, da USP de Ribeirão Preto, foi relacionado pelo serviço Expertscape entre os cinco mais destacados especialistas em alucinógenos do mundo nos últimos dez anos. Guimarães dos Santos figura em quinto lugar no topo de 0,1% de cientistas que publicam artigos sobre psicodélicos.

Ele fica atrás apenas de Robin Carhart-Harris (Universidade da Califórnia em São Francisco), David Nutt (Imperial College), Matthew Johnson (Johns Hopkins) e David Nichols (Universidade da Carolina do Norte). O Expertscape compila o ranking com dados da base PubMed.

Já na classificação compilada a partir do termo DMT (dimetiltriptamina, componente psicoativo do chá ayahuasca ou daime), o brasileiro salta para o primeiro lugar. Não chega a surpreender, porque a USP de Ribeirão é um tradicional centro de pesquisa de ayahuasca, sob liderança de Jaime Hallak.

Novo centro no Canadá

A Nikean Foundation, criada pelo empresário de tecnologia Sanjay Singhal, doou US$ 5 milhões (R$ 28 milhões) para a Rede de Saúde da Universidade de Toronto, que reúne hospitais-escola e setores de pesquisa biomédica da instituição. A doação se destina a criar o Centro Nikean de Pesquisa em Psicoterapia Psicodélica, com a missão de investigar novas terapias para condições como anorexia, depressão, dependência química, ansiedade e estresse pós-traumático.

Singhal fez fortuna ao criar o serviço Audiobooks.com, que depois vendeu. A partir de sua própria experiência com problemas de saúde mental, ele havia assumido em 2020 o compromisso de financiar a participação da rede no chamado renascimento psicodélico.

“A reputação da Rede de Saúde da Universidade como um líder mundial em pesquisa de saúde mental, com seu time de experts e especialistas dedicados à exploração de terapias psicodélicas baseadas em evidências, ajudará a avançar nossa compreensão dos medicamentos psicodélicos e o impacto positivo que têm sobre a saúde mental”, afirmou Singhal num comunicado.

“Ao aceitar esta doação, [a rede] envia uma mensagem poderosa de que o Canadá leva a sério a pesquisa psicodélica e o enfrentamento da crise existencial de saúde mental que afeta as massas. Devemos a esta geração e à próxima iniciar o processo de cura, por isso encorajo outros [doadores] a se juntar à Nikean nesta empreitada importante.”

O novo centro será dirigido pela psiquiatra Susan Abbey, especialista no estudo da modalidade de meditação “mindfulness”. A seu lado na direção estará Emma Hapke, que adquiriu experiência em psicoterapia assistida por psicodélicos atuando como pesquisadora da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps).

Reclassificação na Austrália

Uma revisão independente encomendada pela Administração de Produtos Terapêuticos (TGA) do governo da Austrália emitiu parecer favorável ao potencial de psicodélicos. para tratar transtornos mentais resistentes às terapias disponíveis. A comissão ressalvou que o uso deve acontecer em ambiente clínico com supervisão intensiva de pessoal médico, noticiou a rede ABC .

A TGA estuda no momento a possibilidade de rebaixar a classificação dos psicodélicos MDMA (base do ecstasy) e psilocibina (de cogumelos “mágicos”) de substâncias “proibidas” para “controladas”. A reclassificação permitiria seu uso clínico, mas a decisão final só será tomada em dezembro.

Paciente de 14 anos no consultório de psiquiatra com quem trata de quadro depressivo, com episódios de automutilação e tentativa de suicidio (Eduardo Knapp/Folhapress-17.out.2019)

Contra suicídios nos EUA

A notícia é de abril, mas havia deixado passar: o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) dos Estados Unidos aprovou seis projetos de investigação de terapia psicodélica para prevenção de suicídios com cetamina, anestésico de amplo uso que vem sendo empregado contra depressão, e escetamina, uma variante da mesma molécula. Dois outros financiamentos buscam o mesmo objetivo com estimulação magnética transcraniana.

Ocorrem a cada ano mais de 800 mil suicídios no mundo, pelos menos 6% disso nos EUA. Há indícios de que as tentativas podem estar crescendo com a pandemia de Covid-19, em especial entre profissionais de saúde, desempregados, convalescentes com sequelas (Covid longa) e parentes de vítimas do coronavírus.

Segundo o comunicado do NIMH, taxas de suicídio já vinham aumentando nos EUA há duas décadas. Estudos mostram que o sistema de saúde pode fazer mais para diminuir o risco, se dispuser de intervenção rápida baseada em evidências, pois 80% das pessoas que se matam passaram por atendimento nos 12 meses antes da morte, um quarto delas na semana anterior.

A cetamina, que tem efeito dissociativo similar ao de psicodélicos clássicos, mas bem mais breve (menos de uma hora), diminui sintomas de depressão. Parece também atuar para arrefecer ideações suicidas.

A farmacêutica Janssen se baseou na variante escetamina para lançar o medicamento antidepressivo Spravato na forma de spray nasal. Mas testes clínicos não apresentaram resultados estatisticamente robustos o bastante para indicação na bula como eficaz contra ideação suicida.

Além disso, um estudo de custo-benefício não recomendou o remédio para uso em saúde pública, mesmo porque existe a alternativa mais barata da cetamina (injetável). A Anvisa licenciou o Spravato no Brasil.

Dois dos seis projetos do NIMH envolvem risco de suicídio de adolescentes. Os centros de pesquisa financiados pertencem às universidades de Pittsburgh, Columbia, Texas, Yale e Cleveland Clinic.

No Brasil, o grupo de Rafael Guimarães dos Santos na USP de Ribeirão Preto estuda o potencial da ayahuasca na prevenção de suicídios. Com a tragédia da Covid amplificada pela desumanidade de Bolsonaro, vamos precisar, e muito, de tudo que possa combater a presente epidemia de tristeza.

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Brasileiros reforçam pesquisa com o psicodélico ibogaína para dependência https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/23/brasileiros-reforcam-pesquisa-com-o-psicodelico-ibogaina-para-dependencia/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/23/brasileiros-reforcam-pesquisa-com-o-psicodelico-ibogaina-para-dependencia/#respond Mon, 23 Aug 2021 22:03:32 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/OXIemRioBrancoDanielMarencoFolhapress2011-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=579 “Chega uma hora que a gente cansa de usar, muitas vezes ficava com o cachimbo [de crack] na mão, chorando e pensando: ‘Não tô querendo, mas tô usando’. Nossa, é uma tristeza, um sofrimento mesmo.”

Os depoimentos de dependentes de crack, como este de Luan (nome fictício), são sempre doloridos e penosos de ouvir. Não foi recolhido pelo blog, mas pelo psicólogo Bruno Ramos Gomes, para a tese de doutorado defendida em maio na Unicamp (houve breve referência ao trabalho aqui no blog, em post anterior, “Como a ibogaína está ajudando uma jornalista a retomar controle da vida”.

Título da tese: “O Uso da Ibogaína no Manejo da Dependência de Drogas no Brasil: Um Estudo Qualitativo de Seguimento por Um Ano” (ainda não está disponível em biblioteca digital, mas o link será incluído aqui assim que aparecer). Eis uma contribuição importante para saber em que contextos o Brasil se tornou o país com talvez a maior experiência na aplicação do composto de origem africana para tratar abuso de substâncias.

Gomes faz parte de uma das equipes que preparam testes clínicos controlados com ibogaína em terapia para dependentes brasileiros, com epicentro no Instituto de Psiquiatria da USP em São Paulo e capitaneada pelo psiquiatra André Brooking Negrão. O outro grupo tem Rafael Guimarães dos Santos e Jaime Hallak à frente, na USP de Ribeirão Preto.

Santos e Hallak acabam de lançar no periódico Psychopharmacology, com colaboradores da Espanha, uma revisão internacional de 18 estudos publicados entre 2015 e 2020 sobre efeitos adversos da ibogaína. O levantamento agrega um caso novo de morte aos 33 arrolados em revisões anteriores (há outro óbito ocorrido no Brasil, não publicado).

O estudo dá detalhes dos problemas cardíacos, convulsões e sintomas menores (zumbido, vômito, diarreia) que podem acompanhar a viagem onírica com extratos da planta Tabernanthe iboga. Arritmias ocorrem em casos raros, mas são controláveis se o paciente estiver monitorado por pessoal médico. O artigo conclui pela necessidade de testes clínicos de fase 1 para refinar o conhecimento sobre uso seguro da ibogaína.

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Tabernanthe iboga, planta de origem africana de cuja raiz se extrai a ibogaína, uma das drogas que poderão ser descriminalizadas em Washington, DC (Marco Schmidt/Creative Commons)

Esse é um dos problemas da popularização de terapias para dependentes com iboga no Brasil, como relata Gomes: nem todo atendimento se dá em condições favoráveis.

É provável que boa parte deles tenha sido tratado com segurança pelo médico Bruno Rasmussen Chaves, com internação por 24 horas e monitoramento cardíaco contínuo. Esse foi o primeiro dos contextos documentados na tese de doutorado da Unicamp orientada pelo psiquiatra Luís Fernando Tófoli.

Chaves já tratou mais de 2.000 pessoas em um quarto de século de experiência com terapia psicodélica em Santa Cruz do Rio Pardo e depois Ourinhos, no interior paulista. Ele segue à risca normas da Anvisa para importar a droga com alto grau de pureza, processo burocrático específico para cada paciente. Nunca teve um caso fatal.

A segunda situação de pacientes entrevistados por Gomes na tese é parecida, mas com diferenças importantes. O autor não nomeia a instituição, mas meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (Fósforo Editora) indica que se trata do Instituto Brasileiro de Terapias Alternativas (IBTA), de Paulínia, outra cidade paulista, que alega o dobro de atendimentos de Chaves e registrou em 2016 uma morte horas após aplicação de ibogaína.

Menos controlado se mostra o uso do composto nos outros contextos exemplificados na tese, indivíduos e grupos que o utilizam como recurso contra dependência química numa zona cinzenta entre terapias e cerimônias religiosas com a ayahuasca. O perigo aumenta, e não se descarta que outras mortes tenham acontecido nesse circuito paralelo da ibogaína, não documentadas.

Gomes conclui que “alguns dos problemas enfrentados pelos participantes mostram riscos que devem ser levados em conta no uso da ibogaína e também em futuras regulamentações do seu uso, principalmente em relação a triagem e preparo do paciente, administração e dosagem da ibogaína e suporte durante o efeito agudo”.

O forte da tese, para interessados no aspecto subjetivo (“fenomenológico”, no jargão da ciência psicodélica), são os cinco relatos de dependentes que o psicólogo acompanhou por um ano, com entrevistas trimestrais. Um dos mitos que se desfaz com a leitura é o da ibogaína como panaceia ou bala de prata para exterminar a dependência.

Os pacientes saem melhores da experiência e descrevem como passaram por uma renovação da própria vida, mas não se livram do crack num passe de mágica. Chico (nome fictício), por exemplo, chegou a crer que encontrara a cura, como descreveu na primeira entrevista três meses de acompanhamento:

“Eu falei que me vi no uso [de crack], no dia da dose alta [de ibogaína]. Fiquei com dó de mim mesmo… Me vi desde pequenininho. Como me tornei isso?” –relatou a Gomes. “Venho de 12 internações, 20 anos de uso de crack. Eu às vezes lembro, mas não dá um trisco de vontade, nada! A memória não vem muito também. É como se eu nunca tivesse usado.”

Depois disso Chico teve recaídas esparsas, tomou ibogaína mais algumas vezes, porém com menos efeito. Procurou ajuda também na ayahuasca. Nas conversas subsequentes, já não dizia acreditar estar curado da dependência, mas sim amadurecido:

“Me tornei uma pessoa melhor, mais regrada. Nunca fui desonesto, nunca fui de mexer nas coisas do outro, mas agora tô até meio chato nessa parte. Fiquei até meio velho… Acho que amadureci. Pude me sentir uma pessoa que se resolveu com ela mesma. Ficava esperando felicidade e perguntando de onde ela ia vir… E ela tá aqui comigo. Consegui ficar feliz com o que eu já tinha.”

É de mais histórias e relatos como esse, tocantes e lúcidos, que a ciência psicodélica nacional precisa. Além, claro, de resultados sólidos da pesquisa rigorosa que pôs o Brasil na terceira posição entre os que produzem mais artigos científicos de alto impacto.

Só assim será possível vencer o preconceito que joga os psicodélicos na vala comum das drogas “demoníacas” e impede o avanço que alguns de nosso melhores cientistas perseguem, em favor da saúde mental, não sem risco para a própria carreira e reputação.

PARA SABER MAIS

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Como a ibogaína está ajudando uma jornalista a retomar controle da vida https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/16/como-a-ibogaina-esta-ajudando-uma-jornalista-a-retomar-controle-da-vida/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/16/como-a-ibogaina-esta-ajudando-uma-jornalista-a-retomar-controle-da-vida/#respond Mon, 16 Aug 2021 19:49:30 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/IbogaGiselleCamargo-287x215.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=568 Aos 37 anos, a catarinense Giselle Camargo não tem do que reclamar, ao menos em aparência: jornalista bem-sucedida fora do eixo SP-RJ-DF, diretora e apresentadora do podcast pioneiro Anticast (criado em 2011, está na origem da série de TV “Caso Evandro”), mãe de um menino de cinco anos morando numa das capitais com melhor qualidade de vida (Curitiba).

Em 2018, ano da eleição de Jair Bolsonaro, angustiada com a situação política e fantasmas próprios, passou a beber, entornando mais de uma garrafa de vinho por dia. Sentia esvair-se o controle da própria vida, do peso, do sono, da depressão. Tomou a decisão de reagir, e buscou na ibogaína ajuda para tirar o pé do lodo existencial em que chafurda o país: “Estamos todos doentes no Brasil”.

Cresceu numa família adventista de São Francisco do Sul (SC), onde o pai era sindicalista. Drogas não faltavam na cidade portuária. Conviveu com mais de um parente dependente químico.

Aos 23 anos partiu sozinha para São Paulo, onde teve contato com maconha, ecstasy e cocaína, sem apegar-se a nenhuma delas. “Tomei um quarto de LSD e foi horrível, muito medo.” Remédios para emagrecer eram uma constante desde os 14 anos. Em 2009 começou a tomar antidepressivos.

Com o casamento e a gravidez, a jovem de 1m72 engordou e chegou aos 127 kg. Uma cirurgia bariátrica a devolveu para 69 kg, mas ela começou a beber, algo não incomum em quem faz a cirurgia de redução do estômago. O ponteiro da balança voltou a subir: 72, 74, 78 kg.

Na pior fase, estava bebendo já de manhã, mesmo de ressaca. Seguia trabalhando normalmente e decidiu que ia mudar a vida de “alcoolista funcional”, como se define. Não se animou com tratamentos convencionais, pouco eficazes. Aí se lembrou da recomendação de um psiquiatra a um parente, anos antes, de terapia com ibogaína para dependência química.

Iniciativa 81
Tabernanthe iboga, planta africana de cuja raiz se extrai a ibogaína(Marco Schmidt/Creative Commons)

“Estou velha, no sentido de mais madura. Fui atrás. Já deu. Não tem como não dar [certo]”, contou Giselle ao blog no final de maio. Essa primeira conversa ocorreu quatro dias antes de sua sessão com ibogaína em Ourinhos (SP), aos cuidados do médico Bruno Rasmussen Chaves e do psicólogo Bruno Ramos Gomes, aos quais chegou depois de muita pesquisa, como convém a uma jornalista.

O primeiro passo foram consultas remotas de preparação, com Gomes. Falou de seu medo de morrer e deixar o filho sozinho, caso algo acontecesse com ela e o marido em trânsito para o interior paulista.

Recebeu esclarecimentos sobre o baixo risco do procedimento, que Chaves compara com o de uma pequena cirurgia, e preferiu deixar uma carta para o menino explicando o propósito da viagem. No dia 1º de junho tornou-se uma entre mais de 2.000 pacientes tratados com ibogaína pelo médico.

Chaves, um gastroenterologista, começou a ministrar o composto da planta africana Tabernanthe iboga em 1994. Travou contato com o potencial terapêutico do extrato em encontro casual com Howard Lotsof, ex-dependente que abandonou a heroína e se tornou apóstolo da ibogaína nos Estados Unidos, onde ela permanece proibida (no Brasil se veda o comércio, mas a Anvisa admite importação, caso a caso, da droga não regulamentada).

Um pouco dessa história vai contada no quarto capítulo do livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (Fósforo Editora), em que falo também do uso da iboga no culto Bwiti do Gabão. Nos próximos dias a newsletter MAPS Bulletin  publicará artigo sobre iniciativas pioneiras de pesquisadores brasileiros com ibogaína para drogadição.

O leitor também pode informar-se diretamente com Chaves, Gomes e o psiquiatra André Brooking Negrão, colaboradores num ensaio clínico da USP sobre dependência de crack e cocaína que participaram em 15 de julho de uma conversa sobre ibogaína organizada por Chacruna Latinoamérica.

Giselle tomou às 8h30 uma dose moderada de hidrocloreto de ibogaína (12 mg por quilo de peso), na versão semissintética com 99% de pureza da empresa Phytostan utilizada por Chaves, que mantém seus pacientes em observação por 24 horas na Santa Casa de Ourinhos. Em ambiente hospitalar, com monitoramento contínuo, fica mais fácil intervir no caso de raras arritmias cardíacas, que podem ser fatais.

Há registro de 33 mortes no mundo após ingestão de ibogaína, em geral associadas com doenças cardíacas preexistentes ou uso concomitante de outras drogas, como heroína e cocaína. Chaves nunca teve um caso de complicação grave assim.

A jornalista passou então pelas três fases características do efeito do alcaloide. Após uma hora, começou a sentir uma vibração intensa e, em seguida, tontura e zunido no ouvido, recebendo a recomendação de permanecer deitada.

Precisou de ajuda de uma enfermeira para caminhar até o banheiro. Batimentos cardíacos subiram para 89 por minuto, quando seu normal é 65-70, mas achou que era muito mais. “Aí eu caí, uma sensação no estômago, caindo no escuro, como num filme do Tim Burton.”

Era a segunda etapa, comumente descrita como inundação de pensamentos. “Eu chamaria de loucura, loucura, loucura”, conta Giselle. As primeiras imagens a passar na tela dos olhos fechados foi do marido, depois irmã, mãe e, apesar de poucas imagens da infância relatadas por outros psiconautas, uma senhora negra centenária de quando era criança, dona Alaíde.

“Pessoas para quem tenho de pedir perdão”, diz. “Chorei muito, muito. Estava sofrendo de olhos fechados. Experiências premonitórias muito doloridas.” Mas Giselle se sentia no comando da própria viagem, que lhe rendeu lampejos felizes: “Tive a sorte de ter uma mãe que gargalha”.

A bebida não apareceu em primeiro plano. Como diz Gomes, que defendeu em maio uma tese de doutorado na Unicamp sobre 12 pacientes tratados com ibogaína, ela não traz o que a pessoa quer, mas sim o que a pessoa precisa.

Giselle entrou na terceira etapa, de reflexão, que se estendeu por pelo menos 72 horas, com duas convicções. Uma: “Sou uma pessoa muito boa, apesar de ter magoado muita gente. Antes era muito crítica, achava ruim tudo que fazia”. Outra: “O que passou, passou; não vou conseguir voltar no tempo”.

Ela não encontra palavras para descrever o pico do efeito. “É inefável, não consigo dizer. Surreal. Pesado. Difícil”, afirma. “Espero nunca mais fazer isso de novo. É foda, foda, foda. Se não estiver muito preparada, é de endoidecer. Já saltei de paraquedas, e é mais difícil, é se jogar no desconhecido.”

Dois meses e meio depois da sessão, o blog faz novo contato com Giselle. Como está? “Sigo firme e forte nos propósitos que tinha ao tomar a ibogaína.” E a bebida? “Não voltei a beber e quase nunca penso nisso. Já o cigarro é mais traiçoeiro. Não tem um dia desde então em que não pense em fumar. Sonho que estou fumando.”

Um de seus receios, agora, antecipa o dia em que a Covid passar –se passar: “Quanto ao álcool, tenho medo de que a retomada da vida social, algo que ainda está em suspenso por causa da pandemia, torne a decisão de parar mais difícil. De batismo a velório, temos rituais que envolvem a bebida alcoólica”.

Um dia desses Giselle abriu um vinho branco para fazer risoto. A garrafa segue aberta na geladeira.“Não chego nem a olhar.” O porém: “Tem essa coisa de tira a droga, no meu caso álcool, e resolve o problema. Não, né? O problema só muda de lugar.”

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Enquete global confirma força da ayahuasca contra álcool e drogas https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/enquete-global-confirma-forca-da-ayahuasca-contra-alcool-e-drogas/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/enquete-global-confirma-forca-da-ayahuasca-contra-alcool-e-drogas/#respond Sun, 08 Aug 2021 19:31:00 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/InnerVisionsCapa-300x186.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=560 Pesquisa na internet realizada por pesquisadores na Austrália, Brasil e Espanha atesta com base numa grande amostra aquilo que evidências anedóticas de igrejas da ayahuasca já indicavam: o chá psicodélico está diretamente relacionado com menor incidência de uso problemático de drogas, em particular o álcool.

O Projeto Ayahuasca Global colheu em 40 países testemunhos de 10.836 usuários do chá, dos quais 8.629 relataram uso de álcool ou drogas e foram incluídos na análise publicada em 25 de julho no periódico Drug and Alcohol Review. Dos oito autores, três atuam no Brasil: Emerita S. Opaleye (Unifesp), Luís Fernando Tófoli (Unicamp) e Nicole L. Galvão-Coelho (UFRN).

Alguns vão torcer o nariz para a ideia de tratar abuso de drogas com outra droga, mas a DMT da ayahuasca, o LSD e a psilocibina de cogumelos são especiais. Pouco tóxicos, não causam dependência química e estão de volta à pesquisa de tratamentos psiquiátricos, após meio século de proibicionismo, com o ímpeto de um renascimento psicodélico.

De depressão a anorexia, vários são os transtornos para os quais ensaios clínicos apontam aplicações terapêuticas promissoras. Tão promissoras que instituições acadêmicas como Imperial College, Johns Hopkins, Harvard, o hospital Mount Sinai e as universidades de Nova York e da Califórnia abriram centros de estudos específicos para psicodelia. Pipocam investimentos privados bilionários na novidade psicofarmacológica.

O centro mais recente surgiu em Melbourne, Austrália: Instituto Psychae, voltado a testes clínicos de compostos farmacêuticos para medicina psicodélica. Segundo noticiou o jornal The Sydney Morning Herald, o centro de pesquisa nasce com dotação de 40 milhões de dólares australianos (R$ 154 milhões) doados por empresa americana de biotecnologia que prefere não ser identificada.

O Psychae terá como co-diretores Jerome Sarris, da Universidade Western Sydney, e Daniel Perkins, da Universidade de Melbourne. Não por acaso são respectivamente primeiro e último autores do artigo na Drug and Alcohol Review sobre ayahuasca, pois a dimetiltriptamina (DMT, principal psicoativo do chá) está nos planos de ensaios clínicos do novo instituto, por exemplo para tratar transtorno de uso de drogas (abuso e dependência).

Testemunhos obtidos pela internet implicam vieses de seleção, pois usuários de ayahuasca com más experiências provavelmente estariam menos motivados a preencher uma série de formulários padronizados. O forte dessa enquete, por outro lado, está no tamanho avantajado da amostra e na composição multicultural.

A análise revelou que há correlação estatística significativa entre frequência no uso da ayahuasca e menor incidência de uso ou abuso de álcool e outras drogas. E mostrou que esse benefício de saúde mental independe, em certa medida, de beber o chá em rituais religiosos (embora o uso em contexto cerimonial pareça, sim, robustecer o efeito terapêutico).

A presença destacada de brasileiros entre autores e participantes não é coincidência. O estudo da ayahuasca foi facilitado aqui pela legalização do chá para uso religioso a partir de 2004, o que tornou o Brasil o terceiro maior produtor de pesquisas de impacto em ciência psicodélica.

O estudo brasileiro de maior repercussão foi justamente um teste clínico randomizado controlado por grupo placebo com ayahuasca para depressão resistente a medicamentos, de 2018. Chefiado por Dráulio Araújo e Fernanda Palhano-Fontes, o ensaio pioneiro contou com participação de Nicole Galvão-Coelho (todos da UFRN).

Nicole Leite Galvão-Coelho em seu laboratório na UFRN. (UFRN/Divulgação)

A fisiologista retornou há poucos meses de um sabático na Austrália. Sua especialidade são marcadores relacionados com transtornos, como inflamação, cortisol e BDNF (fator cerebral importante na formação de sinapses).

Nicole acaba de publicar artigo sobre os perfis bioquímicos em pacientes com diferentes estágios de depressão, de recém-diagnosticados àqueles que não melhoram com antidepressivos disponíveis. Esse detalhamento poderá ajudar na sintonia fina de terapias com substâncias como a ayahuasca (que normaliza níveis de cortisol em pacientes graves resistentes, por exemplo).

O time potiguar trabalha no planejamento de testes clínicos mais ambiciosos de psicodélicos, com as dificuldades usuais enfrentadas por pesquisadores brasileiros. Grupos da USP também preparam ensaios controlados com o psicodélico ibogaína para dependência química (crack e álcool), mas ainda não abriram recrutamento.

Com frequência este blog recebe consultas sobre oportunidades para participar desses estudos e, quem sabe, beneficiar-se dos efeitos terapêuticos que a ciência vem constatando. Não cabe aqui fazer qualquer recomendação, porque a maioria dos psicodélicos permanece proibida e porque não sou médico nem psicólogo. Psicodélicos não são panaceia emocional, têm contraindição para muitas pessoas e não estão isentos de efeitos adversos, como qualquer substância.

Dito isso, cabe assinalar que havia no final de 2020 pelo menos 70 testes clínicos de psicodélicos com registro ativo no mundo. Entre eles, 56 estavam recrutando voluntários ainda no mês passado.

Seria ótimo se a parceria de pesquisadores nacionais com o milionário Instituto Psychae da Austrália colaborasse para impulsionar mais e maiores ensaios como esses no Brasil, necessitado como está o país de sacudir a depressão galopante (para não dizer ruminante), e manter sua posição de destaque em ciência psicodélica.

PARA SABER MAIS

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USP de Ribeirão testa ayahuasca para medo de falar em público e fobia social https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/usp-de-ribeirao-testa-ayahuasca-para-medo-de-falar-em-publico-e-fobia-social/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/usp-de-ribeirao-testa-ayahuasca-para-medo-de-falar-em-publico-e-fobia-social/#respond Mon, 28 Jun 2021 15:50:54 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/FobiaSocialGettyImages-300x169.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=529 Não são poucas as pessoas que tremem, suam e chegam a ter dor de barriga ou vontade de urinar quando precisam se apresentar diante de uma plateia. Para 2% a 7% da população de cada país, esse medo cresce a ponto de impedir qualquer atividade pública, com óbvio prejuízo na escola ou no trabalho, mas a ayahuasca pode dar-lhes alguma ajuda.

Ayahuasca? Sim, propõe estudo recém-publicado de Rafael Guimarães dos Santos, neurocientista da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP). “Ayahuasca melhora autopercepção de desempenho discursivo em participantes com transtorno de ansiedade social”, afirma já no título artigo na revista especializada Journal of Clinical Psychopharmacology.

Transtorno de ansiedade social (TAS) e fobia social são nomes pomposos dados por psiquiatras para o famigerado medo de falar em público quando ele se torna paralisante, irracional. É o tipo de ansiedade mais comum, o terceiro transtorno psiquiátrico mais frequente, embora subnotificado (menos de 6% dos casos são diagnosticados), e costuma associar-se com outros distúrbios, como depressão e abuso de álcool.

Antidepressivos e psicoterapia podem ajudar, mas a maioria das pessoas com o problema segue tropeçando pela vida, até que algumas terminam abandonando a escola ou perdendo o emprego. Estima-se que até 25% dos estudantes universitários sofram com isso.

A ayahuasca foi escolhida por ser uma substância psicodélica muito estudada no grupo de Rafael dos Santos e ter conhecido efeito benéfico sobre depressão e ansiedade. O chá sacramentado em rituais de Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV) leva folhas do arbusto chacrona, fonte do alcaloide dimetiltriptamina (DMT), e o cipó mariri ou jagube, fonte de compostos que inibem a decomposição da DMT.

Depois de recrutar 894 possíveis voluntários entre alunos da USP de Ribeirão, o grupo de pesquisa chefiado pelo psiquiatra Jaime Hallak terminou com apenas 17 que satisfizeram todos os requisitos para inclusão na pesquisa e compareceram para entrevistas e questionários padronizados de diagnóstico.

Cinco horas após tomar –pela primeira vez na vida– uma dose baixa de ayahuasca ou placebo (2 mililitros por quilo de peso), os voluntários tinham de fazer apresentação com tema pré-definido diante de uma tela, enquanto eram filmados, como numa conferência por zoom.

Antes e depois da experiência simulando a fala em público, precisavam preencher questionários para determinar o grau de ansiedade e autopercepção negativa (desconfiança sobre a própria capacidade, que contribui para piorar o desempenho).

Uma das limitações do estudo esteve em que os estudantes selecionados apresentavam níveis relativamente baixos de ansiedade antes mesmo do experimento. Talvez por isso os pesquisadores não tenham conseguido detectar diminuições significativas nos escores padronizados, embora os participantes tenham relatado sentir calma maior que usual durante o discurso.

“Não observamos efeitos significativos nas escalas de ansiedade, mas sim nos relatos e nas observações dos pesquisadores”, admite Santos. “A ausência de resultados significativos pode ser porque essas pessoas não tinham níveis elevados de ansiedade, mesmo preenchendo o diagnóstico, ou pela amostra pequena.”

Por outro lado, o experimento revelou que os voluntários melhoraram significativamente a autopercepção. Ou seja, mostraram-se menos desconfiadas quanto à capacidade de desempenhar adequadamente um papel social.

“Os pesquisadores aliaram o histórico internacional dessa equipe em avaliar o potencial terapêutico da ayahuasca nas pessoas e fizeram uso de um teste bem ‘calibrado’ para avaliar sua intensidade nos cuidados de pessoas com fobia social”, avalia o psiquiatra André Brooking Negrão, que não participou do estudo e investiga psicodélicos noutra unidade da USP, o paulistano Instituto de Psiquiatria.

“Os resultados são promissores porque mostraram que esse tipo de ensaio clínico é factível e, especificamente para pessoas com problemas associados à fobia social, pode ser um recurso valioso no futuro. Os pesquisadores terão agora o desafio de expandir esta metodologia para amostras mais numerosas.”

Concorda com Negrão a pesquisadora Fernanda Palhano-Fontes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, autora de um pioneiro teste clínico duplo cego de ayahuasca para depressão: “O estudo é interessante por avaliar a ayahuasca em uma condição como a fobia social, para qual não há um tratamento farmacológico específico, e mostrando uma melhora em como os indivíduos que beberam ayahuasca percebem a performance deles nessa tarefa de falar em público”.

Dilema moral à frente

A fobia social vem, assim, somar-se a uma longa lista de condições que, segundo estudos ainda experimentais, poderiam eventualmente ser tratadas com psicodélicos. Cabem nela depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ansiedade, alguns transtornos do espectro autista, dependência química, anorexia, síndrome pós-concussional (danos cerebrais em boxeadores e jogadores de hóquei) e até Alzheimer, AVC, enxaqueca ou prevenção de suicídios.

Além disso, vários desses problemas de saúde mental são objeto de ensaios clínicos por diferentes substâncias psicodélicas. Por exemplo a depressão, sobre a qual há testes em andamento com psilocibina de cogumelos, DMT de ayahuasca, 5-MeO-DMT de veneno de sapo, LSD e mescalina.

Tamanha inespecificidade seria decorrente do modo básico de atuação desses psicodélicos clássicos. Todos eles são moléculas capazes de se encaixar no receptor de células cerebrais para o neurotransmissor serotonina.

Essa via bioquímica parece relaxar a rede de modo padrão (DMN, em inglês) hiperativa na ruminação (predominância circular de pensamentos negativos). Também seria capaz de aumentar a empatia e a socialidade, dissolver a ditadura do ego e estimular tanto a neuroplasticidade (formação de novas conexões entre neurônios) quanto processos anti-inflamatórios no cérebro.

Não deixa de ser um calcanhar-de-aquiles para o renascimento psicodélico. A multiplicação combinatória de alvos e drogas pode suscitar entusiasmo injustificado para o estágio preliminar das pesquisas, dado que só o MDMA alcançou a fase 3 em testes clínicos e ainda carece de aprovação como adjuvante de psicoterapia. A imensa maioria dos estudos envolve poucas dezenas de participantes, como esse da USP de Ribeirão.

Além disso, não é pequeno o risco de que a imagem de panaceia para todos os males do mundo mental desperte reação conservadora similar à que virtualmente baniu os psicodélicos das farmácias e das pesquisas acadêmicas após sua adoção pelo movimento hippie e contestador da contracultura. Faltam ainda anos de pesquisa a acumular dados suficientes para ancorar os tratamentos na melhor ciência e romper preconceitos de órgãos reguladores, médicos e terapeutas.

Outro obstáculo no caminho de quem se filia à tradição clássica da psicoterapia mediada por psicodélicos é a proposta por alguns neurocientistas de livrar as pesquisas justamente da psicodelia, da psicoterapia ou de ambas. Sua ideia é desenvolver moléculas similares com poder de desarmar a DMN e a ruminação, mas que não desencadeiem estados alterados de consciência, as “viagens”.

O modelo, nesse caso, seria o dos antidepressivos surgidos a partir dos anos 1980, como a classe de inibidores seletivos de receptação de serotonina (ISRS) inaugurada pela fluoxetina (Prozac). Pílulas para as pessoas tomarem todos os dias, no intuito de se livrarem da depressão sem laboriosos processos de psicoterapia, mas que a realidade mostrou não funcionar para pelo menos um terço dos deprimidos graves.

(Reprodução)

A controvérsia sobre “psicodélicos não-psicodélicos” já apareceu no blog (aqui, aqui e aqui) e ganhou destaque há poucos dias na revista Forbes.

A reportagem de Will Yakowicz apresenta o trabalho de Bryan Roth, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, para escrutinar incontáveis moléculas aparentadas à DMT &cia. “O objetivo é encontrar compostos que sejam terapêuticos e não psicodélicos”, disse o neurofarmacologista a Yakowicz.

Roth está abastecido com US$ 27 milhões da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (Darpa, em inglês) dos EUA para desenvolver uma nova geração de medicamentos candidatos a reduzir depressão e TEPT com a rapidez dos psicodélicos, em comparação com os lentos antidepressivos disponíveis, mas sem alucinações ou dissolução do ego e sem os efeitos adversos dos ISRS (como insônia, zonzeiras e redução da libido).

O financiamento corresponde ao valor aproximado que a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês) levou muitos anos a levantar para conseguir empreender estudos de fase 3 com MDMA (ecstasy) contra TEPT. Esses testes clínicos devem render autorização para uso geral da droga como adjuvante em psicoterapia, e não para uso contínuo, até 2023.

A aprovação da FDA (agência de fármacos dos EUA) é a grande esperança de tratamento para veteranos de guerras como a do Iraque e a do Afeganistão. Em 2016, havia 868 mil ex-combatentes recebendo benefícios por incapacidade provocada por TEPT, ao custo de US$ 17 bilhões anuais aos cofres americanos.

Entende-se, assim, o interesse do Departamento de Defesa no trabalho de Roth, para desgosto do ex-hippie Rick Doblin, fundador da Maps. A reportagem da Forbes registra todo seu descontentamento: “A tragédia que vejo é que a Darpa poderia ter um vencedor agora mesmo com MDMA para TEPT, mas está tentando dizer ‘dane-se a experiência psicodélica e vamos investir em psicodélicos não-psicodélicos’ enquanto 20 veteranos por dia estão se  matando”.

SAIBA MAIS

Livro “Psiconautas” (Fósforo Editora)

(Reprodução)
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USP testa psicodélico ibogaína contra dependência de crack e álcool https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/29/usp-testa-psicodelico-ibogaina-contra-dependencia-de-crack-e-alcool/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/29/usp-testa-psicodelico-ibogaina-contra-dependencia-de-crack-e-alcool/#respond Thu, 29 Apr 2021 21:00:14 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/CRACKZANONEFRAISSAT2021-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=433 A posição de destaque do Brasil em ciência psicodélica fica mais evidente com estudos da USP para combater dependência de crack/cocaína e álcool: há somente quatro ensaios clínicos duplo-cego registrados no mundo para novos testes da droga ibogaína, e dois deles acontecem aqui.

O composto originário da planta africana Tabernanthe iboga, é usado desde os anos 1960 para tratar crises de abstinência e interromper o uso compulsivo. Antes, era empregado em rituais da etnia bwiti, no Gabão e Camarões, e vendido como o antidepressivo Lambaréné na França, de 1939 a 1970, mas terminou abandonado quando se verificou o risco de arritmias cardíacas.

Tradicionalmente, a substância era obtida da raiz do vegetal. Hoje se utiliza a versão sintética purificada, cloridrato de ibogaína, nos estudos experimentais, em clínicas e grupos alternativos de tratamento.

Iniciativa 81
Tabernanthe iboga, planta africana da qual se extrai a ibogaína (Marco Schmidt/Creative Commons)

A ibogaína é proibida em vários países. No Brasil ela não aparece na lista de substâncias controladas nem está regulamentada para uso terapêutico. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só permite importação individual, com indicação médica, embora não haja estudos conclusivos sobre sua eficácia.

Duas unidades da USP decidiram enfrentar o desafio para suprir essa deficiência na literatura científica, diante do acúmulo de indícios de sucesso no tratamento de dependência. Duas clínicas no interior paulista, por exemplo, reúnem casuística contendo milhares de pacientes e alegam taxas de sucesso da ordem de 60-70%.

André Brooking Negrão, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, lidera o estudo mais ambicioso. Em sua mira estão crack e cocaína, que levam dezenas de pessoas todos os meses a buscar socorro no ambulatório do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA).

“O dia a dia de quem cuida de [dependentes de] crack e coca é muito infeliz”, diz Negrão, referindo-se às altas taxas de reincidência. “Resolvi fazer isso [pesquisa com psicodélicos] o resto da minha vida”, diz o psiquiatra de São Paulo, frustrado com a ausência de medicamentos comprovadamente eficazes para pacientes que desejam reduzir ou abandonar o consumo.

O teste de fase 2b, para verificar eficácia e segurança, envolverá 80 dependentes de crack ou cocaína (40 homens e 40 mulheres). Eles serão internados por dez dias, os sete primeiros para assegurar abstinência, o que será confirmado por exames toxicológicos.

Todos passarão por oito sessões de psicoterapia, quatro de preparação e quatro de integração (discussão dos conteúdos psíquicos aflorados durante a experiência com ibogaína), com participação de familiares. Esse é o protocolo usual de pesquisa com psicodélicos para transtornos psíquicos como depressão e estresse pós-traumático, os mais adiantados.

Como os psicodélicos clássicos LSD, psilocibina (“cogumelos mágicos”) e DMT da ayahuasca, a ibogaína atua sobre receptores do neurotransmissor serotonina, importante na regulação de humor, libido e outras funções. A viagem pode durar muito, até mais de 24 horas, e lança a pessoa num estado de sonho lúcido.

Alguns pesquisadores preferem qualificar a substância como oniroide, onirofrênica ou onirogênica. São frequentes relatos de quem revive sob seu efeito situações difíceis, como overdoses, e sensações de morte e renascimento. Também se manifesta intensa empatia com sofrimento alheio e o próprio, não raro acompanhada de remorso por perceber-se como fonte de ambos.

A descoberta de que a ibogaína também suprime efeitos dolorosos da abstinência se atribui a Howard Lotsof. Em 1962, o americano dependente de heroína experimentou a droga africana com a promessa de dois dias de viagem; quando voltou do transe, surpreendeu-se sem os sintomas físicos da síndrome de abstinência.

Lotsof tornou-se a partir daí um apóstolo da ibogaína. Em 1994, o gastroenterologista Bruno Rasmussen Chaves almoçou com ele no refeitório da Universidade de Miami, durante um estágio, e tomou conhecimento da droga, que passou a empregar para tratar dependentes três anos depois, primeiro em Santa Cruz do Rio Pardo e depois em Ourinhos, ambas cidades paulistas.

O médico interna pacientes na Santa Casa, onde os monitora durante toda a viagem, para intervenção imediata em caso de arritmia cardíaca. Nunca teve um caso fatal, informa. Centenas de tratamentos depois, Chaves é hoje um dos colaboradores de Negrão no teste clínico.

“A administração do cloridrato de ibogaína no Brasil tem sido feita com base em protocolos inconsistentes quanto às doses terapêuticas, ao grau de pureza da ibogaína administrada e à adequação do suporte médico”, adverte Negrão a respeito de centros de tratamento alternativo.

“Há relatos na literatura de mortes associadas com o uso concomitante de ibogaína e outras substâncias psicoativas, além de um possível risco intrínseco da substância sobre a condução cardíaca.”

O pesquisador Geoffrey Noller, da Nova Zelândia, encontrou relatos de 19 mortes ocorridas entre 1990 e 2008 no prazo de três dias após ingestão de ibogaína. A maioria vitimou pessoas com problemas cardíacos prévios ou em decorrência de interação farmacológica com outras drogas cujo abuso não fora interrompido.

Em 2016 um grupo neozelandês liderado por Paul Glue publicou ensaio com 27 voluntários dependentes de opioides tratados com um composto aparentado, noribogaína, metabólito ativo no corpo de quem ingere ibogaína. O estudo teve a colaboração das empresas americanas DemeRx e iCardiac.

A comparação com o grupo de controle na USP, metade das mulheres e dos homens a serem recrutados que não receberá ibogaína, só psicoterapia, permitirá afirmar com segurança estatística se o psicodélico de fato surte efeito sobre a dependência. Afinal, melhoras espontâneas acontecem, oriundas de expectativa (efeito placebo) ou da determinação da pessoa para abandonar a droga.

Os pacientes e seus familiares serão acompanhados por três meses no ambulatório. Depois disso, por um ano, serão monitorados remotamente.

O estudo estava pronto para começar, com aprovação de comitês de ética, em maio do ano passado. A pandemia de Covid-19 inviabilizou o uso dos leitos oferecidos pelo Instituto de Psiquiatria e restringiu o fornecimento de ibogaína proveniente da Índia. Negrão afirma que o recrutamento será rápido assim que as vagas ficarem disponíveis novamente e a importação for retomada.

Garrafas de cerveja em depósito para reciclagem (Foto: Rogério Assis/Folhapress)

A eclosão da pandemia também atrapalhou o início do outro ensaio clínico da USP, aprovado e registrado ainda em 2017,  neste caso pelo grupo de neurociência e ciências do comportamento liderado por Jaime Hallak na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. O investigador principal do experimento é Rafael Guimarães dos Santos.

O estudo de Ribeirão não tem relação com o de São Paulo. Testará a tolerabilidade da ibogaína, com um grupo de apenas 12 pessoas, para outro tipo de dependência, alcoolismo. Segundo Santos, o álcool foi escolhido por causa da alta prevalência do abuso dessa substância legal no Brasil, que afeta cerca de 10% da população.

O desenho do experimento é bem diferente. Voluntários ficarão internados por 20 dias, e os primeiros três pacientes receberão três doses sucessivas e crescentes de ibogaína; não havendo efeitos adversos, os outros nove receberão a droga ou placebo, por sorteio.

O consumo de álcool pelos participantes será então acompanhado a cada semana no primeiro mês. Depois disso, nos 3º, 6º e 12º meses.

O primeiro estudo controlado do mundo com ibogaína estava planejado para acontecer na Espanha, onde Santos fez seu doutorado de 2006 a 2012 com o conhecido estudioso de psicodélicos Jordi Riba (morto em agosto de 2020). Outra morte, de Manel Barbanoj, que conduziria o ensaio com José Carlos Bouso, adiou os planos.

Assíduos colaboradores de Bouso, Hallak e Santos combinaram com ele efetuar o teste clínico no Brasil. Em paralelo, os brasileiros colaborarão com o pesquisador espanhol na realização de ensaio parecido, mas no tratamento da dependência de metadona, droga utilizada para redução de danos com dependentes do opioide heroína.

O quarto estudo clínico com ibogaína em preparação no mundo ocorrerá no Reino Unido. As empresas DemeRx e Atai Life Sciences tiveram sinal verde da agência reguladora britânica MHRA para testar a droga no tratamento justamente de dependentes de opioides.

O plano dos empresários britânicos é recrutar 110 voluntários, no total: primeiro 30 saudáveis (usuários recreativos de drogas), para estabelecer a segurança do composto, e 80 adictos numa segunda etapa, já com vistas à desintoxicação.

O fato de metade dos testes clínicos com ibogaína se realizarem no Brasil não é de todo surpreendente. O país tem tradição de pesquisa com psicodélicos, em especial DMT e outras substâncias da ayahuasca, facilitada pela legalização de seu uso em religiões como Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV).

Na voga atual de trabalhos científicos após meio século da fracassada Guerra às Drogas liderada pelos EUA (1971), o chamado renascimento psicodélico, brasileiros têm se destacado. Num levantamento de artigos maior impacto (número de citações), o Brasil ficou em terceiro lugar, após EUA e Reino Unido.

O composto mais estudado fora daqui é a psilocibina dos cogumelos Psilocybe, além de LSD e MDMA, para uma série de condições, como depressão (fase 2) e estresse pós-traumático (fase3). A ayahuasca motivou o primeiro teste clínico controlado por placebo de um psicodélico para depressão após o renascimento, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), publicado em 2018.

A ibogaína tem sido menos pesquisada, apesar do volume de relatos observacionais de sucesso no tratamento de dependência, por causa dos riscos cardíacos e das mortes, ainda que raras. Mas seu uso com acompanhamento médico, como em Ourinhos, tem demonstrado segurança suficiente para uma instituição como a USP se lançar na pesquisa.

A logística, entretanto, encarece o ensaio clínico, pela necessidade de internação e garantia de que os voluntários não tenham no organismo drogas que possam interagir com a ibogaína e afetar o coração. Só com os leitos para o estudo com usuários de crack Negrão orçou despesa de R$ 336 mil, já autorizada pelo Instituto de Psiquiatria (e adiada pela pandemia).

Um dos fatores para o interesse brasileiro pela ibogaína, cita Negrão, esteve em estudo retrospectivo (não controlado) publicado por Bruno Chaves e Eduardo Schenberg em 2014. “Houve um boom de clínicas fazendo iboga no Brasil”, diz.

O artigo descreve levantamento com 75 dependentes de álcool, maconha, cocaína e crack. Cinco meses após tratamento com ibogaína, 61% ainda estavam em abstinência.

Para Rafael dos Santos, da USP em Ribeirão Preto, o interesse do grupo de Jaime Hallak está em expandir as linhas de pesquisa. “A experiência acumulada com estudos de ayahuasca nos últimos quase 20 anos, aqui, nos trouxe o conhecimento para desenvolver pesquisas com esse tipo de substâncias que modificam profundamente a consciência.”

Santos enxerga como vantagem comparativa do Brasil a experiência com ayahuasca e ibogaína, que enfrentam mais restrições legais noutros países. “Por outro lado, temos mais dificuldades para realizar estudos com psilocibina e LSD.”

Os líderes dos testes clínicos reconhecem preconceito na academia com ciência psicodélica, mas não a ponto de dificultar a aprovação dos ensaios por comitês de ética. A liderança nacional nessa área efervescente da pesquisa mundial, entretanto, pode ainda sofrer com o clima político e ideológico no país polarizado.

A ibogaína entrou no radar do governo Jair Bolsonaro. Em reação ao emprego de ibogaína em comunidades terapêuticas para dependentes, a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministério da Cidadania, baixou em agosto a nota técnica nº 64 ameaçando-as com descredenciamento e suspensão de contratos de prestação de serviços com o governo federal.

“Felizmente, as pesquisas com alucinógenos psicodélicos são vistas como pesquisas, sem tanto teor ideológico. Isso se deve em grande parte à seriedade dos grupos de pesquisa”, afirma Rafael dos Santos. “Somente com seriedade e rigor vamos avançar nessa área.”

Os dois estudos da USP serão apresentados ao público internacional na próxima edição do Maps Bulletin (no prelo), publicação quadrimestral da Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos dos EUA. Trata-se da ONG responsável pelo teste clínico mais adiantado (fase 3) do mundo com terapia psicodélica para transtorno psiquiátrico (no caso, MDMA e estresse pós-traumático).

Curso “História das drogas psicodélicas para uso medicinal e sua demonização”, no site Bora Saber.

 

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Brasil é 3º país com mais artigos de impacto sobre psicodélicos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/09/brasil-e-3o-pais-com-mais-artigos-de-impacto-sobre-psicodelicos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/09/brasil-e-3o-pais-com-mais-artigos-de-impacto-sobre-psicodelicos/#respond Tue, 09 Feb 2021 14:44:16 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/FernandaPalhanoFontesFotoDeAnastaciaVazUFRN-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=311 Pesquisadores brasileiros e a ayahuasca ocupam posição invejável num campo de estudo em crescimento acelerado, o chamado renascimento psicodélico, que ganhou impulso após 2010. Segundo ranking publicado na última quarta-feira (3), o Brasil é o terceiro país que mais produz estudos de impacto, atrás somente dos EUA e do Reino Unido.

O levantamento de David Wyndham Lawrence saiu no Journal of Psychoactive Drugs. Ele montou duas listas de artigos sobre LSD, psilocibina (dos “cogumelos mágicos”), DMT (da ayahuasca), mescalina (do cacto peiote) e 5-MeO-DMT (do sapo-do-rio-colorado) –classificados como psicodélicos clássicos, que atuam sobre receptores do neurotransmissor serotonina.

A primeira lista traz os 50 trabalhos sobre o assunto que foram mais citados na literatura científica desde 1957, ano de um trabalho de Julius Axelrod sobre LSD que colecionou desde então 154 menções de outros especialistas. O campeão é Stephen Peroutka, com estudo de 1979 sobre LSD e receptores de serotonina detentor de 1.557 citações.

A segunda relação contém artigos com as maiores taxas anuais de citação, uma maneira de descontar a vantagem numérica conferida pela antiguidade. Nos dois casos, os rankings se limitam a 50 trabalhos cada um (77 ao todo, já que vários aparecem nas duas listas).

Lawrence dividiu os artigos em dois grupos temporais: uma primeira geração de 37 estudos em que predominavam investigações farmacológicas e observacionais, sobretudo sobre LSD; e a geração atual de trabalhos (40) com dominância de testes clínicos sobre efeitos terapêuticos em que se destaca a psilocibina. Após o primeiro pico de produção, 1965-75, a proibição de psicodélicos massacrou a pesquisa, que retornaria com força a partir de 2010.

(Reprodução/Journal of Psychoactive Drugs)

Na leva pioneira o Brasil nem aparece. Já na segunda figura em terceiro lugar com 5 artigos (12,5% do total), à frente da Suíça com 4 (10%). Em primeira colocação estão os EUA, com 15 (37,5%), seguido pelo Reino Unido, com 13 (32,5%). Ou seja, apenas quatro países reúnem 92,5% da produção científica mais relevante sobre psicodélicos.

Estudiosos brasileiros se destacam entre os artigos com maior taxa de citações, com Fernanda Palhano-Fontes na liderança. A engenheira de 35 anos especializada em imagens cerebrais atua no grupo do físico Dráulio de Araújo no Instituto do Cérebro e no Hospital Universitário Onofre Lopes, em Natal, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Palhano-Fontes é a primeira autora de um artigo pioneiro sobre tratamento de depressão resistente com ayahuasca noticiado em 2018 na Folha. O texto aparece em sexto lugar no ranking daqueles com maior média anual de citações, 38/ano; os cinco que o precedem marcam de 38,6 a 50,2 citações/ano.

Há bom motivo para um estudo de país relativamente periférico em pesquisa científica destacar-se assim: nunca antes um teste clínico randomizado duplo-cego controlado com placebo havia investigado o efeito terapêutico de um psicodélico (DMT) contra depressão.

Maceração do cipó-mariri, um dos ingredientes da infusão de ayahuasca (Marcelo Leite/Folhapress)

“Aparecer na 6ª posição desse ranking, ao lado de nomes tão importantes do campo da pesquisa psicodélicas, reafirma o valor do nosso trabalho, feito completamente no Brasil, e me estimula a continuar fazendo pesquisa de qualidade”, disse a pesquisadora da UFRN ao blog.

Palhano-Fontes se refere ao fato de dois dos quatro autores do levantamento no Journal of Psychoactive Drugs serem estrelas da neurociência psicodélica: Robin Carhart-Harris, do Imperial College de Londres, e Roland Griffiths, da Universidade Johns Hopkins (EUA). Não por acaso eles parecem com quatro artigos cada um no ranking.

“Entre os ensaios clínicos que aparecem mais bem citados, o nosso é o único em que a ayahuasca foi investigada”, destaca a neurocientista da UFRN. “Isso mostra o potencial que temos no Brasil, uma vez que essa substância faz parte da cultura brasileira e tem seu uso religioso regulamentado aqui.”

A engenheira aparece com dois trabalhos no levantamento, o segundo também sobre ayahuasca, de 2015. Os outros três autores brasileiros citados também publicaram estudos sobre ayahuasca: Flávia Osório, Rafael Sanches e Rafael dos Santos, todos do grupo da USP de Ribeirão Preto liderado por Jaime Hallak, pioneiro na investigação de efeitos antidepressivos da ayahuasca e co-autor dos estudos na UFRN com Araújo, que trabalhou com Hallak na USP.

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Mass General e Mount Sinai entram na onda de centros psicodélicos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/01/mass-general-e-mount-sinai-entram-na-onda-de-centros-psicodelicos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/01/mass-general-e-mount-sinai-entram-na-onda-de-centros-psicodelicos/#respond Mon, 01 Feb 2021 14:20:54 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/MOUTASINAIreutersMikeSegar-300x199.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=296 A cada semana chegam dezenas de informes de investidores, notícias, avisos de transmissões ao vivo e lançamentos de livros sobre o renascimento psicodélico para a psiquiatria. Eis aqui algumas novidades selecionadas nos últimos dias, com destaque para dois templos da medicina dos EUA: Mass General e Mount Sinai.

O Hospital Geral de Massachusetts, mais conhecido como Mass General ou MGH, é o mais importante hospital ligado à Escola Médica da Universidade Harvard. Seu departamento de psiquiatria recebeu uma doação do Fundo em Memória de Arielle Soussan para Pesquisa Psicodélica que deu origem no MGH ao Centro para Neurociência de Psicodélicos, no final de 2020.

Arielle faleceu aos 24 anos, após anos sofrendo de depressão resistente às terapias disponíveis. Antes de morrer, interessou-se pelo estudo de substância psicoativas como psilocibina, DMT e LSD para tratar transtornos mentais, o que motivou a família a criar o fundo.

Metade dos gastos anuais com tratamentos para depressão nos EUA –US$ 350 bilhões (R$ 1,9 trilhão, o equivalente a ¼ do PIB brasileiro)– se destina a esses doentes que não encontram alívio nos medicamentos atuais. Esses pacientes apresentam baixa neuroplasticidade, ou seja, formam poucas conexões cerebrais novas e neurônios para abrir rotas alternativas à ruminação que caracteriza o transtorno, o que psicodélicos parecem capazes de estimular.

O novo centro do MGH, que agora se associa à Atai Life Sciences, uma startup alemã da área, focalizará suas pesquisas na neuroplasticidade. O psiquiatra Jerrold Rosenbaum, diretor do grupo, diz que, como a maioria dos médicos, via os psicodélicos apenas como drogas proibidas, de uso recreativo: “Quando comecei a aprender mais, percebi que havia aí uma oportunidade [de pesquisa] que deixamos passar subdesenvolvidas por décadas”, afirmou ao jornal Boston Globe.

Outra instituição a surfar o tsunami é a Escola de Medicina Icahn do sistema Mount Sinai, em Nova York, que emprega 7.200 médicos em oito hospitais. A faculdade, uma das 20 melhores dos EUA, abriu o Centro para Psicoterapia Psicodélica e Pesquisa de Trauma, que se dedicará a novos tratamentos para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão e ansiedade em veteranos militares e em civis.

O centro nova-iorquino terá na direção da psiquiatra Rachel Yehuda, uma especialista em TEPT que também dirige um centro de saúde mental para veteranos no Bronx. Ela própria treinada nos protocolos para uso de MDMA (ecstasy) desenvolvidos pela Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps), ONG à frente do teste clínico de fase 3 que deve levar em breve à aprovação do emprego psicoterápico da droga, diz ser importante conhecer as experiências subjetivas de quem sofre:

“As pessoas que tomam MDMA relatam sentimentos de introspecção, conexão, compaixão consigo mesmas e com os outros, empatia e confiança interpessoal aumentada, que são condições ótimas para se engajar no processamento de material [psíquico] difícil ou traumático”, afirmou à newsletter Psilocybin alpha. Ouça Yehuda falar de psicodélicos e do centro, em inglês, aqui.

MGH e Mount Sinai se somam, assim, a várias instituições de excelência acadêmica que abriram centros para pesquisa psicodélica, como Imperial College de Londres, Universidade Johns Hopkins e Universidade de Nova York. É uma onda irresistível. No Brasil há grupos com pesquisa de primeira linha no tema, mas instituições acadêmicas acossadas por um governo retrógrado se preparam mais uma vez para perder o bonde, como alertou o primeiro post neste blog.

Publicações científicas e não especializadas não cessam de editar reportagens especiais e notícias sobre o assunto. Na semana que passou foi a vez da Nature, que fez um apanhado das novidades do setor sob o título “Como ecstasy e psilocibina estão sacudindo a psiquiatria”.

O texto assinado por Paul Tullis trata dos testes clínicos com essas drogas –17 só em 2020– e do desafio posto para órgãos reguladores, que cedo ou tarde terão de retirar os psicodélicos da lista de substâncias banidas. Ao contrário do que supõem o senso comum e os conservadores proibicionistas, a ciência vem mostrado que elas podem ser usadas de maneira segura, têm benefícios médicos e não causam dependência –vale dizer, não faz sentido manter sua proscrição.

Testes clínicos com psicodélicos (Reprodução/Nature)

Dos 17 ensaios clínicos relacionados pela Nature, 13 investigam a psilocibina dos cogumelos ditos “mágicos”, do gênero Psilocybe. Esses fungos alucinógenos têm longa história na ciência psicodélica e seu uso terapêutico começa a ser legalizado nos EUA, na esteira da maconha medicinal, avanço cultural que nem mesmo o governo primitivo de Donald Trump conseguiu barrar.

Outra droga que deverá ganhar atenção nos EUA é a ibogaína, por seu potencial para ajudar a domar a epidemia de mortes de dependentes de opioides, que poderá chegar a 100 mil vítimas em 2021. Originária do ritual Bwiti no Gabão e outros países da África, a substância já é usada em poucos centros da Costa Rica e do Brasil, por exemplo, que conseguem autorizações excepcionais para administrar o alucinógeno a drogadictos e o fazem sob controle de médicos, uma vez que pode desencadear arritmias cardíacas.

Um indício forte de que arrefece o preconceito contra psicodélicos como a ibogaína está no interesse que despertam entre investidores e, por extensão, nas publicações dirigidas a homens de negócio, como a agência Bloomberg. A droga é tratada de forma respeitosa em vídeo recente de sua série Moonshot, que já tinha 27 mil visualizações na segunda-feira (1º/2).

Um dos espectadores, identificado como CryptoMilitary Vet, comentou: “Psicodélicos me curaram de todas as minhas dependências, TEPT, e me mostraram que esta é a minha realidade e que a controlo por escolha. O passado só dói se eu permitir, mas eu sei que ele não existe mais, e assim me curei”.

A ciência brasileira tem a sorte de contar não só com grupos de pesquisa experimentados na pesquisa de psicodélicos –na UFRN, na UFRJ, na USP e na Unicamp, por exemplo—mas também com uma origem nos estudos sobre ayahuasca (DMT), de uso religioso autorizado. Os rituais tradicionais oferecem uma moldura de segurança para o consumo dessa droga poderosa, o setting acolhedor que as psicoterapias em teste se empenham em reproduzir com a decoração de ambientes e música suave.

Essa linhagem garante que pesquisadores como Sidarta Ribeiro (Instituto do Cérebro da UFRN) e Stevens Rehen (UFRJ/IDOR) cultivem o respeito por tradições xamânicas. Eles combatem a noção de que bastam as moléculas para obter efeito terapêutico, visão farmacológica reducionista compartilhada entre alguns pesquisadores.

“O trabalho mais difícil é o de encontrar com a dor do outro”, disse Sidarta quinta-feira (28/1) numa transmissão ao vivo do Instituto Phaneros com Stevens. “Quem sabe de settings não são os psiquiatras, mas sim os xamãs, que estão fazendo psicoterapia psicodélica há muito tempo. Precisamos ter delicadeza e cuidado com a experiência das pessoas. O ambiente hospitalar pode ser um problema.”

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ONU e EUA dão nova vida à maconha; Brasil elege morte por armas de fogo https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/12/11/onu-e-eua-dao-nova-vida-a-maconha-brasil-elege-morte-por-armas-de-fogo/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/12/11/onu-e-eua-dao-nova-vida-a-maconha-brasil-elege-morte-por-armas-de-fogo/#respond Fri, 11 Dec 2020 10:46:00 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/MaconhaFlorDaniloVerpaFev2020-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=158 A reclassificação da maconha no imaginário moral e na legislação avança pelo mundo. As Nações Unidas deram o passo mais recente na reforma de políticas de drogas, semana passada, quando sua Comissão sobre Drogas Narcóticas retirou a cânabis do Anexo 4 (Schedule IV) da convenção da ONU sobre a matéria.

A Convenção Única sobre Drogas Narcóticas data de 1961 e foi emendada pelo Protocolo de 1972 (há ainda uma Convenção sobre Drogas Psicotrópicas de 1971). O Anexo 4 relaciona as substâncias supostamente mais perigosas e causadoras de dependência, e manter a marijuana ali estava em franca contradição com a tendência liberalizante observada em várias partes do mundo –mas não no Brasil, claro.

Vários referendos e plebiscitos na eleição presidencial americana mudaram o status legal da maconha em alguns dos 50 estados. Agora são 38 deles em que o uso medicinal está autorizado e 16 em que se permite o uso recreativo adulto.

O último lance partiu da Câmara dos Deputados de lá, que retirou a planta da lei de substâncias controladas, em que figurava ao lado de cocaína e heroína, muito mais perigosas. Para que a descriminalização federal se efetive, há que aprovar a nova legislação no Senado ainda dominado por republicanos, o que parece improvável.

Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina (Divulgação)

De certo modo mais surpreendente, vista do Brasil, foi a descriminalização de cogumelos psicodélicos Psilocybe em Oregon e Washington, DC. Isso embora as substâncias psicoativas dos fungos, psilocibina e psilocina, continuem nas listas de compostos proscritos.

As mudanças legais são impulsionadas pela pesquisa biomédica, que comprovam a cada dia benefícios terapêuticos tanto da maconha quanto de psicodélicos. No primeiro caso, para tratar várias condições, como certos tipos de epilepsia e efeitos adversos de quimioterapia.

No caso da psilocibina e de psicodélicos como DMT (presente na ayahuasca), ibogaína, LSD e MDMA (ecstasy), estão na mira transtornos mentais como depressão, estresse pós-traumático, anorexia, ansiedade, tabagismo, alcoolismo e outras formas de dependência química. Os estudos ainda são experimentais, mas cada vez mais perto de obter aprovação para uso medicinal, pelo menos os que se referem a psilocibina para depressão e MDMA para estresse pós-traumático.

Na Holanda, o micélio de fungos Psilocybe (aglomerado de filamentos da hifa que se espalham abaixo do cogumelo propriamente dito), conhecido como “trufas psicodélicas”, é vendido até em cafés, porque essa variante não está especificamente proibida e acaba tolerada. No Brasil, situação parecida faz com que cogumelos secos possam ser adquiridos pela internet (para não falar da ayahuasca, legalizada para uso religioso).

Enquanto isso, arrasta-se no Congresso brasileiro, desde 2015, o projeto de lei 399, com vistas a “viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação”. O ministro da Justiça, André Mendonça, pastor presbiteriano, se empenha pessoalmente para que a proposta não seja aprovada.

Plantação de cannabis da Cannasure, empresa israelense de maconha medicinal. (Lalo de Almeida/ Folhapress)

Outra frente se encontra paralisada no Supremo Tribunal Federal. O plenário iniciou também há cinco anos o debate sobre descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal, mas, após três votos favoráveis, o tema espinhoso não voltou à pauta –é de pensar que os presidentes do STF, em condição de fazê-lo, se encolhem por temor da reação bolsonarista.

Nesse quadro para lá de retrógrado, parece impensável que entre em pauta a regulamentação de substâncias psicodélicas. Isso embora o país tenha tradição de pesquisa na área, desde pioneiros como Elisaldo Carlini na Unifesp, passando pela USP de Ribeirão Preto e, mais recentemente, pela UFRN, Unicamp e outras instituições de pesquisa.

O presidente Jair Bolsonaro não se importa com saúde e vida, como tem deixado evidente na reação à Covid-19. Faz pouco caso da tortura, do estupro, da homofobia, do racismo, da violência miliciano-policial e dos 180 mil mortos pelo coronavírus, mas vê sentido em eliminar impostos para importação de armas de fogo em meio a grave repique da epidemia.

Seu negócio é a morte, sempre foi. Só num país de gente frouxa ele poderia chegar ao poder e nele se manter por dois anos inteiros, rindo até de quem o elegeu.

Os então deputados Alberto Fraga e Jair Bolsonaro fazem sinal com as mãos imitando armas de fogo (Alan Marques/ Folhapress-2015)
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Conheça catalão que impulsionou estudos de ayahuasca no Brasil https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/10/21/conheca-catalao-que-impulsionou-estudos-de-ayahuasca-no-brasil/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/10/21/conheca-catalao-que-impulsionou-estudos-de-ayahuasca-no-brasil/#respond Thu, 22 Oct 2020 00:05:06 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/JordiRiba-287x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=27 Ciência de Jordi Riba ajudou a reabilitar psicodélicos, hoje discutidos até no Instituto de Psiquiatria da USP

O campo dos estudos psicodélicos perdeu em agosto um de seus especialistas de maior renome, o catalão Jordi Riba, nascido em 1968. Não o conheci pessoalmente, mas assisti palestra sua na conferência Psychedelic Science 2017 e ouvi de pesquisadores brasileiros os maiores elogios a sua pessoa e sua pesquisa.

Riba se notabilizou por investigações no hospital Santa Creu i Sant Pau da Universidade Autônoma de Barcelona. Foi o primeiro cientista a organizar estudos controlados comparando efeitos da ayahuasca com placebo, estabelecendo a segurança e a tolerabilidade das substâncias contidas nesse chá cerimonial de religiões como Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal. Recentemente vinculou-se à Universidade de Maastricht, na Holanda.

O catalão trabalhou com o daime por duas décadas e publicou mais de 40 trabalhos científicos sobre a bebida. Um dos primeiros foi sua tese de doutorado, “Farmacologia Humana da Ayahuasca”, defendida em 2003.

Depois disso ele comprovaria que a beberagem pode ser liofilizada e produzir os mesmos efeitos, com segurança. Também mostrou que as betacarbolinas nele presentes, como harmina e harmalina, são a chave para que o alcaloide dimetiltriptamina (DMT) chegue ao cérebro e ali produza as manifestações psicodélicas.

Riba era próximo de vários colegas no Brasil. Um deles foi Dráulio de Araújo, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), líder do estudo pioneiro sobre o impacto benéfico da ayahuasca na depressão. Araújo recorda com carinho o voo que fez na Califórnia com o amigo no manche –além de piloto, o catalão era também mergulhador e velejador.

Araújo assina com Jaime Hallak, Rafael dos Santos e Rafael Sanches um curto e elogioso obituário de Riba no periódico médico Brazilian Journal of Psychiatry. Sob sua orientação de 2006 a 2012, Santos demonstrou na tese de doutorado que duas doses consecutivas de ayahuasca não produzem tolerância.

Sanches contou com sua supervisão no pós-doutorado. Riba também foi estreito colaborador dos estudos de Hallak e Araújo sobre depressão.

A homenagem cita ainda que o catalão foi incluído pela revista Rolling Stone numa relação de 2017 dos 25 cientistas mais influentes no mundo. Com tantas realizações, ainda assim alguns fantasmas que lhe ocupavam a mente deram um fim trágico para sua vida.

A tradição de estudos que ajudou a firmar no Brasil segue dando frutos. Um dos mais recentes é a tese de doutorado de Lucas Maia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), “Uso ritual da ayahuasca durante o tratamento de doenças físicas graves: um estudo qualitativo”.

O trabalho, aceito para publicação no periódico Journal of Psychoactive Drugs, se baseou em extensas entrevistas qualitativas com 14 portadores de doenças graves, como câncer e Aids. Como já comprovaram estudos quantitativos com psilocibina, mais uma vez se mostrou que psicodélicos podem ajudar as pessoas a controlar a ansiedade diante da aproximação da morte.

“Não que eu quero morrer, não quero, eu quero viver bastante”, disse a Lucas Maia a jovem Rosa (nome fictício), 32, sobre seu tumor e as experiências de uso ritual da ayahuasca. “Mas eu não vejo com aquele medo que eu via no começo. Com aquela insegurança que eu via no começo. Com desespero.”

Quem se debruça sobre a ciência psicodélica e seu renascimento no século 21 topa a toda hora com relatos assim pungentes, acerca do efeito apaziguador sobre doenças do corpo e da alma –depressão, estresse pós-traumático, dependência química, anorexia, alcoolismo, e por aí vai.

Não são só relatos anedóticos, mas benefícios confirmados por número crescente de estudos clínicos controlados, a exemplo do realizado na UFRN sobre depressão. Os preconceitos com psicodélicos ainda existentes na classe médica vão aos poucos sendo abatidos pelo acúmulo de dados que a ciência da melhor qualidade vem produzindo.

Jordi Riba decerto ficaria feliz de saber que o vetusto Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, por exemplo, escolheu para sua próxima reunião mensal o tema “Quando a droga vira medicamento: Usos terapêuticos de alucinógenos em saúde mental”.

Será nesta nesta quarta-feira, às 10h30, com transmissão ao vivo. A convite de Valentim Gentil Filho, participam Jaime Hallak, um dos pioneiros no estudo da ayahuasca na USP de Ribeirão Preto, e André Negrão, que prepara um estudo clínico no IPq sobre terapia psicodélica para dependência.

Quando as drogas viram medicamento: O uso de alucinógenos em saúde mental
Cartaz da reunião geral do Instituto de Psiquiatria da USP IReprodução)
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