Virada Psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental Wed, 01 Dec 2021 01:26:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Terapias psicodélicas movimentam milhões antes de regulamentadas https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/13/terapias-psicodelicas-movimentam-milhoes-antes-de-regulamentadas/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/13/terapias-psicodelicas-movimentam-milhoes-antes-de-regulamentadas/#respond Sat, 13 Nov 2021 21:42:03 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/CetaminaInjecaoPsychonaughtWikiCommons-300x200.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=750 Quem quiser ter uma ideia da movimentação frenética dos negócios para aproveitar o renascimento psicodélico pode olhar para a Delic Corp. A empresa americana, que se apresenta como “corporação líder em bem-estar psicodélico”, fechou por US$ 3,3 milhões (R$ 18 milhões) a compra da rede Ketamine Welness Centers (KWC).

A KWC, como diz o nome em inglês, reúne clínicas que usam cetamina (ou ketamina) para tratamento de depressão e outros problemas mentais. Trata-se de um anestésico empregado há décadas, porém só mais recentemente na terapia desses transtornos.

A cetamina não pertence à classe dos psicodélicos clássicos, na qual figuram mescalina, LSD, psilocibina e DMT (dimetiltriptamina, presente na ayahuasca). Tem sobre eles a vantagem do efeito rápido e curto, compatível com atendimento no prazo de uma consulta médica, além de não ser substância proibida.

(Reprodução)

A aplicação se faz por injeção e só por médicos. A droga carrega ainda a fama de tirar de crises deprimidos graves, com ideações suicidas, embora sua versão em spray nasal (Spravato) não tenha essa indicação na bula porque testes clínicos da Janssen não obtiveram significância estatística para esse desfecho.

A KWC conta com dez clínicas de cetamina em nove estados: Arizona, Colorado, Flórida, Illinois, Minnesota, Nevada, Texas, Utah e Washington. Em 2020 a rede faturou US$ 3,5 milhões (R$ 19 milhões) e, neste ano, projeta alcançar US$ 4,5 milhões (R$ 25 milhões). Em seis anos, afirma ter aplicado 60 mil tratamentos.

A compradora, Delic, já operava duas clínicas com o nome Ketamine Infusion Centers (KIC), na Califórnia e no Arizona. O plano é abrir mais 15 delas em um ano e meio, consolidando a posição de líder do setor nos EUA e já se preparando para a explosão de mercado de psicoterapia assistida por psicodélicos esperada a partir de 2023, com a provável regulamentação de MDMA e psilocibina para esses tratamentos.

Na mira dos investidores estão milhões e milhões de pessoas que sofrem com depressão resistente a medicamentos existentes, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e dor crônica. Como as terapias psicodélicas em investigação não serão pílulas para tomar em casa, todo dia, como os antidepressivos, e sim como parte de tratamento psicológico ou psiquiátrico, pacientes terão de recorrer a médicos e centros clínicos.

No Brasil, nem mesmo a discussão sobre maconha medicinal avançou tanto quanto poderia, o que deixa prever muita morosidade quando chegar a vez dos estigmatizados psicodélicos. E não será por falta de gente que sofre, após uma pandemia mortífera potencializada pelo governo Jair Bolsonaro.

A movimentação de investidores por aqui é tímida, embora o país disponha de larga tradição de pesquisa com cânabis e psicodélicos, sobretudo ayahuasca. Foi graças a estudos com o chá, aliás, que pesquisadores psiconautas brasileiros ficaram em terceiro lugar num levantamento de estudos científicos de alto impacto, como o realizado sobre depressão na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Por ora o Brasil só conta com uma aceleradora de startups psicodélicas, a recém-fundada Scirama. Talvez não seja para estranhar tanto a falta de visão, numa nação em que a classe dos endinheirados apoiou, e em grande medida ainda apoia, um presidente do naipe de Bolsonaro.

Leia mais sobre psicodélicos no livro:

(Reprodução)

 

 

 

 

 

]]>
0
Estudo na Unicamp indica janela psicoterapêutica aberta pelo LSD https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/01/estudo-na-unicamp-indica-janela-psicoterapeutica-aberta-pelo-lsd/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/01/estudo-na-unicamp-indica-janela-psicoterapeutica-aberta-pelo-lsd/#respond Mon, 01 Nov 2021 21:50:56 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/LuciaKochInhotim-287x215.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=727 Nova pesquisa realizada na Universidade Estadual de Campinas pôs mais uma pedra no edifício em reconstrução da ciência psicodélica: se o LSD for usado como adjuvante de psicoterapia, o momento propício para a chamada terapia psicolítica provavelmente recairia quatro horas após a ingestão da substância.

“Baixa Dose de LSD e Corrente do Pensamento: Descontinuidade Aumentada da Mente, Pensamento Profundo e Fluxo Abstrato”, diz o título do segundo artigo publicado pelo grupo de Luís Fernando Tófoli. O trabalho saiu no periódico Psychopharmacology, tendo como primeira autora a alemã Isabel Wießner, orientanda de doutorado de Tófoli, e colaboradores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

O primeiro estudo dos autores havia sido publicado em julho, como noticiou o blog. Ambos os trabalhos tomam por base observações com 24 voluntários saudáveis que participaram de duas sessões experimentais.

Num dos encontros, a pessoa tomava 50 microgramas de LSD, e, no outro, um placebo, mas sem saber em qual deles tomava o quê. Wießner e o psiquiatra Marcelo Falchi, presentes na sala com os participantes por cerca de dez horas, tampouco sabiam.

Durante esse tempo, os voluntários respondiam a perguntas verbais, marcavam em escalas a intensidade das alterações mentais experimentadas e realizam testes num computador. Neste segundo artigo, a equipe deu destaque para alterações no fluxo de pensamento ao longo do tempo, algo ainda pouco conhecido no efeito lisérgico.

É bom mencionar que o LSD só foi proibido para usos não científicos na década de 1970. Antes disso, distribuído pelo laboratório suíço Sandoz com a marca Delysid, teve largo emprego em consultórios e estudos para tratar transtornos mentais e dependência de álcool, mas não com as metodologias e os controles rigorosos hoje usuais em pesquisa biomédica. Com a proibição e a demonização, o psicodélico quase desapareceu da pesquisa científica.

O medicamento Delysid (LSD) era comercializado pelo laboratório suíço Sandoz nos anos 1950 e 1960

No desenho da investigação liderada pela Unicamp, o controle residiu na comparação entre os efeitos medidos nos dias de ácido com os do dia de placebo. É o método conhecido como “cross-over”.

Num dos testes, o voluntário tinha de encadear a cada duas horas uma lista de palavras que lhe viessem à cabeça sob estímulo de um vocábulo-semente de três tipos (animais, objetos e palavras abstratas). Posteriormente, o time usou medidas de distância semântica para caracterizar o fluxo de pensamento –por exemplo, a separação entre “gado” e “vaca” é menor do que entre “gado” e “jornada”.

Para mensurar a divagação mental (“mind wandering”), empregou-se o Questionário Amsterdã de Estado de Repouso (ARSQ, na sigla em inglês). São 55 questões, por exemplo sobre descontinuidade da mente, planejamento, sonolência, conforto, percepção do corpo, preocupação com saúde e pensamento visual ou verbal que o participante tinha de responder no computador logo após passar cinco minutos de olhos fechados. Cada item solicitava que a pessoa indicasse seu grau de concordância/discordância numa escala de cinco pontos.

Resumindo muito a profusão de dados, o grupo constatou que o LSD, comparado com placebo,     acentuou aspectos caóticos, significativos e sensoriais do pensamento, como seria de esperar. Quanto ao fluxo da mente, curiosamente, as distâncias semânticas foram maiores quando as sementes eram palavras abstratas, mais que animais ou objetos.

Observaram-se também diferenças temporais. No pico inicial da experiência lisérgica, mesmo com a dose baixa de 50 mcg (1/5 a 1/4 de uma dose psicodélica plena), o caos dificultava até a comunicação e aumentava a arbitrariedade aparente das respostas aos testes.

 

Por volta das quatro horas de experimento, porém, a entropia mental causada pela LSD arrefecia e passava do polo caótico para um estado caracterizado por um fluxo mais livre nas associações, criativas e flexíveis. O oposto do fluxo disfuncional de pensamento caraterizado pela rigidez e fixação de certos transtornos mentais, como a ruminação presente em casos graves de depressão.

Eis o que os autores, tentativamente, apontaram como possível janela terapêutica. “A principal conclusão seria que vários elementos dos resultados (aumento de significado, fluxo abstrato) indicam que uma tal janela após quatro horas parece juntar vários efeitos interessantes com potencial terapêutico nessa dose relativamente baixa”, diz Wießner.

“Porém, nosso estudo avaliou participantes saudáveis, então outros estudos com pacientes serão necessários para dizer algo mais concreto em termos de benefícios terapêuticos durante essa janela.”

A pesquisadora se diz surpresa com o fluxo mais livre de pensamento estimulado por palavras abstratas. “Uma potencial interpretação é que palavras abstratas estimulam um pensamento amplo, em termos de distâncias semânticas, mais viagens mentais e na linguagem”, especula Wießner.

Uma interpretação alternativa seria que termos abstratos são mais difíceis de processar no cérebro, se comparados com animais e objetos, que evocariam processos mais automáticos. “Essa segunda interpretação iria na linha da redução de controle frontal: pode ser que o cérebro não consiga controlar suficientemente os processos cognitivos, e, assim, quando chegam estímulos mais difíceis, essa perda de controle se reflete num ‘caos’ de distâncias semânticas aumentadas na cadeia de palavras.”

A continuidade natural do estudo, propõe a pesquisadora alemã, seria investigar o potencial do LSD para quebrar esses padrões de fluxos de pensamento disfuncionais em pacientes ou demonstrar e ensinar outros fluxos possíveis, por exemplo mais orientados a coisas que ganharam um significado especial durante o estado lisérgico.

Isso, evidentemente, se um dia o LSD –que não causa overdose nem dependência– for um dia retirado da lista de substâncias proibidas em que foi parar como bode expiatório da Guerra às Drogas declarada por Richard Nixon em 1970. Até lá, a janela terapêutica que ele e outros psicodélicos banidos podem abrir continuará fechada.

Tófoli, o autor sênior da pesquisa, chama a atenção para o fato de “o LSD ser proposto hoje em dia menos como molécula terapêutica e mais como ferramenta para caracterizar o efeito subjetivo”. Isso porque com outros psicodélicos, como a psilocibina (cogumelos) e a dimetiltriptamina (DMT), o efeito tem duração mais curta.

Leia mais sobre psicodélicos no livro:

(Reprodução)

]]>
0
De doutor para doutor, medicina quer DR sobre drogas com juízes e promotores https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/09/16/de-doutor-para-doutor-medicina-quer-dr-sobre-drogas-com-juizes-e-promotores/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/09/16/de-doutor-para-doutor-medicina-quer-dr-sobre-drogas-com-juizes-e-promotores/#respond Thu, 16 Sep 2021 20:00:50 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/Deboranfografico_Ep4-300x169.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=626 Uma série de quatro vídeos para distribuição por celular, com 5 a 6 minutos cada, estreia nesta sexta-feira (17) para semear o diálogo entre medicina e Justiça sobre a Lei de Drogas (11.343/2006). Um convite a que juízes e promotores ouçam a ciência da maconha e dos psicodélicos, reflitam sobre o encarceramento em massa e tomem decisões para promover a saúde, antes de mais nada.

O lançamento da série DR.DR. ocorre às 10h com o debate “Uma Conversa entre a Saúde e a Justiça”. O evento contará com o ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e Ela Wiecko de Castilho, subprocuradora-geral da República.

Participam ainda a magistrada Clara Mota, pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais), e Débora Medeiros, psiquiatra que apresenta as peças de divulgação. Além delas, falarão representantes das organizações produtoras da DR.DR., Justa e Iree (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa).

“Aprendi que, pela teoria do direito, o bem jurídico que essa lei [11.343] protege é a saúde pública”, diz Medeiros no primeiro vídeo. Com voz pausada, entre maternal e professoral, a médica desfia argumentos racionais baseados em evidências de pesquisas para questionar os pressupostos da Guerra às Drogas que contaminam o debate desde a década de 1970.

A ênfase na saúde, não no crime, tem pautado reformas de legislações sobre drogas por toda parte, de Portugal ao Uruguai, de estados norte-americanos a Israel. Não no Brasil, onde até o consagrado uso medicinal de compostos da maconha ainda enfrenta restrições e o Supremo Tribunal Federal posterga desde 2015 decisão sobre descriminalizar a posse da erva para consumo pessoal.

Nem mesmo o sucesso da ciência psicodélica no país foi capaz de abrir brechas na doutrina repressiva. Medeiros cita no quarto vídeo a nova era farmacológica que se abre para a psiquiatria, com descobertas “até chocantes para médicos” sobre o potencial terapêutico de compostos proibidos como psilocibina, LSD e MDMA.

Poucos juízes e promotores sabem que MDMA, base da droga da noite ecstasy, está na reta final de aprovação pela FDA (a Anvisa dos EUA) para psicoterapia em pacientes com transtorno de estresse pós-traumático. Ou que a Universidade Federal do Rio Grande do Norte já fez teste clínico do chá psicoativo ayahuasca contra depressão, com bons resultados.

Some-se a isso a tendência ao alarmismo, entre conservadores, no que se refere a drogas, e ao negacionismo, no tocante à pandemia, em favor de fraudes como a cloroquina. Para Luciana Zaffalon, diretora da Justa, “o terraplanismo na medicina é a mesma coisa na política de drogas”.

“A política de drogas é negacionista. Nega a ciência sobre a maconha e os psicodélicos”, concorre o advogado Cristiano Maronna, seu colega na direção da Justa. Para ele, é imprescindível um debate sobre “como a medicina se apropriou da questão das drogas para dizer o que é dependência e como se cura a dependência”.

A Covid-19 oferece oportunidade única para abalar esses alicerces, na medida em que espalha e amplifica o sofrimento das pessoas –mais depressão, ansiedade e estresse causados por luto, desemprego, doença, até fome.

Como resultado, subiu 22% o consumo de ansiolíticos como Rivotril (clonazepam) e 17% o de antidepressivos, enquanto o abuso de álcool saltou 35%, segundo a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).

Nos Estados Unidos, aumenta o consumo de psicodélicos. O levantamento “Monitorando o Futuro”, da Universidade de Michigan, aponta que o uso de LSD e psilocibina (“cogumelos mágicos”) mais que dobrou entre estudantes universitários, saindo de 4,1% antes da pandemia para 8,6%.

Em busca de alívio, os mais afetados pela pandemia vão buscar também drogas proibidas, e outros adotarão o comércio ilegal como alternativa de renda, tornando-se ambos alvos da polícia. De acordo com a publicação “World Drug Report 2021”, citada no primeiro DR.DR., a população vulnerável a drogas aumentou 43% em países de baixa renda e 10% nos de renda média.

O mundo jurídico brasileiro (mas não o dos EUA), na visão dos produtores da série, estaria preso a uma perspectiva reducionista forjada por médicos conservadores como o deputado Osmar Terra (MDB-RS), figura bolsonarista de proa nos dois debates (Covid e drogas). Ela se baseia na negação da complexidade do fenômeno da dependência, atribuindo-a exclusivamente às substâncias.

“Crack não, rivotril sim; maconha não, álcool sim”, resume Medeiros no vídeo. Essas distinções se fundam na noção equivocada de que alguns compostos teriam o poder de, por si sós, desencadear a dependência. Fora de foco ficam os fatores individuais (como traumas antigos) e situacionais (exclusão, estresse).

Muitos juristas desconhecem que essa maneira de ver a dependência carece de base na ciência e nos dados. Cerca de 80% dos que usam crack não se tornam dependentes, assim como 91% dos adeptos da maconha. E psicodélicos clássicos não só demonstram benefícios terapêuticos como têm bom perfil de segurança farmacológica, com baixa toxicidade e risco mínimo de causar dependência.

O encarceramento não só não resolve como agrava o problema. A população prisional no Brasil avançou de 90 mil detentos em 1990 para 753 mil em 2020 sem que a questão do tráfico se resolvesse. Ao contrário, nas penitenciárias a droga corre solta.

Na chamada cracolândia paulistana, por volta de 70% dos frequentadores já estiveram presos. Outra consequência das prisões em massa são núcleos familiares sem um dos genitores: há 30 milhões deles no país, um crescimento de 100% em 15 anos.

Cena da chamada cracolândia, no centro de São Paulo (Foto: Bruno Santos/ Folhapress)

É com esses dados que a série DR.DR. pretende acrescentar um grão de sal às noções predominantes entre juízes e promotores. O próximo passo é firmar parcerias com associações como a Ajufe, para distribuir o conteúdo entre profissionais do setor.

A série lança mão do prestígio social de juízes, promotores e médicos, todos chamados de “doutor” no cotidiano, para uma conversa de igual para igual. Todo dia eles tomam decisões que podem melhorar ou acabar com a vida de cidadãos, e a organização Justa quer contribuir para que elas promovam mais saúde pública e não tantas prisões contraproducentes, no caso das drogas.

“Usar o audiovisual para iniciar um diálogo sobre temas delicados”, explica Zaffalon. “Não apontar o dedo para a Justiça, mas convidar a pensar.”

*

A Fósforo Editora está dando 20% de desconto no livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” para quem se inscrever no curso sobre drogas modificadoras da consciência no portal Bora Saber, que começa em 28 de setembro. Não perca essa chance de saber um pouco mais sobre o que a pesquisa está (re)descobrindo de benéfico e terapêutico em substâncias poderosas como psilocibina, LSD, ayahuasca, MDMA e ibogaína.

]]>
0
Brasileiros reforçam pesquisa com o psicodélico ibogaína para dependência https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/23/brasileiros-reforcam-pesquisa-com-o-psicodelico-ibogaina-para-dependencia/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/23/brasileiros-reforcam-pesquisa-com-o-psicodelico-ibogaina-para-dependencia/#respond Mon, 23 Aug 2021 22:03:32 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/OXIemRioBrancoDanielMarencoFolhapress2011-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=579 “Chega uma hora que a gente cansa de usar, muitas vezes ficava com o cachimbo [de crack] na mão, chorando e pensando: ‘Não tô querendo, mas tô usando’. Nossa, é uma tristeza, um sofrimento mesmo.”

Os depoimentos de dependentes de crack, como este de Luan (nome fictício), são sempre doloridos e penosos de ouvir. Não foi recolhido pelo blog, mas pelo psicólogo Bruno Ramos Gomes, para a tese de doutorado defendida em maio na Unicamp (houve breve referência ao trabalho aqui no blog, em post anterior, “Como a ibogaína está ajudando uma jornalista a retomar controle da vida”.

Título da tese: “O Uso da Ibogaína no Manejo da Dependência de Drogas no Brasil: Um Estudo Qualitativo de Seguimento por Um Ano” (ainda não está disponível em biblioteca digital, mas o link será incluído aqui assim que aparecer). Eis uma contribuição importante para saber em que contextos o Brasil se tornou o país com talvez a maior experiência na aplicação do composto de origem africana para tratar abuso de substâncias.

Gomes faz parte de uma das equipes que preparam testes clínicos controlados com ibogaína em terapia para dependentes brasileiros, com epicentro no Instituto de Psiquiatria da USP em São Paulo e capitaneada pelo psiquiatra André Brooking Negrão. O outro grupo tem Rafael Guimarães dos Santos e Jaime Hallak à frente, na USP de Ribeirão Preto.

Santos e Hallak acabam de lançar no periódico Psychopharmacology, com colaboradores da Espanha, uma revisão internacional de 18 estudos publicados entre 2015 e 2020 sobre efeitos adversos da ibogaína. O levantamento agrega um caso novo de morte aos 33 arrolados em revisões anteriores (há outro óbito ocorrido no Brasil, não publicado).

O estudo dá detalhes dos problemas cardíacos, convulsões e sintomas menores (zumbido, vômito, diarreia) que podem acompanhar a viagem onírica com extratos da planta Tabernanthe iboga. Arritmias ocorrem em casos raros, mas são controláveis se o paciente estiver monitorado por pessoal médico. O artigo conclui pela necessidade de testes clínicos de fase 1 para refinar o conhecimento sobre uso seguro da ibogaína.

Iniciativa 81
Tabernanthe iboga, planta de origem africana de cuja raiz se extrai a ibogaína, uma das drogas que poderão ser descriminalizadas em Washington, DC (Marco Schmidt/Creative Commons)

Esse é um dos problemas da popularização de terapias para dependentes com iboga no Brasil, como relata Gomes: nem todo atendimento se dá em condições favoráveis.

É provável que boa parte deles tenha sido tratado com segurança pelo médico Bruno Rasmussen Chaves, com internação por 24 horas e monitoramento cardíaco contínuo. Esse foi o primeiro dos contextos documentados na tese de doutorado da Unicamp orientada pelo psiquiatra Luís Fernando Tófoli.

Chaves já tratou mais de 2.000 pessoas em um quarto de século de experiência com terapia psicodélica em Santa Cruz do Rio Pardo e depois Ourinhos, no interior paulista. Ele segue à risca normas da Anvisa para importar a droga com alto grau de pureza, processo burocrático específico para cada paciente. Nunca teve um caso fatal.

A segunda situação de pacientes entrevistados por Gomes na tese é parecida, mas com diferenças importantes. O autor não nomeia a instituição, mas meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (Fósforo Editora) indica que se trata do Instituto Brasileiro de Terapias Alternativas (IBTA), de Paulínia, outra cidade paulista, que alega o dobro de atendimentos de Chaves e registrou em 2016 uma morte horas após aplicação de ibogaína.

Menos controlado se mostra o uso do composto nos outros contextos exemplificados na tese, indivíduos e grupos que o utilizam como recurso contra dependência química numa zona cinzenta entre terapias e cerimônias religiosas com a ayahuasca. O perigo aumenta, e não se descarta que outras mortes tenham acontecido nesse circuito paralelo da ibogaína, não documentadas.

Gomes conclui que “alguns dos problemas enfrentados pelos participantes mostram riscos que devem ser levados em conta no uso da ibogaína e também em futuras regulamentações do seu uso, principalmente em relação a triagem e preparo do paciente, administração e dosagem da ibogaína e suporte durante o efeito agudo”.

O forte da tese, para interessados no aspecto subjetivo (“fenomenológico”, no jargão da ciência psicodélica), são os cinco relatos de dependentes que o psicólogo acompanhou por um ano, com entrevistas trimestrais. Um dos mitos que se desfaz com a leitura é o da ibogaína como panaceia ou bala de prata para exterminar a dependência.

Os pacientes saem melhores da experiência e descrevem como passaram por uma renovação da própria vida, mas não se livram do crack num passe de mágica. Chico (nome fictício), por exemplo, chegou a crer que encontrara a cura, como descreveu na primeira entrevista três meses de acompanhamento:

“Eu falei que me vi no uso [de crack], no dia da dose alta [de ibogaína]. Fiquei com dó de mim mesmo… Me vi desde pequenininho. Como me tornei isso?” –relatou a Gomes. “Venho de 12 internações, 20 anos de uso de crack. Eu às vezes lembro, mas não dá um trisco de vontade, nada! A memória não vem muito também. É como se eu nunca tivesse usado.”

Depois disso Chico teve recaídas esparsas, tomou ibogaína mais algumas vezes, porém com menos efeito. Procurou ajuda também na ayahuasca. Nas conversas subsequentes, já não dizia acreditar estar curado da dependência, mas sim amadurecido:

“Me tornei uma pessoa melhor, mais regrada. Nunca fui desonesto, nunca fui de mexer nas coisas do outro, mas agora tô até meio chato nessa parte. Fiquei até meio velho… Acho que amadureci. Pude me sentir uma pessoa que se resolveu com ela mesma. Ficava esperando felicidade e perguntando de onde ela ia vir… E ela tá aqui comigo. Consegui ficar feliz com o que eu já tinha.”

É de mais histórias e relatos como esse, tocantes e lúcidos, que a ciência psicodélica nacional precisa. Além, claro, de resultados sólidos da pesquisa rigorosa que pôs o Brasil na terceira posição entre os que produzem mais artigos científicos de alto impacto.

Só assim será possível vencer o preconceito que joga os psicodélicos na vala comum das drogas “demoníacas” e impede o avanço que alguns de nosso melhores cientistas perseguem, em favor da saúde mental, não sem risco para a própria carreira e reputação.

PARA SABER MAIS

Curso

Livro

(Reprodução)
]]>
0
Enquete global confirma força da ayahuasca contra álcool e drogas https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/enquete-global-confirma-forca-da-ayahuasca-contra-alcool-e-drogas/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/enquete-global-confirma-forca-da-ayahuasca-contra-alcool-e-drogas/#respond Sun, 08 Aug 2021 19:31:00 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/InnerVisionsCapa-300x186.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=560 Pesquisa na internet realizada por pesquisadores na Austrália, Brasil e Espanha atesta com base numa grande amostra aquilo que evidências anedóticas de igrejas da ayahuasca já indicavam: o chá psicodélico está diretamente relacionado com menor incidência de uso problemático de drogas, em particular o álcool.

O Projeto Ayahuasca Global colheu em 40 países testemunhos de 10.836 usuários do chá, dos quais 8.629 relataram uso de álcool ou drogas e foram incluídos na análise publicada em 25 de julho no periódico Drug and Alcohol Review. Dos oito autores, três atuam no Brasil: Emerita S. Opaleye (Unifesp), Luís Fernando Tófoli (Unicamp) e Nicole L. Galvão-Coelho (UFRN).

Alguns vão torcer o nariz para a ideia de tratar abuso de drogas com outra droga, mas a DMT da ayahuasca, o LSD e a psilocibina de cogumelos são especiais. Pouco tóxicos, não causam dependência química e estão de volta à pesquisa de tratamentos psiquiátricos, após meio século de proibicionismo, com o ímpeto de um renascimento psicodélico.

De depressão a anorexia, vários são os transtornos para os quais ensaios clínicos apontam aplicações terapêuticas promissoras. Tão promissoras que instituições acadêmicas como Imperial College, Johns Hopkins, Harvard, o hospital Mount Sinai e as universidades de Nova York e da Califórnia abriram centros de estudos específicos para psicodelia. Pipocam investimentos privados bilionários na novidade psicofarmacológica.

O centro mais recente surgiu em Melbourne, Austrália: Instituto Psychae, voltado a testes clínicos de compostos farmacêuticos para medicina psicodélica. Segundo noticiou o jornal The Sydney Morning Herald, o centro de pesquisa nasce com dotação de 40 milhões de dólares australianos (R$ 154 milhões) doados por empresa americana de biotecnologia que prefere não ser identificada.

O Psychae terá como co-diretores Jerome Sarris, da Universidade Western Sydney, e Daniel Perkins, da Universidade de Melbourne. Não por acaso são respectivamente primeiro e último autores do artigo na Drug and Alcohol Review sobre ayahuasca, pois a dimetiltriptamina (DMT, principal psicoativo do chá) está nos planos de ensaios clínicos do novo instituto, por exemplo para tratar transtorno de uso de drogas (abuso e dependência).

Testemunhos obtidos pela internet implicam vieses de seleção, pois usuários de ayahuasca com más experiências provavelmente estariam menos motivados a preencher uma série de formulários padronizados. O forte dessa enquete, por outro lado, está no tamanho avantajado da amostra e na composição multicultural.

A análise revelou que há correlação estatística significativa entre frequência no uso da ayahuasca e menor incidência de uso ou abuso de álcool e outras drogas. E mostrou que esse benefício de saúde mental independe, em certa medida, de beber o chá em rituais religiosos (embora o uso em contexto cerimonial pareça, sim, robustecer o efeito terapêutico).

A presença destacada de brasileiros entre autores e participantes não é coincidência. O estudo da ayahuasca foi facilitado aqui pela legalização do chá para uso religioso a partir de 2004, o que tornou o Brasil o terceiro maior produtor de pesquisas de impacto em ciência psicodélica.

O estudo brasileiro de maior repercussão foi justamente um teste clínico randomizado controlado por grupo placebo com ayahuasca para depressão resistente a medicamentos, de 2018. Chefiado por Dráulio Araújo e Fernanda Palhano-Fontes, o ensaio pioneiro contou com participação de Nicole Galvão-Coelho (todos da UFRN).

Nicole Leite Galvão-Coelho em seu laboratório na UFRN. (UFRN/Divulgação)

A fisiologista retornou há poucos meses de um sabático na Austrália. Sua especialidade são marcadores relacionados com transtornos, como inflamação, cortisol e BDNF (fator cerebral importante na formação de sinapses).

Nicole acaba de publicar artigo sobre os perfis bioquímicos em pacientes com diferentes estágios de depressão, de recém-diagnosticados àqueles que não melhoram com antidepressivos disponíveis. Esse detalhamento poderá ajudar na sintonia fina de terapias com substâncias como a ayahuasca (que normaliza níveis de cortisol em pacientes graves resistentes, por exemplo).

O time potiguar trabalha no planejamento de testes clínicos mais ambiciosos de psicodélicos, com as dificuldades usuais enfrentadas por pesquisadores brasileiros. Grupos da USP também preparam ensaios controlados com o psicodélico ibogaína para dependência química (crack e álcool), mas ainda não abriram recrutamento.

Com frequência este blog recebe consultas sobre oportunidades para participar desses estudos e, quem sabe, beneficiar-se dos efeitos terapêuticos que a ciência vem constatando. Não cabe aqui fazer qualquer recomendação, porque a maioria dos psicodélicos permanece proibida e porque não sou médico nem psicólogo. Psicodélicos não são panaceia emocional, têm contraindição para muitas pessoas e não estão isentos de efeitos adversos, como qualquer substância.

Dito isso, cabe assinalar que havia no final de 2020 pelo menos 70 testes clínicos de psicodélicos com registro ativo no mundo. Entre eles, 56 estavam recrutando voluntários ainda no mês passado.

Seria ótimo se a parceria de pesquisadores nacionais com o milionário Instituto Psychae da Austrália colaborasse para impulsionar mais e maiores ensaios como esses no Brasil, necessitado como está o país de sacudir a depressão galopante (para não dizer ruminante), e manter sua posição de destaque em ciência psicodélica.

PARA SABER MAIS

Curso

 

Livro

(Reprodução)

 

 

 

 

 

 

]]>
0
Experimento brasileiro mapeia curas e loucuras na terra incógnita do LSD https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/07/12/experimento-brasileiro-mapeia-curas-e-loucuras-na-terra-incognita-do-lsd/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/07/12/experimento-brasileiro-mapeia-curas-e-loucuras-na-terra-incognita-do-lsd/#respond Tue, 13 Jul 2021 02:15:38 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/BISPOROSARIOfolhapressRicardoBorges-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=548 Quem já tomou LSD conhece bem a mistura de clareza e perturbação mental induzida pela droga psicodélica. Graças a um grupo brasileiro de pesquisa com epicentro na Unicamp o mapa desse paradoxo ganha mais detalhes, contribuindo para esclarecer como uma experiência que tem algo de psicótica pode também ser terapêutica.

O trabalho, obtido com exclusividade pelo blog, sai publicado nesta terça-feira (13) no periódico Psychological Medicine sob o título “LSD, Loucura e Cura: Experiências Místicas como Possível Elo entre Modelo Psicótico e Modelo Terapêutico”. É o primeiro estudo no Brasil com LSD em seres humanos desde os anos 1960, quando se interromperam pesquisas feitas por exemplo na USP.

Participaram do experimento de Isabel Wießner, psicóloga alemã que faz doutorado na universidade paulista, 24 adultos com contato anterior com a dietilamida do ácido lisérgico (LSD, na abreviação original do alemão). O orientador de Isabel na Unicamp, psiquiatra Luís Fernando Tófoli, figura como autor sênior do artigo.

Cada pessoa tomou 50 microgramas da droga numa sessão e placebo na outra, separadas por 14 dias, sem saber em qual delas ingeriu o quê. Ao longo de oito horas, fazia testes e preenchia questionários na presença da psicóloga e de um psiquiatra, Marcelo Falchi, que também desconheciam qual substância o participante havia ingerido. No dia seguinte de cada sessão, mais uma bateria com duas horas de testes.

Os outros autores são Fernanda Palhano-Fontes e Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Amanda Feilding, da Fundação Beckley (Reino Unido), uma condessa britânica que ajudou a financiar o estudo.

A ferramenta para destrinchar o componente loucura do LSD foi um questionário que mede saliência aberrante, a tendência a destacar e emprestar sentido especial a objetos e pensamentos que normalmente não receberiam a mesma atenção. É o que psiquiatras chamam de atribuição patológica de significado, uma distorção cognitiva que a viagem psicodélica compartilha com estágios iniciais de psicose.

Mesmo trabalhando com uma dose baixa de LSD, chamada de “psicolítica” nos tempos pré-proibição (décadas de 1950/60) em que a droga era empregada em psicoterapia, o experimento confirmou aumento da saliência aberrante na comparação com o dia de placebo. O questionário se compõe de perguntas sobre a pessoa ter experimentado emoções agudas relacionadas com coisas ou ideias, ou a sensação de que algo importante está para acontecer, a iminência de compreender significados elusivos.

(Ilustração: Rodrigo Visca)

Outros testes também indicaram as alterações lisérgicas da percepção características do estado psicodélico, sobretudo visuais. Esta é uma diferença marcante com as alucinações de esquizofrênicos crônicos, em que predomina o sentido da audição (“ouvir vozes”) e a convicção de que se trata de manifestação real, engendrando o que se chama de ideia delirante.

“Os pesquisadores viram que, de fato, nos voluntários o LSD foi capaz de provocar uma diferença nas respostas, na escala de saliência aberrante, quando comparado ao placebo. Tal observação pode contribuir para explicar o mecanismo pelo qual pessoas com depressão ou sintomas de traumas passados mudaram suas crenças e atitudes após experiência pontuais ou repetidas de psicodélicos”, diz André Brooking Negrão, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Negrão não participou do estudo, mas integrou a banca de qualificação de Isabel para o doutorado. Em sua avaliação, “o artigo é mais um atestado da produtividade e da sofisticação dos estudos feitos por pesquisadores dos dois centros, Unicamp e Natal.”

O componente terapêutico foi escrutinado no estudo por meio do conceito de sugestionabilidade. De olhos fechados, o participante era convidado a imaginar tão fielmente quanto conseguisse situações como o peso de livros empilhados sobre uma das mãos, ou o cheiro e sabor de uma fruta, e depois avaliava quão realista havia sido a sensação.

Como seria de esperar, as diferenças entre o estado alterado e o estado placebo foram estatisticamente significativas. Esse fenômeno pode ser útil em psicoterapia porque facilitaria a superação de barreiras, na medida em que o paciente se mostra mais inclinado a acatar sugestões para se aprofundar em cenas, pessoas ou temas marcantes ou dolorosos de sua biografia, por exemplo buscando imagens que possam representar os sentimentos associados.

“A sugestão é um processo fundamental na hipnoterapia, em que o paciente entra em estado de transe e consegue experimentar de modo mais fácil e vívido o que o terapeuta sugere, por exemplo visualizar uma relação difícil com a mãe, criar um símbolo para concretizar essa relação e trabalhar com esse símbolo”, exemplifica Isabel, que pesquisou hipnose para tratamento de dor em seu mestrado na Universidade de Jena.

Ela queria investigar outros estados alterados de consciência desencadeados por substâncias com potencial curativo, mas psicodélicos são proibidos na Alemanha. Depois de fazer um curso com Tófoli sobre ayahuasca, chá psicoativo legalizado no Brasil para uso religioso, decidiu-se por um doutorado na Unicamp.

A pesquisadora buscou também possíveis correlações entre a intensidade da experiência psicodélica (como distorções nos sentidos de tempo e espaço) e os resultados obtidos com as diferentes escalas empregadas no estudo, incluindo as que medem aspectos “místicos” (dissolução do ego, sentimento de unidade com uma totalidade maior que o indivíduo, ou o que algumas descrevem como participação no divino). Cabe aqui lembrar o óbvio: correlação não implica causalidade, mas pode ser uma pista.

Encontraram-se correlações fortes entre o grau relatado do estado psicodélico e saliência aberrante, mas não com sugestionabilidade. Ou seja, embora a capacidade de sugestionar-se tenha aumentado, assim como no caso da saliência (a medida mais associada com o caráter subjetivo “místico”), os dois incrementos não ocorreram necessária e proporcionalmente nos mesmos indivíduos, nem se detectou paralelismo estatístico significativo no grupo.

“O fato de experiências místicas terem importância em diversas áreas, da ‘loucura’ (experiências psicóticas) até a ‘cura’ (efeito terapêutico) indica que essas experiências possivelmente têm papel importante na saúde mental”, conjetura Isabel. Com efeito, a correlação entre o nível de qualidade “mística” na viagem psicodélica e o benefício terapêutico foi apresentada num trabalho célebre de Roland Griffiths em 2006.

“Um candidato ou candidata a terapeuta psicodélico deveria estar ciente de que os psicodélicos parecem ser capazes de induzir os dois lados (‘cura’ e ‘locura’) que parecem ter uma faceta de experiência mística em comum, estar preparado para ajudar o paciente a aceitar os dois lados e tentar promover e guiar a conexão entre esses dois aspectos para entender e melhorar a saúde mental.”

Para Tófoli, “a ideia não é criar uma ‘psicose artificial’ para estudar a esquizofrenia (que apresenta muitos outros sintomas além daqueles apresentados pelo LSD), e sim estudar um estado ‘caótico’, de aumento de entropia, que tem algumas semelhanças com a psicose”. Produzir uma psicose artificial em ambiente controlado  era o objetivo de pesquisadores como Clóvis Martins, cuja tese de livre docência na USP em 1964 se enquadrava no chamado paradigma “psicotomimético”.

“No nosso caso, estamos chamando a atenção da correlação da saliência aberrante com experiências que estão associadas com respostas a sintomas mentais, especificamente no caso das experiências místicas.”

O psiquiatra chama atenção para a necessidade de, no eventual uso do LSD para psicoterapia, dedicar atenção crucial para a dose, a cautela do terapeuta ao manejar a sugestionabilidade, a disposição mental do paciente (set) e as condições em que a sessão de dosagem acontecer (setting): ao invés de patologizar o que os psicodélicos provocam, propõe-se que o estado de entropia aumentado pode, desde que em set e setting adequados, desencadear experiências potencialmente positivas.

“Estar atento ao que se sugere em um futuro uso terapêutico de doses psicolíticas de LSD é muito importante, assim como acolher eventuais experiências místicas e de atribuição especial de significados –por vezes, inclusive, precisando ancorar alguma ‘viagem exagerada’ do paciente, principalmente em sessões de integração.”

O medicamento Delysid (LSD) era comercializado pelo laboratório suíço Sandoz nos anos 1950 e 1960

Tófoli lembra que uma das indicações do Delysid (nome comercial do LSD distribuído pelo laboratório suíço Sandoz até os anos 1960) era justamente indicá-lo para que psiquiatras e terapeutas o tomassem para entender melhor os estados psicóticos.

“Embora pouco discutida atualmente, eu considero essa indicação extremamente válida, desde que os profissionais em questão não estejam em grupos de risco, ou seja, não tenham tendências ou histórico de psicose. Pessoalmente, a experiência com psicodélicos certamente me abriu os olhos para entender melhor e desenvolver maior empatia pelo que passam os pacientes psicóticos.”

*

Este blog está precisando de férias. Volta sem falta em agosto.

SAIBA MAIS

Livro “Psiconautas” (Fósforo Editora)

(Reprodução)

 

]]>
0
USP de Ribeirão testa ayahuasca para medo de falar em público e fobia social https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/usp-de-ribeirao-testa-ayahuasca-para-medo-de-falar-em-publico-e-fobia-social/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/usp-de-ribeirao-testa-ayahuasca-para-medo-de-falar-em-publico-e-fobia-social/#respond Mon, 28 Jun 2021 15:50:54 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/FobiaSocialGettyImages-300x169.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=529 Não são poucas as pessoas que tremem, suam e chegam a ter dor de barriga ou vontade de urinar quando precisam se apresentar diante de uma plateia. Para 2% a 7% da população de cada país, esse medo cresce a ponto de impedir qualquer atividade pública, com óbvio prejuízo na escola ou no trabalho, mas a ayahuasca pode dar-lhes alguma ajuda.

Ayahuasca? Sim, propõe estudo recém-publicado de Rafael Guimarães dos Santos, neurocientista da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP). “Ayahuasca melhora autopercepção de desempenho discursivo em participantes com transtorno de ansiedade social”, afirma já no título artigo na revista especializada Journal of Clinical Psychopharmacology.

Transtorno de ansiedade social (TAS) e fobia social são nomes pomposos dados por psiquiatras para o famigerado medo de falar em público quando ele se torna paralisante, irracional. É o tipo de ansiedade mais comum, o terceiro transtorno psiquiátrico mais frequente, embora subnotificado (menos de 6% dos casos são diagnosticados), e costuma associar-se com outros distúrbios, como depressão e abuso de álcool.

Antidepressivos e psicoterapia podem ajudar, mas a maioria das pessoas com o problema segue tropeçando pela vida, até que algumas terminam abandonando a escola ou perdendo o emprego. Estima-se que até 25% dos estudantes universitários sofram com isso.

A ayahuasca foi escolhida por ser uma substância psicodélica muito estudada no grupo de Rafael dos Santos e ter conhecido efeito benéfico sobre depressão e ansiedade. O chá sacramentado em rituais de Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV) leva folhas do arbusto chacrona, fonte do alcaloide dimetiltriptamina (DMT), e o cipó mariri ou jagube, fonte de compostos que inibem a decomposição da DMT.

Depois de recrutar 894 possíveis voluntários entre alunos da USP de Ribeirão, o grupo de pesquisa chefiado pelo psiquiatra Jaime Hallak terminou com apenas 17 que satisfizeram todos os requisitos para inclusão na pesquisa e compareceram para entrevistas e questionários padronizados de diagnóstico.

Cinco horas após tomar –pela primeira vez na vida– uma dose baixa de ayahuasca ou placebo (2 mililitros por quilo de peso), os voluntários tinham de fazer apresentação com tema pré-definido diante de uma tela, enquanto eram filmados, como numa conferência por zoom.

Antes e depois da experiência simulando a fala em público, precisavam preencher questionários para determinar o grau de ansiedade e autopercepção negativa (desconfiança sobre a própria capacidade, que contribui para piorar o desempenho).

Uma das limitações do estudo esteve em que os estudantes selecionados apresentavam níveis relativamente baixos de ansiedade antes mesmo do experimento. Talvez por isso os pesquisadores não tenham conseguido detectar diminuições significativas nos escores padronizados, embora os participantes tenham relatado sentir calma maior que usual durante o discurso.

“Não observamos efeitos significativos nas escalas de ansiedade, mas sim nos relatos e nas observações dos pesquisadores”, admite Santos. “A ausência de resultados significativos pode ser porque essas pessoas não tinham níveis elevados de ansiedade, mesmo preenchendo o diagnóstico, ou pela amostra pequena.”

Por outro lado, o experimento revelou que os voluntários melhoraram significativamente a autopercepção. Ou seja, mostraram-se menos desconfiadas quanto à capacidade de desempenhar adequadamente um papel social.

“Os pesquisadores aliaram o histórico internacional dessa equipe em avaliar o potencial terapêutico da ayahuasca nas pessoas e fizeram uso de um teste bem ‘calibrado’ para avaliar sua intensidade nos cuidados de pessoas com fobia social”, avalia o psiquiatra André Brooking Negrão, que não participou do estudo e investiga psicodélicos noutra unidade da USP, o paulistano Instituto de Psiquiatria.

“Os resultados são promissores porque mostraram que esse tipo de ensaio clínico é factível e, especificamente para pessoas com problemas associados à fobia social, pode ser um recurso valioso no futuro. Os pesquisadores terão agora o desafio de expandir esta metodologia para amostras mais numerosas.”

Concorda com Negrão a pesquisadora Fernanda Palhano-Fontes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, autora de um pioneiro teste clínico duplo cego de ayahuasca para depressão: “O estudo é interessante por avaliar a ayahuasca em uma condição como a fobia social, para qual não há um tratamento farmacológico específico, e mostrando uma melhora em como os indivíduos que beberam ayahuasca percebem a performance deles nessa tarefa de falar em público”.

Dilema moral à frente

A fobia social vem, assim, somar-se a uma longa lista de condições que, segundo estudos ainda experimentais, poderiam eventualmente ser tratadas com psicodélicos. Cabem nela depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ansiedade, alguns transtornos do espectro autista, dependência química, anorexia, síndrome pós-concussional (danos cerebrais em boxeadores e jogadores de hóquei) e até Alzheimer, AVC, enxaqueca ou prevenção de suicídios.

Além disso, vários desses problemas de saúde mental são objeto de ensaios clínicos por diferentes substâncias psicodélicas. Por exemplo a depressão, sobre a qual há testes em andamento com psilocibina de cogumelos, DMT de ayahuasca, 5-MeO-DMT de veneno de sapo, LSD e mescalina.

Tamanha inespecificidade seria decorrente do modo básico de atuação desses psicodélicos clássicos. Todos eles são moléculas capazes de se encaixar no receptor de células cerebrais para o neurotransmissor serotonina.

Essa via bioquímica parece relaxar a rede de modo padrão (DMN, em inglês) hiperativa na ruminação (predominância circular de pensamentos negativos). Também seria capaz de aumentar a empatia e a socialidade, dissolver a ditadura do ego e estimular tanto a neuroplasticidade (formação de novas conexões entre neurônios) quanto processos anti-inflamatórios no cérebro.

Não deixa de ser um calcanhar-de-aquiles para o renascimento psicodélico. A multiplicação combinatória de alvos e drogas pode suscitar entusiasmo injustificado para o estágio preliminar das pesquisas, dado que só o MDMA alcançou a fase 3 em testes clínicos e ainda carece de aprovação como adjuvante de psicoterapia. A imensa maioria dos estudos envolve poucas dezenas de participantes, como esse da USP de Ribeirão.

Além disso, não é pequeno o risco de que a imagem de panaceia para todos os males do mundo mental desperte reação conservadora similar à que virtualmente baniu os psicodélicos das farmácias e das pesquisas acadêmicas após sua adoção pelo movimento hippie e contestador da contracultura. Faltam ainda anos de pesquisa a acumular dados suficientes para ancorar os tratamentos na melhor ciência e romper preconceitos de órgãos reguladores, médicos e terapeutas.

Outro obstáculo no caminho de quem se filia à tradição clássica da psicoterapia mediada por psicodélicos é a proposta por alguns neurocientistas de livrar as pesquisas justamente da psicodelia, da psicoterapia ou de ambas. Sua ideia é desenvolver moléculas similares com poder de desarmar a DMN e a ruminação, mas que não desencadeiem estados alterados de consciência, as “viagens”.

O modelo, nesse caso, seria o dos antidepressivos surgidos a partir dos anos 1980, como a classe de inibidores seletivos de receptação de serotonina (ISRS) inaugurada pela fluoxetina (Prozac). Pílulas para as pessoas tomarem todos os dias, no intuito de se livrarem da depressão sem laboriosos processos de psicoterapia, mas que a realidade mostrou não funcionar para pelo menos um terço dos deprimidos graves.

(Reprodução)

A controvérsia sobre “psicodélicos não-psicodélicos” já apareceu no blog (aqui, aqui e aqui) e ganhou destaque há poucos dias na revista Forbes.

A reportagem de Will Yakowicz apresenta o trabalho de Bryan Roth, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, para escrutinar incontáveis moléculas aparentadas à DMT &cia. “O objetivo é encontrar compostos que sejam terapêuticos e não psicodélicos”, disse o neurofarmacologista a Yakowicz.

Roth está abastecido com US$ 27 milhões da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (Darpa, em inglês) dos EUA para desenvolver uma nova geração de medicamentos candidatos a reduzir depressão e TEPT com a rapidez dos psicodélicos, em comparação com os lentos antidepressivos disponíveis, mas sem alucinações ou dissolução do ego e sem os efeitos adversos dos ISRS (como insônia, zonzeiras e redução da libido).

O financiamento corresponde ao valor aproximado que a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês) levou muitos anos a levantar para conseguir empreender estudos de fase 3 com MDMA (ecstasy) contra TEPT. Esses testes clínicos devem render autorização para uso geral da droga como adjuvante em psicoterapia, e não para uso contínuo, até 2023.

A aprovação da FDA (agência de fármacos dos EUA) é a grande esperança de tratamento para veteranos de guerras como a do Iraque e a do Afeganistão. Em 2016, havia 868 mil ex-combatentes recebendo benefícios por incapacidade provocada por TEPT, ao custo de US$ 17 bilhões anuais aos cofres americanos.

Entende-se, assim, o interesse do Departamento de Defesa no trabalho de Roth, para desgosto do ex-hippie Rick Doblin, fundador da Maps. A reportagem da Forbes registra todo seu descontentamento: “A tragédia que vejo é que a Darpa poderia ter um vencedor agora mesmo com MDMA para TEPT, mas está tentando dizer ‘dane-se a experiência psicodélica e vamos investir em psicodélicos não-psicodélicos’ enquanto 20 veteranos por dia estão se  matando”.

SAIBA MAIS

Livro “Psiconautas” (Fósforo Editora)

(Reprodução)
]]>
0
Sai publicado 1º teste clínico de fase 3 com tratamento psicodélico https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/10/sai-publicado-1o-teste-clinico-de-fase-3-com-tratamento-psicodelico/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/10/sai-publicado-1o-teste-clinico-de-fase-3-com-tratamento-psicodelico/#respond Mon, 10 May 2021 21:52:00 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/NatMedMDMA-230x215.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=464 Esta segunda-feira (10) entrará para a história do renascimento psicodélico como data marcante: o periódico científico Nature Medicine publicou artigo pioneiro registrando resultados do primeiro ensaio clínico de fase 3 de uma substância alteradora de consciência (MDMA) para tratar uma condição mental grave, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

É o último passo das pesquisas acadêmicas para aprovar o novo tratamento. Só falta agora a análise dos dados de outros experimentos semelhantes por agências reguladoras, que já se encontra em curso.

Até aqui, só haviam sido concluídos e publicados estudos de fase 1 e 2, como os realizados sobre depressão tratada com ayahuasca, no Brasil, ou psilocibina de cogumelos ditos “mágicos” do gênero Psilocybe, no exterior.

O trabalho na Nature Medicine teve liderança da pesquisadora Jennifer Mitchell, da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF). É um dos braços do estudo multicêntrico capitaneado pela Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês), do incansável Rick Doblin.

Rick Doblin, fundador da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Divulgação/Maps)

Como já apareceu mais de uma vez neste blog e em reportagens da Folha, esse estudo da Maps é o que se encontra mais perto de reentronizar os psicodélicos no rol de medicamentos para a psiquiatria e a psicoterapia. A agência americana de fármacos FDA abriu-lhe uma via rápida de licenciamento, por seu potencial para curar ou pelo menos melhorar a vida de quem sofre com TEPT, tormento muito comum entre veteranos de guerra americanos e vítimas de abuso sexual.

Esses compostos já frequentaram o campo terapêutico, especialmente LSD, psilocibina e MDMA, nas décadas de 1950 e 1960. Mas foram banidos da academia nos anos 1970-80 pela reação conservadora nos EUA contra a contracultura e movimentos sociais associados, como o de direitos civis ou contra a Guerra do Vietnã.

O MDMA, base da droga recreativa conhecida como ecstasy, Michael Douglas, molly ou balinha, não é a rigor um psicodélico clássico como mescalina e LSD, por não desencadear efeitos visuais (mirações, alucinações). Mas é um poderoso empatógeno, ou seja, estimula a empatia com terceiros e com o próprio sujeito, o que favorece elaborar psiquicamente os traumas num processo terapêutico.

Participaram do ensaio clínico da UCSF 90 voluntários, metade dos quais foi sorteada para tomar placebo (no esquema conhecido como teste randomizado duplo-cego controlado). No instrumento mais usado para diagnosticar e mensurar sintomas de TEPT, Caps-5, o grupo que tomou MDMA, após dois meses de acompanhamento, teve redução mediana de 24,4 pontos na escala de 80, contra 11,9 de quem tomou placebo –diferença estatisticamente significativa.

Não se trata de uma pílula que se toma regularmente, como antidepressivos convencionais. Tratamentos psicodélicos experimentais envolvem processos de psicoterapia com várias sessões, além daquelas em que a pessoa toma a droga e é acompanhado por várias horas de “viagem” por uma dupla de terapeutas especialmente treinados. No caso do experimento da UCSF, foram ao todo 12 sessões.

“Em resumo, a terapia assistida por MDMA induz ocorrência rápida de eficácia de tratamento, mesmo para aqueles com TEPT grave”, concluem os autores do teste clínico. “Comparada com as atuais terapias de primeira linha, farmacológicas e comportamentais, a terapia assistida por MDMA tem potencial para transformar dramaticamente o tratamento de TEPT e deveria ser avaliada aceleradamente para uso clínico.”

Quem está habituado com literatura biomédica sabe que conclusões assim contundentes são raras nesse tipo de prosa, sempre cheia de dedos. Tanto o emprego desse palavreado quanto sua aceitação pelos editores da Nature Medicine dão indicação da confiança dos pesquisadores na aprovação pela FDA.

Espera-se que a estrela do renascimento psicodélico termine autorizada pela agência em 2022 ou 2023. Virá em boa hora, se vier, para minorar a epidemia de tristeza e luto na esteira da Covid-19.

SAIBA MAIS

Livro

(Reprodução)

Curso

]]>
0
USP testa psicodélico ibogaína contra dependência de crack e álcool https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/29/usp-testa-psicodelico-ibogaina-contra-dependencia-de-crack-e-alcool/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/29/usp-testa-psicodelico-ibogaina-contra-dependencia-de-crack-e-alcool/#respond Thu, 29 Apr 2021 21:00:14 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/CRACKZANONEFRAISSAT2021-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=433 A posição de destaque do Brasil em ciência psicodélica fica mais evidente com estudos da USP para combater dependência de crack/cocaína e álcool: há somente quatro ensaios clínicos duplo-cego registrados no mundo para novos testes da droga ibogaína, e dois deles acontecem aqui.

O composto originário da planta africana Tabernanthe iboga, é usado desde os anos 1960 para tratar crises de abstinência e interromper o uso compulsivo. Antes, era empregado em rituais da etnia bwiti, no Gabão e Camarões, e vendido como o antidepressivo Lambaréné na França, de 1939 a 1970, mas terminou abandonado quando se verificou o risco de arritmias cardíacas.

Tradicionalmente, a substância era obtida da raiz do vegetal. Hoje se utiliza a versão sintética purificada, cloridrato de ibogaína, nos estudos experimentais, em clínicas e grupos alternativos de tratamento.

Iniciativa 81
Tabernanthe iboga, planta africana da qual se extrai a ibogaína (Marco Schmidt/Creative Commons)

A ibogaína é proibida em vários países. No Brasil ela não aparece na lista de substâncias controladas nem está regulamentada para uso terapêutico. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só permite importação individual, com indicação médica, embora não haja estudos conclusivos sobre sua eficácia.

Duas unidades da USP decidiram enfrentar o desafio para suprir essa deficiência na literatura científica, diante do acúmulo de indícios de sucesso no tratamento de dependência. Duas clínicas no interior paulista, por exemplo, reúnem casuística contendo milhares de pacientes e alegam taxas de sucesso da ordem de 60-70%.

André Brooking Negrão, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, lidera o estudo mais ambicioso. Em sua mira estão crack e cocaína, que levam dezenas de pessoas todos os meses a buscar socorro no ambulatório do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA).

“O dia a dia de quem cuida de [dependentes de] crack e coca é muito infeliz”, diz Negrão, referindo-se às altas taxas de reincidência. “Resolvi fazer isso [pesquisa com psicodélicos] o resto da minha vida”, diz o psiquiatra de São Paulo, frustrado com a ausência de medicamentos comprovadamente eficazes para pacientes que desejam reduzir ou abandonar o consumo.

O teste de fase 2b, para verificar eficácia e segurança, envolverá 80 dependentes de crack ou cocaína (40 homens e 40 mulheres). Eles serão internados por dez dias, os sete primeiros para assegurar abstinência, o que será confirmado por exames toxicológicos.

Todos passarão por oito sessões de psicoterapia, quatro de preparação e quatro de integração (discussão dos conteúdos psíquicos aflorados durante a experiência com ibogaína), com participação de familiares. Esse é o protocolo usual de pesquisa com psicodélicos para transtornos psíquicos como depressão e estresse pós-traumático, os mais adiantados.

Como os psicodélicos clássicos LSD, psilocibina (“cogumelos mágicos”) e DMT da ayahuasca, a ibogaína atua sobre receptores do neurotransmissor serotonina, importante na regulação de humor, libido e outras funções. A viagem pode durar muito, até mais de 24 horas, e lança a pessoa num estado de sonho lúcido.

Alguns pesquisadores preferem qualificar a substância como oniroide, onirofrênica ou onirogênica. São frequentes relatos de quem revive sob seu efeito situações difíceis, como overdoses, e sensações de morte e renascimento. Também se manifesta intensa empatia com sofrimento alheio e o próprio, não raro acompanhada de remorso por perceber-se como fonte de ambos.

A descoberta de que a ibogaína também suprime efeitos dolorosos da abstinência se atribui a Howard Lotsof. Em 1962, o americano dependente de heroína experimentou a droga africana com a promessa de dois dias de viagem; quando voltou do transe, surpreendeu-se sem os sintomas físicos da síndrome de abstinência.

Lotsof tornou-se a partir daí um apóstolo da ibogaína. Em 1994, o gastroenterologista Bruno Rasmussen Chaves almoçou com ele no refeitório da Universidade de Miami, durante um estágio, e tomou conhecimento da droga, que passou a empregar para tratar dependentes três anos depois, primeiro em Santa Cruz do Rio Pardo e depois em Ourinhos, ambas cidades paulistas.

O médico interna pacientes na Santa Casa, onde os monitora durante toda a viagem, para intervenção imediata em caso de arritmia cardíaca. Nunca teve um caso fatal, informa. Centenas de tratamentos depois, Chaves é hoje um dos colaboradores de Negrão no teste clínico.

“A administração do cloridrato de ibogaína no Brasil tem sido feita com base em protocolos inconsistentes quanto às doses terapêuticas, ao grau de pureza da ibogaína administrada e à adequação do suporte médico”, adverte Negrão a respeito de centros de tratamento alternativo.

“Há relatos na literatura de mortes associadas com o uso concomitante de ibogaína e outras substâncias psicoativas, além de um possível risco intrínseco da substância sobre a condução cardíaca.”

O pesquisador Geoffrey Noller, da Nova Zelândia, encontrou relatos de 19 mortes ocorridas entre 1990 e 2008 no prazo de três dias após ingestão de ibogaína. A maioria vitimou pessoas com problemas cardíacos prévios ou em decorrência de interação farmacológica com outras drogas cujo abuso não fora interrompido.

Em 2016 um grupo neozelandês liderado por Paul Glue publicou ensaio com 27 voluntários dependentes de opioides tratados com um composto aparentado, noribogaína, metabólito ativo no corpo de quem ingere ibogaína. O estudo teve a colaboração das empresas americanas DemeRx e iCardiac.

A comparação com o grupo de controle na USP, metade das mulheres e dos homens a serem recrutados que não receberá ibogaína, só psicoterapia, permitirá afirmar com segurança estatística se o psicodélico de fato surte efeito sobre a dependência. Afinal, melhoras espontâneas acontecem, oriundas de expectativa (efeito placebo) ou da determinação da pessoa para abandonar a droga.

Os pacientes e seus familiares serão acompanhados por três meses no ambulatório. Depois disso, por um ano, serão monitorados remotamente.

O estudo estava pronto para começar, com aprovação de comitês de ética, em maio do ano passado. A pandemia de Covid-19 inviabilizou o uso dos leitos oferecidos pelo Instituto de Psiquiatria e restringiu o fornecimento de ibogaína proveniente da Índia. Negrão afirma que o recrutamento será rápido assim que as vagas ficarem disponíveis novamente e a importação for retomada.

Garrafas de cerveja em depósito para reciclagem (Foto: Rogério Assis/Folhapress)

A eclosão da pandemia também atrapalhou o início do outro ensaio clínico da USP, aprovado e registrado ainda em 2017,  neste caso pelo grupo de neurociência e ciências do comportamento liderado por Jaime Hallak na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. O investigador principal do experimento é Rafael Guimarães dos Santos.

O estudo de Ribeirão não tem relação com o de São Paulo. Testará a tolerabilidade da ibogaína, com um grupo de apenas 12 pessoas, para outro tipo de dependência, alcoolismo. Segundo Santos, o álcool foi escolhido por causa da alta prevalência do abuso dessa substância legal no Brasil, que afeta cerca de 10% da população.

O desenho do experimento é bem diferente. Voluntários ficarão internados por 20 dias, e os primeiros três pacientes receberão três doses sucessivas e crescentes de ibogaína; não havendo efeitos adversos, os outros nove receberão a droga ou placebo, por sorteio.

O consumo de álcool pelos participantes será então acompanhado a cada semana no primeiro mês. Depois disso, nos 3º, 6º e 12º meses.

O primeiro estudo controlado do mundo com ibogaína estava planejado para acontecer na Espanha, onde Santos fez seu doutorado de 2006 a 2012 com o conhecido estudioso de psicodélicos Jordi Riba (morto em agosto de 2020). Outra morte, de Manel Barbanoj, que conduziria o ensaio com José Carlos Bouso, adiou os planos.

Assíduos colaboradores de Bouso, Hallak e Santos combinaram com ele efetuar o teste clínico no Brasil. Em paralelo, os brasileiros colaborarão com o pesquisador espanhol na realização de ensaio parecido, mas no tratamento da dependência de metadona, droga utilizada para redução de danos com dependentes do opioide heroína.

O quarto estudo clínico com ibogaína em preparação no mundo ocorrerá no Reino Unido. As empresas DemeRx e Atai Life Sciences tiveram sinal verde da agência reguladora britânica MHRA para testar a droga no tratamento justamente de dependentes de opioides.

O plano dos empresários britânicos é recrutar 110 voluntários, no total: primeiro 30 saudáveis (usuários recreativos de drogas), para estabelecer a segurança do composto, e 80 adictos numa segunda etapa, já com vistas à desintoxicação.

O fato de metade dos testes clínicos com ibogaína se realizarem no Brasil não é de todo surpreendente. O país tem tradição de pesquisa com psicodélicos, em especial DMT e outras substâncias da ayahuasca, facilitada pela legalização de seu uso em religiões como Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV).

Na voga atual de trabalhos científicos após meio século da fracassada Guerra às Drogas liderada pelos EUA (1971), o chamado renascimento psicodélico, brasileiros têm se destacado. Num levantamento de artigos maior impacto (número de citações), o Brasil ficou em terceiro lugar, após EUA e Reino Unido.

O composto mais estudado fora daqui é a psilocibina dos cogumelos Psilocybe, além de LSD e MDMA, para uma série de condições, como depressão (fase 2) e estresse pós-traumático (fase3). A ayahuasca motivou o primeiro teste clínico controlado por placebo de um psicodélico para depressão após o renascimento, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), publicado em 2018.

A ibogaína tem sido menos pesquisada, apesar do volume de relatos observacionais de sucesso no tratamento de dependência, por causa dos riscos cardíacos e das mortes, ainda que raras. Mas seu uso com acompanhamento médico, como em Ourinhos, tem demonstrado segurança suficiente para uma instituição como a USP se lançar na pesquisa.

A logística, entretanto, encarece o ensaio clínico, pela necessidade de internação e garantia de que os voluntários não tenham no organismo drogas que possam interagir com a ibogaína e afetar o coração. Só com os leitos para o estudo com usuários de crack Negrão orçou despesa de R$ 336 mil, já autorizada pelo Instituto de Psiquiatria (e adiada pela pandemia).

Um dos fatores para o interesse brasileiro pela ibogaína, cita Negrão, esteve em estudo retrospectivo (não controlado) publicado por Bruno Chaves e Eduardo Schenberg em 2014. “Houve um boom de clínicas fazendo iboga no Brasil”, diz.

O artigo descreve levantamento com 75 dependentes de álcool, maconha, cocaína e crack. Cinco meses após tratamento com ibogaína, 61% ainda estavam em abstinência.

Para Rafael dos Santos, da USP em Ribeirão Preto, o interesse do grupo de Jaime Hallak está em expandir as linhas de pesquisa. “A experiência acumulada com estudos de ayahuasca nos últimos quase 20 anos, aqui, nos trouxe o conhecimento para desenvolver pesquisas com esse tipo de substâncias que modificam profundamente a consciência.”

Santos enxerga como vantagem comparativa do Brasil a experiência com ayahuasca e ibogaína, que enfrentam mais restrições legais noutros países. “Por outro lado, temos mais dificuldades para realizar estudos com psilocibina e LSD.”

Os líderes dos testes clínicos reconhecem preconceito na academia com ciência psicodélica, mas não a ponto de dificultar a aprovação dos ensaios por comitês de ética. A liderança nacional nessa área efervescente da pesquisa mundial, entretanto, pode ainda sofrer com o clima político e ideológico no país polarizado.

A ibogaína entrou no radar do governo Jair Bolsonaro. Em reação ao emprego de ibogaína em comunidades terapêuticas para dependentes, a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministério da Cidadania, baixou em agosto a nota técnica nº 64 ameaçando-as com descredenciamento e suspensão de contratos de prestação de serviços com o governo federal.

“Felizmente, as pesquisas com alucinógenos psicodélicos são vistas como pesquisas, sem tanto teor ideológico. Isso se deve em grande parte à seriedade dos grupos de pesquisa”, afirma Rafael dos Santos. “Somente com seriedade e rigor vamos avançar nessa área.”

Os dois estudos da USP serão apresentados ao público internacional na próxima edição do Maps Bulletin (no prelo), publicação quadrimestral da Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos dos EUA. Trata-se da ONG responsável pelo teste clínico mais adiantado (fase 3) do mundo com terapia psicodélica para transtorno psiquiátrico (no caso, MDMA e estresse pós-traumático).

Curso “História das drogas psicodélicas para uso medicinal e sua demonização”, no site Bora Saber.

 

]]>
0
Nasce a Scirama, primeira empresa de inovação psicodélica do Brasil https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/18/nasce-a-scirama-primeira-empresa-de-inovacao-psicodelica-do-brasil/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/18/nasce-a-scirama-primeira-empresa-de-inovacao-psicodelica-do-brasil/#respond Mon, 19 Apr 2021 02:15:29 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/LOGO-SCIRAMA-FUNDO-BRANCO-215x215.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=419 O renascimento psicodélico ganha nesta segunda-feira (19) a primeira empresa brasileira de inovação nesse campo efervescente, Scirama. Por trás dela está Marcel Grecco, 38, criador de The Green Hub, aceleradora na área de maconha medicinal e cânhamo que tem dez startups no portifólio.

O momento foi bem escolhido: 19 de abril é o Dia da Bicicleta, data em que o químico suíço Albert Hofmann (1906-2008), descobridor do LSD nos laboratórios Sandoz, realizou a primeira viagem lisérgica da história, em 1943. Até a proibição nos EUA em 1968, a droga foi distribuída para distúrbios como o alcoolismo, sob o nome Delysid.

A partir de 1980, estudos clínicos com quase todos os compostos psicodélicos caíram no ostracismo. Ressurgiram a partir da virada do século e hoje entusiasmam neurocientistas e investidores, sobretudo a psilocibina dos cogumelos “mágicos”, por seu potencial para tratar transtornos mentais como a depressão resistente a medicamentos.

Nos últimos cinco anos quase 3 mil artigos científicos foram publicados acerca do tema. Estimativas sobre o mercado mundial para psicoterapia apoiada em psicodélicos partem de US$ 100 bilhões anuais (R$ 560 bilhões), e várias empresas travam hoje uma corrida para patentear moléculas e aplicações psicodélicas.

Nos EUA, governo, universidades e empresas investiram, no primeiro semestre de 2020, US$ 250 milhões em pesquisa psicodélica. A Janssen (Johnson & Johnson) lançou o spray nasal antidepressivo Spravato (escetamina, variante da cetamina, anestésico já usado contra depressão), com vendas de US$ 1,5 bilhão anuais.

“A Scirama [pronuncia-se ‘sairama’] nasceu a partir de uma dor, o mal do século na saúde mental”, diz Grecco, referindo-se principalmente a depressão e ansiedade. “Isso agora vai se intensificar, com o luto pós-Covid, a dor de quem perdeu alguém ou teve a doença, e os impactos econômicos, na perda de empregos e negócios.”

Marcel Grecco, criador de The Green Hub e da empresa psicodélica Scirama (Foto Divulgação)

O empresário conta que, depois de criar The Green Hub em 2016, foi atraído pela promessa medicinal dos alteradores de consciência. Numa primeira rodada entre investidores para lançar a Scirama, obteve fundos da ordem de R$ 1,5 milhão.

“O uso de cânabis e de psicodélicos é disruptivo [revolucionário] para o setor de saúde”, diz, aludindo aos estudos que os apontam como alternativa para as terapias existentes, que no caso de depressão não funcionam para ao menos um terço dos doentes.

Grecco já conhecia como colaborador científico da aceleradora The Green Hub o neurocientista Stevens Rehen, 50, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), que tem estudos publicados sobre o potencial terapêutico dos psicodélicos ayahuasca e 5-MeO-DMT (extraído originalmente do veneno do sapo-do-rio-colorado).

O neurocientista Stevens Rehen (esq.) na conferência Breaking Convention de Londres.
(Mercelo Leite/Folhapress 2019)

Chamou Rehen para compor o comitê científico da Scirama ao lado de Sidarta Ribeiro, 50, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN). Ambos já trabalharam juntos em pesquisa básica com LSD, em colaboração com Dráulio de Araújo (ICe-UFRN) e Luís Fernando Tófoli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Completa o time Clarice Pires, 36, economista especializada em inovação com quem Rehen atuou na startup de biotecnologia Hygeia, um raro caso de sucesso no problemático campo de inovação no Brasil. A empresa desenvolveu novas formulações do medicamento octreotida (supressor do hormônio de crescimento e antidiarreico) e as licenciou no Brasil e no exterior.

Clarice Pires, administradora da startup psicodélica Scirama (Foto Divulgação)

“Stevens e Sidarta têm todo o conhecimento, sabem para onde a ciência está indo”, diz Grecco. Com efeito, esse grupo de colaboradores está no epicentro da pesquisa nacional na área, favorecida pela legalização da ayahuasca por motivos religiosos, que pôs o Brasil em terceiro lugar na quantidade de artigos científicos de grande impacto sobre psicodélicos, atrás dos EUA e do Reino Unido apenas.

A ideia da Scirama é dar o financiamento inicial e ajuda na estruturação de produtos e terapias derivados das propriedades já conhecidas de psicodélicos. Entre elas estão a capacidade de estimular novas conexões cerebrais (neuroplasticidade) e a ação anti-inflamatória, que poderá gerar aplicações para transtornos mentais e doenças degenerativas, como Alzheimer e Parkinson.

No exterior, já se investiga o uso de psicodélicos até para acidentes vasculares cerebrais, anorexia e enxaqueca. Entre os alvos da Scirama estarão também protocolos para o tratamento de dependência química, em especial de álcool –como se fazia com LSD nos anos 1950/60. A startup lançará em breve um edital para receber propostas de pesquisadores brasileiros.

No curto prazo, a equipe espera receber ideias na área de psicoterapia com psicodélicos clássicos (ayahuasca, LSD, psilocibina) e mesmo para cultivo de organismos produtores, como os cogumelos Psilocybe. No longo prazo, aplicações para envelhecimento, não dependentes do efeito psicodélico terapêutico propriamente dito (alterações da consciência, como a chamada dissolução do ego e o aumento de empatia).

Outro setor em que a Scirama pretende inovar é o de compensações para os povos tradicionais que usam psicodélicos em rituais há séculos e legaram esse conhecimento para a ciência contemporânea (um flanco aberto para intensa controvérsia). O próprio logotipo da firma faz alusão a isso, ao reunir filamentos de conexão entre neurônios em formato que lembra um cocar.

A administradora Clarice Pires afirma que patentes e propriedade intelectual são cruciais para seu modelo de negócios, mas que em breve a empresa apresentará um modelo sobre como pretende fazer esse ressarcimento. O assunto já está na pauta das próximas reuniões.

Para saber mais: meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” será publicado dia 17 de maio pela Editora Fósforo. E em 19 de maio começa o curso no canal Bora Saber:

 

 

 

]]>
0