Virada Psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental Wed, 01 Dec 2021 01:26:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Sete erros e sete acertos com psicodélicos na série de TV ‘Nove Desconhecidos’ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/09/26/sete-erros-e-sete-acertos-com-psicodelicos-na-serie-de-tv-nove-desconhecidos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/09/26/sete-erros-e-sete-acertos-com-psicodelicos-na-serie-de-tv-nove-desconhecidos/#respond Sun, 26 Sep 2021 21:01:03 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/9ddesconhecidosNicole-300x169.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=652 “Só os psicodélicos (se) salvam” seria um resumo apropriado, ainda que enigmático, para a série da Hulu “Nove Desconhecidos”, em cartaz na plataforma Amazon Prime Video. Até Nicole Kidman, no papel de Masha, sai chamuscada da narrativa canhestra sobre a renascença dessas drogas para a medicina.

Os nove desconhecidos são clientes que chegam para dez dias de “transformação” no spa Tranquillum, comandado pela guru russa com apenas três auxiliares (Yao, Delilah e Glory). Zero faxineiros, cozinheiros e camareiros, mas pululam os erros, dos quais se destacarão os sete mais gritantes.

Antes, um pouco de contexto. Existem, sim, spas psicodélicos, por exemplo na Jamaica e na Costa Rica, assim como clínicas sérias no Brasil e turismo xamânico no Peru.

Não é por causa dessa indústria marginal, porém, que se ouve falar tanto das substâncias. E, sim, porque a ciência está a ponto de ressuscitá-las para tratar transtornos mentais, como se pôde acompanhar aqui ao longo dos últimos 12 meses.

É muito provável que em 2023 o MDMA (ecstasy, bala, Michael Douglas) termine autorizado nos EUA para psicoterapia para estresse pós-traumático. Depois deverá ser a vez da psilocibina dos cogumelos ditos “mágicos” (gênero Psilocybe), em investigação para condições como depressão, ansiedade, TOC, anorexia e outros transtornos.

Agora, os sete erros (se quiser evitar spoilers, pare por aqui):

  1. Ausência de consentimento – Masha dá psilocibina misturada aos smoothies servidos ao longo do di sem o conhecimento dos hóspedes. Até o mais maluco dos gurus psicodélicos evitaria esse abuso, pois em qualquer país daria cadeia mesmo que não se tratasse de drogas psicoativas. A série não deixa claro nem se a personagem de Kidman está qualificada para ser terapeuta.
  1. Participante desequilibrado – O estafe de Tranquillum pesquisou e escolheu a dedo os nove clientes, o que torna incompreensível incluir Carmel, uma mulher transtornada, com passado violento e biografia cruzada com Masha. Em testes clínicos de psicodélicos, qualquer tendência ou histórico de psicose da pessoa ou na família próxima serve como critério de exclusão. Como se pode ver na TV, a mancada quase sai caro para a guru.
  1. Dosagens seguidas – O pessoal do spa fala várias vezes num protocolo nunca detalhado, mas fica evidente que as doses estão sendo ministradas todos os dias, ou quase. Ninguém desperdiçaria psilocibina assim, pois, como os psicodélicos clássicos LSD e mescalina, a repetição implicaria perda de efeito pela rápida tolerância que desencadeiam.
  1. Mistura de psicodélicos – Em certa altura Masha, Yao e Delilah discutem a antecipação do protocolo com inclusão de LSD no coquetel. Por mais que alguns adeptos gostem de misturar compostos psicoativos ao mesmo tempo (já vi gente usando ayahuasca, rapé, maconha e sananga na mesma noite, como narro no livro “Psiconautas”), nenhum terapeuta responsável seguiria por aí. Os efeitos podem se compor de maneira imprevisível e fazer mais mal do que bem (sem falar na tolerância cruzada de LSD e cogumelos, que agem sobre os mesmos receptores de serotonina).
  1. Alucinação coletiva – É a parte mais dura de engolir no drama da Hulu. A família composta por Napoleon Marconi, sua mulher Heather e a filha Zoe quer livrar-se do trauma pelo suicídio de Zach, gêmeo de Zoe, e Masha os convence de que uma dose alta de LSD (ou psilocibina, não fica de todo claro) trará o rapaz de volta. Já seria fantasioso além da conta, mas os três acabam tendo a mesma alucinação, participando de diálogo a quatro com o defunto.
Zoe (Grace van Patten) e Masha (Nicole Kidman) em “Nove Desconhecidos” (Foto: Dvilgação/Amazon Prime)

É verdade que muito da cultura psicodélica bordeja com o misticismo e que alguns rituais tradicionais são descritos como acesso ao mundo dos mortos. O enredo parece atribuir a Zoe um poder mediúnico amplificado pelo ácido, o bastante para invocar a aparição também para os pais, mas o abraço simultâneo dos três com o suicida resulta numa das cenas menos convincentes e mais constrangedoras.

  1. Envolvimento da terapeuta – Para piorar as coisas, Masha resolve tomar a droga junto com os Marconis. Supostamente, no esforço de convencê-los da segurança do composto (mas ela esconde que seu objetivo é conjurar outro morto). Qualquer manual sobre uso seguro de psicodélicos contraindicaria essa prática, mesmo que não se tratasse de um terapeuta.

Sempre se recomenda haver uma pessoa sóbria por perto, para eventuais emergências como viagens ruins, surtos e mal-estares. Delilah fugiu para chamar a polícia, pois acha que Masha passou dos limites. Yao está ocupado com Carmel. Glory se dedica a tourear o restante do grupo revoltado. Não sobrou nenhum adulto na sala.

  1. Experiência artificial de quase-morte – Por orientação de Masha, que já se encontra para lá de Marrakech, Glory tranca os hóspedes remanescentes num salão preparado para simular um incêndio e levá-los a acreditar que vão morrer. A ideia tresloucada é que a proximidade do desfecho final os force a considerar o que de fato importa na vida, blá-blá-blá.

Ninguém duvida de que uma vivência terminal possa ser transformadora para muita gente. Mas, de novo, soa despropositado que o efeito seja alcançado ao mesmo tempo e na mesma situação fortuita, coletivamente, por meia dúzia de pessoas. Além disso, se a série se baseia no poder dos psicodélicos, por que o artifício de recorrer a um recinto para suscitar a experiência? Faria mais sentido utilizar de forma controlada a 5-MeO-DMT, substância de forte e curto impacto comumente descrito como completa dissolução do ego.

Masha até menciona de passagem os termos técnicos “set” e “setting”, aludindo às disposições mentais do psiconauta e as condições do ambiente consideradas fundamentais para uma boa viagem, mas não passa de mesura inconsequente à melhor ciência psicodélica. Não há preparação digna do nome para os participantes sobre o que os espera, muito menos integração dos conteúdos psíquicos e emocionais que vão aflorando. Não espanta que tudo se encaminhe para um caos alarmante.

No oitavo e último capítulo, contudo, como em qualquer novela mequetrefe de TV, tudo se resolve. É pena que o passe de mágica obscureça tudo de verdadeiro que a série captou de fiel sobre a experiência psicodélica. Seria possível escrever uma apreciação inteira com, digamos, sete acertos de “Nove Desconhecidos”, por exemplo:

Sim, com psicodélicos é comum a pessoa aceitar melhor a própria mortalidade. Idem com traumas de infância, perda de pessoas próximas, desilusões amorosas. Como diz Zach, tudo que se vê sob efeito dessas drogas é irreal, está só na cabeça de quem toma e não no mundo exterior.

A empatia cresce de modo notável. Viagens ruins acontecem, mas são raras e podem ter rendimento terapêutico. Casais se tornam mais próximos, o sexo melhora. O psiconauta fica propenso a relevar defeitos, remorsos e más ações, em si e nos outros.

Essas sete coisas corretas estão lá no drama televisivo, o que lhe confere certo aspecto positivo. Também seria possível enxergar a série como uma espécie de denúncia dos riscos inerentes à esfera meio clandestina de curadores, pseudoterapeutas e xamãs improvisados que receitam psicodélicos como se fossem água benta. Não são.

Essa leitura benevolente de “Nove Desconhecidos” se esboroa no capítulo final. O caos não se consuma por força de suposto poder superior dos psicodélicos, que prevalece mesmo após a chegada da polícia. Até Masha se safa, misteriosamente, dos crimes patentes que cometeu em nome da força dessas substâncias.

Só os psicodélicos (se) salvam da série problemática. E com ela só se reforça o excesso de expectativas com eles, como se fossem a panaceia final, a salvação da humanidade, a bala de prata contra o sofrimento do mundo pós-pandemia –e não substâncias de trabalho, úteis para psicoterapia e autoconhecimento, mas que não trazem nada para quem está só em busca de soluções fáceis.

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A Fósforo Editora está dando 20% de desconto no livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” para quem se inscrever no curso sobre drogas modificadoras da consciência no portal Bora Saber, que começa nesta terça-feira (28 de setembro). Não perca essa chance de saber um pouco mais sobre o que a pesquisa está (re)descobrindo de benéfico e terapêutico em substâncias poderosas como psilocibina, LSD, ayahuasca, MDMA e ibogaína.

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Esquenta debate sobre a bagagem mística da ciência psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/09/13/esquenta-debate-sobre-a-bagagem-mistica-da-ciencia-psicodelica/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/09/13/esquenta-debate-sobre-a-bagagem-mistica-da-ciencia-psicodelica/#respond Mon, 13 Sep 2021 12:20:43 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/Misticismo-300x151.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=608 Um ateu não militante, que respeita quem acredita e não tenta convencer ninguém do contrário, com frequência enfrentará dificuldade diante dos ecos do misticismo que reverberam no pavilhão do renascimento psicodélico. Sempre que ciência e metafísica se misturam, a primeira sai perdendo.

Foi uma satisfação, assim, topar com o artigo “Indo além do Misticismo na Ciência Psicodélica”, de James Sanders e Josjan Zijlmans, na ACS Pharmacology & Translational Science. Poucas vezes um resumo (abstract) desencadeou premonição tão forte de comunhão intelectual:

“A moldura do misticismo é usada para descrever experiências psicodélicas e explicar os efeitos de terapias psicodélicas. Discutimos riscos e dificuldades provenientes do uso científico de uma moldura associada com sistemas de crenças sobrenaturais ou não empíricas e encorajamos pesquisadores a mitigar esses riscos com um modelo desmistificado do estado psicodélico”.

Quem acompanha este blog sabe o quanto incomoda esse enquadramento místico, posto em questão aqui e aqui. Naqueles dois posts ficou claro que a associação também inquieta alguns especialistas do campo que se reabilita após décadas no limbo imposto pela Guerra às Drogas iniciada nos anos 1970.

Ilustração de Stefan Keller (Pixabay)

No centro do debate retomado por Sanders e Zijlmans há mais que esoterismo hippie e abertura das portas da percepção para realidades alternativas à estreiteza do American Way of Life que a indústria cultural espalhava pelo mundo –daí a contracultura. Nada há de errado nesse anseio por transcendência, mas o pressuposto de que drogas psicodélicas como o LSD de fato a propiciem oferece uma base pouco sólida para sua recondução à farmacopeia autorizada na saúde mental.

“Há um elefante na sala da moderna ciência psicodélica”, alerta o artigo: “Em periódicos científicos e pelos salões de toda conferência psicodélica, pesquisadores e terapeutas ensinam a importância das experiências místicas para a eficácia de terapias psicodélicas”.

Com efeito, quem já usou psicodélicos percebe bem como é tentador resvalar no vocabulário religioso, ou quase, quando se tenta descrever o estado intermediado por eles. A percepção de que algo importante está para acontecer, de estar na iminência de compreender significados elusivos, paz, tranquilidade, empatia, sensação de unidade com a natureza ou o cosmo, perda de referência no tempo e no espaço podem ser facilmente interpretadas como acesso a uma realidade última, superior, contato com o divino, com o domínio sagrado, e assim por diante.

Os problemas começam quando pesquisadores presumem ser possível medir, mais que descrever, essas vivências subjetivas e correlacionar sua intensidade mística com mudanças positivas de atitude e comportamento, como fez Roland Griffiths em 2006 num artigo famoso. Desenvolveu-se um questionário de experiência mística (MEQ, na abreviação em inglês), muito usado em estudos psicodélicos, inclusive no Brasil.

Ao aplicar o MEQ, o pesquisador pede que o participante indique seu grau de concordância ou discordância com frases como “tive uma experiência em que algo maior que eu parecia absorver-me” ou “nunca tive uma experiência na qual me sentisse como se todas as coisas estivessem vivas”. Na parte que avalia a qualidade religiosa da experiência, o vocabulário é explícito: “sagrado”, “divino”, “santo” etc.

Para Sanders e Zijlmans, isso faz pouco sentido quando se trata de medir fenômenos psicobiológicos, tal como se espera de cientistas naturais. Pior, o próprio instrumento enviesa as respostas ao fornecer para participantes a moldura conceitual e a terminologia para descrever vivências que lhes parecem quase impossíveis de pôr em palavras.

“O problema é exacerbado quando fenômenos de experiência mística são aglomerados com crenças místicas sobre o que experiências psicodélicas significam”, escrevem os pesquisadores da Universidade de Amsterdã. “Vemos evidência disso no ambiente cultural psicodélico do presente: serviços de retiro psicodélico e páginas de orientação psicodélica populares na rede estão usando a pesquisa científica para educar usuários iniciantes de psicodélicos sobre o poder terapêutico de experiências místicas.”

Sanders e Zijlmans argumentam que a integração de misticismo na pesquisa e na prática clínica arrisca criar expectativas e associações irrealistas e potencialmente problemáticas quando apresentada para leigos, incluindo grupos vulneráveis em busca de psicodélicos para problemas sérios de saúde mental.

Reprodução de Frontiers in Pharmacology/Neuropharmacology.

Seu desafio aos pesquisadores da área indica a necessidade de criar um modelo descritivo, baseado na neurociência cognitiva, que prescinda da terminologia mística ou religiosa e permita medir aspectos da experiência psicodélica que possam ser correlacionados com ganhos terapêuticos, ou até mesmo explicá-los. Um dos caminhos seria a teoria do cérebro entrópico proposta por Robin Carhart-Harris, de quem se podem ouvir explicações em linguagem comum neste podcast (em inglês).

Não vai ser fácil, mas a ciência existe precisamente para isso –dar conta do que não está imediatamente acessível aos nossos sentidos, conceitos e palavras. Com respeito às últimas, confesso que não foi nada trivial escrever sobre minhas próprias viagens, no livro “Psiconautas”, em termos desprovidos de bagagem mística, como convém a um ateu. É praticamente inescapável falar em “inefabilidade”.

Não sendo militante da descrença, respeitei, e talvez até tenha invejado, a rapidez com que entrevistados tomavam outro rumo. Há algo de profundamente poético em seu esforço de atribuir os mistérios da mente a poderes superiores, e a devida apreciação estética está na raiz de todas as formas de reverência. Mas há grandeza também na contemplação metódica de fatos, fenômenos e mensurações, como prescreve a ciência.

PARA SABER MAIS

Curso

Livro

(Reprodução)
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Experimento brasileiro mapeia curas e loucuras na terra incógnita do LSD https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/07/12/experimento-brasileiro-mapeia-curas-e-loucuras-na-terra-incognita-do-lsd/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/07/12/experimento-brasileiro-mapeia-curas-e-loucuras-na-terra-incognita-do-lsd/#respond Tue, 13 Jul 2021 02:15:38 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/BISPOROSARIOfolhapressRicardoBorges-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=548 Quem já tomou LSD conhece bem a mistura de clareza e perturbação mental induzida pela droga psicodélica. Graças a um grupo brasileiro de pesquisa com epicentro na Unicamp o mapa desse paradoxo ganha mais detalhes, contribuindo para esclarecer como uma experiência que tem algo de psicótica pode também ser terapêutica.

O trabalho, obtido com exclusividade pelo blog, sai publicado nesta terça-feira (13) no periódico Psychological Medicine sob o título “LSD, Loucura e Cura: Experiências Místicas como Possível Elo entre Modelo Psicótico e Modelo Terapêutico”. É o primeiro estudo no Brasil com LSD em seres humanos desde os anos 1960, quando se interromperam pesquisas feitas por exemplo na USP.

Participaram do experimento de Isabel Wießner, psicóloga alemã que faz doutorado na universidade paulista, 24 adultos com contato anterior com a dietilamida do ácido lisérgico (LSD, na abreviação original do alemão). O orientador de Isabel na Unicamp, psiquiatra Luís Fernando Tófoli, figura como autor sênior do artigo.

Cada pessoa tomou 50 microgramas da droga numa sessão e placebo na outra, separadas por 14 dias, sem saber em qual delas ingeriu o quê. Ao longo de oito horas, fazia testes e preenchia questionários na presença da psicóloga e de um psiquiatra, Marcelo Falchi, que também desconheciam qual substância o participante havia ingerido. No dia seguinte de cada sessão, mais uma bateria com duas horas de testes.

Os outros autores são Fernanda Palhano-Fontes e Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Amanda Feilding, da Fundação Beckley (Reino Unido), uma condessa britânica que ajudou a financiar o estudo.

A ferramenta para destrinchar o componente loucura do LSD foi um questionário que mede saliência aberrante, a tendência a destacar e emprestar sentido especial a objetos e pensamentos que normalmente não receberiam a mesma atenção. É o que psiquiatras chamam de atribuição patológica de significado, uma distorção cognitiva que a viagem psicodélica compartilha com estágios iniciais de psicose.

Mesmo trabalhando com uma dose baixa de LSD, chamada de “psicolítica” nos tempos pré-proibição (décadas de 1950/60) em que a droga era empregada em psicoterapia, o experimento confirmou aumento da saliência aberrante na comparação com o dia de placebo. O questionário se compõe de perguntas sobre a pessoa ter experimentado emoções agudas relacionadas com coisas ou ideias, ou a sensação de que algo importante está para acontecer, a iminência de compreender significados elusivos.

(Ilustração: Rodrigo Visca)

Outros testes também indicaram as alterações lisérgicas da percepção características do estado psicodélico, sobretudo visuais. Esta é uma diferença marcante com as alucinações de esquizofrênicos crônicos, em que predomina o sentido da audição (“ouvir vozes”) e a convicção de que se trata de manifestação real, engendrando o que se chama de ideia delirante.

“Os pesquisadores viram que, de fato, nos voluntários o LSD foi capaz de provocar uma diferença nas respostas, na escala de saliência aberrante, quando comparado ao placebo. Tal observação pode contribuir para explicar o mecanismo pelo qual pessoas com depressão ou sintomas de traumas passados mudaram suas crenças e atitudes após experiência pontuais ou repetidas de psicodélicos”, diz André Brooking Negrão, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Negrão não participou do estudo, mas integrou a banca de qualificação de Isabel para o doutorado. Em sua avaliação, “o artigo é mais um atestado da produtividade e da sofisticação dos estudos feitos por pesquisadores dos dois centros, Unicamp e Natal.”

O componente terapêutico foi escrutinado no estudo por meio do conceito de sugestionabilidade. De olhos fechados, o participante era convidado a imaginar tão fielmente quanto conseguisse situações como o peso de livros empilhados sobre uma das mãos, ou o cheiro e sabor de uma fruta, e depois avaliava quão realista havia sido a sensação.

Como seria de esperar, as diferenças entre o estado alterado e o estado placebo foram estatisticamente significativas. Esse fenômeno pode ser útil em psicoterapia porque facilitaria a superação de barreiras, na medida em que o paciente se mostra mais inclinado a acatar sugestões para se aprofundar em cenas, pessoas ou temas marcantes ou dolorosos de sua biografia, por exemplo buscando imagens que possam representar os sentimentos associados.

“A sugestão é um processo fundamental na hipnoterapia, em que o paciente entra em estado de transe e consegue experimentar de modo mais fácil e vívido o que o terapeuta sugere, por exemplo visualizar uma relação difícil com a mãe, criar um símbolo para concretizar essa relação e trabalhar com esse símbolo”, exemplifica Isabel, que pesquisou hipnose para tratamento de dor em seu mestrado na Universidade de Jena.

Ela queria investigar outros estados alterados de consciência desencadeados por substâncias com potencial curativo, mas psicodélicos são proibidos na Alemanha. Depois de fazer um curso com Tófoli sobre ayahuasca, chá psicoativo legalizado no Brasil para uso religioso, decidiu-se por um doutorado na Unicamp.

A pesquisadora buscou também possíveis correlações entre a intensidade da experiência psicodélica (como distorções nos sentidos de tempo e espaço) e os resultados obtidos com as diferentes escalas empregadas no estudo, incluindo as que medem aspectos “místicos” (dissolução do ego, sentimento de unidade com uma totalidade maior que o indivíduo, ou o que algumas descrevem como participação no divino). Cabe aqui lembrar o óbvio: correlação não implica causalidade, mas pode ser uma pista.

Encontraram-se correlações fortes entre o grau relatado do estado psicodélico e saliência aberrante, mas não com sugestionabilidade. Ou seja, embora a capacidade de sugestionar-se tenha aumentado, assim como no caso da saliência (a medida mais associada com o caráter subjetivo “místico”), os dois incrementos não ocorreram necessária e proporcionalmente nos mesmos indivíduos, nem se detectou paralelismo estatístico significativo no grupo.

“O fato de experiências místicas terem importância em diversas áreas, da ‘loucura’ (experiências psicóticas) até a ‘cura’ (efeito terapêutico) indica que essas experiências possivelmente têm papel importante na saúde mental”, conjetura Isabel. Com efeito, a correlação entre o nível de qualidade “mística” na viagem psicodélica e o benefício terapêutico foi apresentada num trabalho célebre de Roland Griffiths em 2006.

“Um candidato ou candidata a terapeuta psicodélico deveria estar ciente de que os psicodélicos parecem ser capazes de induzir os dois lados (‘cura’ e ‘locura’) que parecem ter uma faceta de experiência mística em comum, estar preparado para ajudar o paciente a aceitar os dois lados e tentar promover e guiar a conexão entre esses dois aspectos para entender e melhorar a saúde mental.”

Para Tófoli, “a ideia não é criar uma ‘psicose artificial’ para estudar a esquizofrenia (que apresenta muitos outros sintomas além daqueles apresentados pelo LSD), e sim estudar um estado ‘caótico’, de aumento de entropia, que tem algumas semelhanças com a psicose”. Produzir uma psicose artificial em ambiente controlado  era o objetivo de pesquisadores como Clóvis Martins, cuja tese de livre docência na USP em 1964 se enquadrava no chamado paradigma “psicotomimético”.

“No nosso caso, estamos chamando a atenção da correlação da saliência aberrante com experiências que estão associadas com respostas a sintomas mentais, especificamente no caso das experiências místicas.”

O psiquiatra chama atenção para a necessidade de, no eventual uso do LSD para psicoterapia, dedicar atenção crucial para a dose, a cautela do terapeuta ao manejar a sugestionabilidade, a disposição mental do paciente (set) e as condições em que a sessão de dosagem acontecer (setting): ao invés de patologizar o que os psicodélicos provocam, propõe-se que o estado de entropia aumentado pode, desde que em set e setting adequados, desencadear experiências potencialmente positivas.

“Estar atento ao que se sugere em um futuro uso terapêutico de doses psicolíticas de LSD é muito importante, assim como acolher eventuais experiências místicas e de atribuição especial de significados –por vezes, inclusive, precisando ancorar alguma ‘viagem exagerada’ do paciente, principalmente em sessões de integração.”

O medicamento Delysid (LSD) era comercializado pelo laboratório suíço Sandoz nos anos 1950 e 1960

Tófoli lembra que uma das indicações do Delysid (nome comercial do LSD distribuído pelo laboratório suíço Sandoz até os anos 1960) era justamente indicá-lo para que psiquiatras e terapeutas o tomassem para entender melhor os estados psicóticos.

“Embora pouco discutida atualmente, eu considero essa indicação extremamente válida, desde que os profissionais em questão não estejam em grupos de risco, ou seja, não tenham tendências ou histórico de psicose. Pessoalmente, a experiência com psicodélicos certamente me abriu os olhos para entender melhor e desenvolver maior empatia pelo que passam os pacientes psicóticos.”

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Este blog está precisando de férias. Volta sem falta em agosto.

SAIBA MAIS

Livro “Psiconautas” (Fósforo Editora)

(Reprodução)

 

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Hunter Biden usou veneno de sapo e ibogaína contra dependência de crack https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/27/hunter-biden-usou-veneno-de-sapo-e-ibogaina-contra-dependencia-de-crack/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/27/hunter-biden-usou-veneno-de-sapo-e-ibogaina-contra-dependencia-de-crack/#respond Thu, 27 May 2021 21:35:26 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/HunterBidenTomBrennerReuters-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=490 Não li a autobiografia de Hunter Biden, filho de Joe Biden, intitulada “Beautiful Things” (coisas bonitas); satisfiz-me com a descrição de Lúcia Guimarães na Folha. Aí topei com a notícia resumida no título acima e vi que precisaria escrever sobre ela (a notícia, não a autobiografia).

Não era desconhecido que Hunter atravessou 51 anos de vida com problemas de álcool e cocaína. No livro, ele aprofunda a questão para revelar que, na busca para interromper a dependência, recorreu a terapias psicodélicas, como narra David Carpenter no site Lucid News (em inglês).

Atente o leitor para o significado disso: o filho do presidente dos Estados Unidos e pivô do escândalo que Donald Trump tentou armar em torno do oponente era não só usuário de drogas como recorreu a duas outras substâncias proscritas em seu país, 5-MeO-DMT e ibogaína, para tentar livrar-se do abuso que ameaçava destruir sua vida.

Que Hunter se sinta à vontade para admitir isso por escrito é um sinal claro de que os psicodélicos deixaram de ser tabu. Se o fez no best seller, é porque a neurociência e outro livro muito vendido, “Como Mudar sua Mente”, de Michael Pollan, tinham aberto o caminho para tornar público a renascimento psicodélico.

Caso tivesse sido detido nos EUA com uma das substâncias, Hunter poderia ser condenado a 5 ou 10 anos de prisão. Mas ele não correu tal risco por ter procurado tratamento numa clínica do México, onde a droga 5-MeO-DMT não é regulamentada.

A primeira terapia foi com ibogaína, composto obtido da casca da raiz de uma planta africana, a Tabernanthe iboga. Sob o efeito onírico da droga, que pode durar várias horas, Hunter viu sua vida passar como se fosse uma apresentação de slides.

Depois, como parte do processo de cura que lhe propiciou mais de um ano de abstinência, o filho do presidente fumou 5-MeO-DMT, obtida da secreção das glândulas do sapo-do-deserto-de-sonora (Bufo alvarius, ou Incilius alvarius). A viagem dura 10 ou 15 minutos, mas já foi descrita por Pollan como decolar atado ao lado de fora de um foguete.

Sapo-do-rio-colorado (Bufo alvarius ou Incilius alvarius), do qual se obtém o psicodélico 5-MeO-DMT (Holger Krisp/Creative Commons)

“Sei que soa maluco”, escreve Hunter na autobiografia. “No entanto, o que quer que [a droga] tenha feito ou não, a experiência destravou sentimentos e feridas que eu tinha enterrado fundo por tempo demais. Serviu como um bálsamo.”

“Foi uma experiência profunda. [O veneno do sapo] me conectou, de modo vívido e renovado, a todas as pessoas em minha vida, vivas ou mortas. Senti como se estivesse vendo toda a existência de uma vez –e como algo único.”

Não terá sido a primeira vez em que se alcança sobriedade após uma vivência transformadora que muitos descrevem como mística. A sensação de participar da unidade do cosmo é elemento recorrente em relatos de viagens psicodélicas intensas, também chamada de dissolução do ego por quem prefere evitar os subtons espiritualistas.

O elo do misticismo psicodélico com a superação da dependência química remonta às origens da própria organização Alcoólicos Anônimos, como anota Carpenter. O fundador da AA Bill Wilson chegou a experimentar LSD, em 1956, e a recomendá-lo para frequentadores por seu poder de desencadear transformações espirituais favorecedoras da abstinência.

O medicamento Delysid (LSD) era comercializado pelo laboratório suíço Sandoz nos anos 1950 e 1960

A informação se encontra numa carta que Bill W. remeteu, em 1961, a ninguém menos que o psicólogo suíço Carl Jung. É o que conta Don Lattin (autor do ótimo livro “The Harvard Psychedelic Club”) em outra matéria de Lucid News: “Alguns de meus amigos da AA e eu tomamos o material [LSD] frequentemente e com muito proveito”, escreveu Wilson a Jung. Relatou que a droga deflagrava “grande alargamento e aprofundamento e elevação da consciência”.

O LSD teve farta distribuição como medicamento pelo laboratório suíço Sandoz nos anos 1950 e 1960, sob o nome Delysid. O ácido lisérgico foi usado contra alcoolismo e como apoio para psicoterapia, inclusive no Brasil.

Só acabou proibido nos EUA, e em seguida no mundo, depois de cair nas graças dos hippies e contestadores reunidos no vagalhão da contracultura. O renascimento dos psicodélicos para a ciência e a psiquiatria demorou quatro décadas para acontecer, e a confissão de Hunter Biden oferece indício eloquente de que parece ter voltado para ficar.

SAIBA MAIS

Livro

 

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‘Efeito comitiva’ distingue ayahuasca e cogumelos de outros psicodélicos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/06/efeito-comitiva-distingue-ayahuasca-e-cogumelos-de-outros-psicodelicos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/06/efeito-comitiva-distingue-ayahuasca-e-cogumelos-de-outros-psicodelicos/#respond Sat, 06 Feb 2021 19:35:16 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/jaguve2horizontal-287x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=303 Muita gente sabe que o chá ayahuasca se prepara com duas plantas, o arbusto chacrona (Psychotria viridis) e o cipó-mariri ou jagube (Banisteriopsis caapi), mas não por que essa mistura é importante para seu poder psicodélico. Por trás de sua força está o “efeito comitiva” (entourage effect), sinergia entre substâncias vegetais que tornam o daime algo único entre compostos psicodélicos.

Eis aí um tema quente no panorama da neurociência dos produtos também chamados de “entactógenos”. Um exemplo da atenção que o assunto desperta está no artigo “O Papel da Ayahuasca no Efeito Comitiva e Depressão”, de José Alexandre Salerno, que apareceu em 28 de janeiro na Psychedelic Science Review.

Salerno faz doutorado com Stevens Rehen na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor). Rehen se destaca na neurociência brasileira pelo uso de organoides cerebrais (“minicérebros” construídos em laboratório a partir de células pluripotentes) para desvendar o perfil de ação de psicodélicos sobre tecidos neurais.

“Vejo muitos autores-cientistas escrevendo sobre a ayahuasca e seu potencial terapêutico, mas quase sempre restritos  às moléculas, sem dar muitas satisfações ao leitor sobre a complexidade da infusão”, diz Salerno,  “incluindo todos os aspectos socioculturais que poucos conhecem –o que é irônico, já que a ayahuasca foi testada em humanos como a infusão completa e natural.”

A alteração da consciência propiciada pela ayahuasca tem sua origem no composto n,n-dimetiltriptamina (DMT). Presente nas folhas da chacrona, a substância seria incapaz de ocasionar visões –as “mirações” de religiões ayahuasqueiras como Santo Daime, União do Vegetal e Barquinha– e a dissolução do ego características do efeito psicodélico ao ser ingerida sozinha, porque seria degradada no trato digestivo.

Folha de chacrona, Psychotria viridis (Marcelo Leite/Folhapress)

Para chegar ao cérebro, a DMT precisa da ajuda da harmina, uma das substâncias do grupo das betacarbolinas presentes no jagube. A harmina inibe a ação da enzima monoamina-oxidase (MAO) do estômago e do fígado, que sem o componente do cipó quebraria a DMT, impedindo sua difusão no organismo pela corrente sanguínea.

Essa parceria produtiva entre harmina e DMT é a base do que se convencionou designar como “efeito comitiva”, o entourage effect da expressão franco-anglo-saxônica (a harmina e demais betacarbolinas fazem mais, entretanto, como se verá adiante). A locução nasceu em 1998 para designar outro casamento feliz, desta vez entre componentes da maconha em sua interação com os receptores “promíscuos” para canabinoides no cérebro, na expressão do pioneiro em pesquisa com cânabis Raphael Mechoulam, do Instituto Weizman.

Plantação de maconha em clube de cultivo perto de Montevidéu, Uruguai (Danilo Verpa/Folhapress)

A primeira vez em que ouvi fala de efeito comitiva foi em palestra do neurocientista Sidarta Ribeiro na conferência Psychedelic Science de 2017, em Oakland (Califórnia). O pesquisador do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN) fez uma defesa ao mesmo tempo racional e apaixonada de produtos naturais, como variedades de marijuana com maiores ou menores teores relativos de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC) e a própria ayahuasca.

Quase quatro anos atrás, ao responder uma questão da plateia em Oakland, Ribeiro disse desconhecer se o efeito comitiva também caracterizava um psicodélico natural muito popular, os cogumelos ditos “mágicos” do gênero Psilocybe. Depois disso, explica agora, artigo de Barbara Bauer na mesma PSR descreveu a interação entre psilocibina e aeruginascina.

Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina (Divulgação)

“À medida que a gente começa a entender melhor essas substâncias e essas interações, a tendência é crescer essa lógica”, diz Ribeiro. “O conceito mais geral é que, quando se usa uma preparação com muitos análogos de uma mesma molécula-base, um padrão como no caso da serotonina, se alcance esse efeito de um ataque complexo a esse receptor, de maneira que ele nunca caminhe para a tolerância e para sua própria diminuição. Parece que isso começa a emergir como um princípio amplo.”

Na maconha e nos cogumelos, a comitiva de moléculas se apresenta naturalmente, mas não na ayahuasca, uma invenção humana. Nunca será possível saber de que povo nem quando surgiu a técnica de ferver os dois vegetais, mas a pesquisa vem demonstrando que os efeitos neurológicos da infusão parecem ir muito além da sinergia entre betacarbolinas e DMT que propicia a alteração da consciência e engendra as mirações.

No centro das atenções está a harmina. O grupo de Rehen na UFRJ e no Idor mostrou, com ajuda de organoides, ter ela mesma relação estreita com o fenômeno da neuroplasticidade que se postula estar por trás do potencial antidepressivo do daime.

Outro estudo de pesquisadores brasileiros e australianos, com Nicole Galvão-Coelho à frente, mostrou que os compostos presentes na ayahuasca também têm efeito anti-inflamatório, provável componente da depressão resistente a medicamentos. Seu grupo na UFRN mediu o nível da proteína C-reativa no sangue de pacientes que tomaram ayahuasca e verificou que eles tinham níveis diminuídos.

Proteína C-reativa, marcador de inflamação que tem baixa quantidade em quem toma ayahuasca

“A substância harmina é mais estudada na literatura científica do que a própria DMT, o psicodélico da infusão”, diz Salerno. “Sem querer roubar o protagonismo do psicodélico, acho importante a reflexão científica de que provavelmente a mistura complexa da ayahuasca vai muito além do que já conseguimos responder até hoje sob o rigor do método científico.”

O aluno de Rehen pondera que a ayahuasca já é considerada eficaz há milhares de anos por povos nativos. “Talvez falte diálogo da ciência biomédica com as sociais para que as razões dessa eficácia possam eventualmente ser respondidas pela ciência biomédica também.”

“Compostos isolados, e até os sintéticos, oferecem a grande vantagem do controle mais rigoroso, especialmente de qualidade, e tornam a proposta de terapia assistida com psicodélicos bem mais atrativa e comercializável pelas gigantes farmacêuticas. Mas talvez estejamos deixando escapar variáveis importantes ao considerar os compostos isolados.”

A defesa das comitivas naturais parece mais comum entre estudiosos de alteradores de consciência que os investigam também da perspectiva da fenomenologia, ou seja, com experiência própria. Eles costumam ainda dar reconhecimento a saberes ancestrais que legaram seu uso para a ciência.

No polo oposto da tensão que percorre a cena psicodélica ficam os psicofarmacólogos mais reducionistas. Seu feijão-com-arroz é isolar princípios ativos e sintetizá-los, na convicção de que moléculas e receptores específicos são individualmente responsáveis por fenômenos neurais discretos.

Algo similar se viu na história da genética, em que o paradigma um gene/uma função (ou uma característica) acabou cedendo lugar, por força de observações empíricas, para uma visão mais complexa. Hoje se buscam mais associações entre genes espalhados pelo genoma inteiro, partindo do princípio de que fenótipos resultam da interação de vários genes entre si e com fatores ambientais e do organismo, como as marcas epigenéticas agregadas ao genoma no curso da vida.

Ilustração de Stefan Keller (Pixabay)

Existe até quem acredite que o efeito psicodélico propriamente dito –visões, dissolução do ego, sinestesia etc. –possa ser dispensável A psiquiatria poderia assim lançar mão do poder reparador dessas substâncias expurgado da alteração da consciência. Mas há também estudos indicando que o benefício terapêutico é proporcional a intensidade da experiência mística (outros diriam: do grau de dissolução do ego).

Em resumo, haveria um outro efeito comitiva, por assim dizer, nos psicodélicos em geral: não se vence a ruminação sem uma dose de dissociação, ou, como diz Robin Carhart-Harris, sem um aumento de entropia no cérebro. A ciência psicodélica precisa de mais jogo de cintura.

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Artigo pede retribuição a povo mazateca por revelar ‘espíritu’ de cogumelos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/01/28/artigo-pede-retribuicao-a-povo-mazateca-por-revelar-espiritu-de-cogumelos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/01/28/artigo-pede-retribuicao-a-povo-mazateca-por-revelar-espiritu-de-cogumelos/#respond Thu, 28 Jan 2021 20:04:28 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/HuautlaEfrenDelSosalCreativeCommons-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=279 Substâncias psicodélicas renascem para psiquiatria, com a psilocibina na vanguarda, maculadas por um pecado original: a ciência nunca saldou sua dívida histórica com o povo mazateca, do México. A cobrança aparece agora num artigo de pesquisadores liderados pelo brasileiro Eduardo Schenberg, do Instituto Phaneros (há um vídeo em que os autores explicam seu propósito, aqui).

O composto tem sua origem nos cogumelos do gênero Psilocybe, como o Psilocybe cubensis encontrado no Brasil ou o P. semilanceata na Europa. Até 1957, esses fungos costumavam ser classificados como tóxicos e perigosos. Suas virtudes curativas só foram reveladas para a ciência ocidental pelas práticas rituais dos mazatecas.

A revelação se deu naquele ano em uma reportagem do banqueiro e micologista amador R. Gordon Wasson na revista Life. Ele viajou a Huautla de Jimenez, estado de Oaxaca (México), e ali se iniciou nos ritos com Psilocybe mexicana guiado pela curandeira Maria Sabina, cuja identidade Wasson de início protegeu sob o pseudônimo Eva Mendez.

Psilocybe mexicana, cogumelo psicodélico (Creative Commons)

Poucos anos depois o princípio psicoativo psilocibina foi isolado, sintetizado e patenteado por Albert Hofmann –o criador do LSD– no laboratório suíço Sandoz, como narra o texto de Schenberg e colegas. A droga chegou a ser comercializada sob a marca Indocybin. O artigo não cita, mas cinco anos depois Wasson levou Hofmann a Huautla, onde o químico ouviu de Sabina que sua psilocibina sintética tinha “espíritu”.

Maria Sabina (Creative Commons)

O preferido das pesquisas psicodélicas nos anos 1960 era o LSD, não a psilocibina, que o guru lisérgico Timothy Leary chegou a usar e logo abandonou em favor do ácido. Não demorou para que o impulso libertário do LSD despertasse a reação conservadora, que levou a limitações crescentes que desembocariam na completa proibição do LSD.

Quando a ciência psicodélica viu iniciar-se o atual renascimento, a partir de 2000, ganhou projeção a psilocibina, menos estigmatizada. Há dezenas de estudos em andamento ou concluídos para investigar seu potencial como tratamento para depressão, ansiedade, estresse, anorexia, enxaqueca, dependência química, tabagismo, alcoolismo (cabe assinalar que se trata ainda de droga proibida no Brasil e outros países, embora os cogumelos em si sejam tolerados e venham sendo legalizados aqui e ali nos EUA).

Existem também dezenas de pedidos patentários relacionados com a droga, alguns em exame e outros já concedidos, como se vê numa listagem apresentada no artigo a partir do registro de patentes de psilocibina mantido pela newsletter Psilocybinalpha. Só a empresa Compass Pathways, cujo valor de mercado alcançou US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 8 bilhões) e que organiza um teste clínico controlado para tratar depressão, tem seis solicitações cobrindo sua formulação medicinal aperfeiçoada do composto.

Tudo indica que está em gestação um mercado bilionário para terapias psicodélicas. A questão levantada no artigo de Schenberg e colegas se centra na ausência de previsão para reconhecimento e retribuição a povos tradicionais pelo conhecimento que indicou as pistas até essas substâncias (como a ayahuasca de indígenas brasileiros e peruanos, outro exemplo).

Não é uma ligação tênue, diga-se. Os mazatecas faziam uso espiritual dos cogumelos mágicos, assim como acontece nas religiões da ayahuasca, e não faltam estudos relacionando diretamente o grau da resposta terapêutica à intensidade da viagem mística desencadeada pela psilocibina –embora se debata se o componente espiritual da experiência é necessário para dissolver a rigidez mental por trás desses transtornos.

A retribuição pelo uso de conhecimento tradicional está prevista em vários tratados internacionais, da Convenção da Biodiversidade (1992) aos protocolos de Cartagena (2000) e Nagoya (2010). No entanto, as boas intenções consagradas nessas normas raramente acabam postas em prática.

Pelo andar da carruagem dourada em que a ciência psicodélica ressurge na praça, a esta altura pode parecer ingênuo esperar que mazatecas recebam compensação digna da Compass pela tecnologia sábia de Maria Sabina e seus ancestrais. Nunca é demais lembrar, contudo, que esse ramo de pesquisa é caudatário de uma revolução libertária nos costumes e nos valores, a contracultura dos anos 1960/70, sem a qual o antirracismo e o decolonialismo jamais teriam chegado ao presente.

Pedaço de grafiti que sobreviveu a terremoto em Juchitán, Oaxaca (AFP/Pedro Pardo)

O Instituto Chacruna, sediado na Califórnia, promove há muito tempo discussões sobre apropriação cultural e reciprocidade com povos indígenas. Em 2017, o Instituto sediou a conferência Plantas Sagradas nas Américas, em Ajijc, no México, trazendo lideranças mazatecas para o circuito psicodélico contemporâneo.

A segunda edição está prevista para abril de 2021, quando será lançada a iniciativa Indigenous Reciprocity of the Americas, para estimular que usuários individuais de substâncias psicodélicas e novos empresários passem a considerar as raízes desse movimento e a exercer reciprocidade. “Infelizmente os ocidentais têm uma visão em geral reducionista desses temas”, lamenta Bia Labate, antropóloga brasileira que dirige o Chacruna.

“Da mesma forma que a esposa de Gordon Wasson, Valentina, foi excluída das principais narrativas do mainstream psicodélico, há pouco reconhecimento ao papel dos povos tradicionais na origem dos conhecimentos da ciência psicodélica. Também há uma tendência a um ‘mazatecocentrismo’, atribuindo a esse povo o conhecimento único e original com sobre cogumelos,  quando existem vários grupos que fazem uso dessas práticas.”

“Precisamos decolonizar nossa ciência. Mas reciprocidade não é apenas doar dinheiro, e sim aprender a escutar, mover-se lentamente, criar relações duradouras e projetos horizontais, em colaboração mútua. Às vezes, aceitar que populações indígenas podem não estar interessadas nessa relação.”

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Xamã da invasão do Capitólio dá golpe no mito do psicodélico de esquerda https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/01/10/xama-da-invasao-do-capitolio-da-golpe-no-mito-do-psicodelico-de-esquerda/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/01/10/xama-da-invasao-do-capitolio-da-golpe-no-mito-do-psicodelico-de-esquerda/#respond Sun, 10 Jan 2021 19:29:00 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/JakeAngeliREUTERSStephanieKeith-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=232 Jake Angeli, símbolo do delirante assalto fracassado ao Congresso dos EUA na quarta-feira (6), se apresenta nas redes sociais como Lobo de Yellowstone, um xamã psicodélico. Suas páginas de autopropaganda já caíram, e com elas rui também a ideia de que a alteração da consciência por substâncias alucinógenas produz sempre mentalidades progressistas, de esquerda.

Seria um erro deixar-se ofuscar pela exuberância caricata de Angeli. Tirante os chifres e o pelego de bisão, até um engravatado como Ernesto Araújo poderia marchar com ele contra a alegada conspiração comunista, globalista, materialista e covidista que abala os alicerces do mundo livre. O chanceler, afinal, nem precisa de cogumelos mágicos para enxergar em Donald Trump um líder espiritual.

Angeli, um ator fracassado trintão que passou pela Marinha, converteu-se ao misticismo de direita com ajuda do fungo Psilocybe e do cacto peiote. Oferecia cursos pela internet em que ensinava como a reintegração com a natureza e a ingestão de plantas sagradas poderiam dissolver a programação cultural que conduz à destruição da pessoa autônoma e do planeta saudável, como mostrado neste vídeo gravado por Brian Pace, do site Psymposia, antes da retirada do site de Angeli do ar.

A imagem de hippie neonazista parece uma contradição em termos, mas não é. Existe antiga tradição romântica de retorno à natureza, de comunhão em uma unidade superior (Deus, Povo, Pátria, Raça –à escolha), que não raro ajudou a delinear quem são os degenerados a erradicar do mundo, como na ideologia nacional-socialista. Cunhou-se já o neologismo “conspiritualidade” para descrever seitas e fenômenos como Q-Anon.

Aquarela atribuída a Hitler mostra paisagem na região austríaca de Vent – Niedertal (REUTERS/Fabrizio Bensch)

“Infelizmente o elo entre extrema direita, Nova Era, teorias conspiratórias e psicodélicos não é novo nem único. Historicamente, há muitos exemplos de usos malévolos e manipuladores de psicodélicos”, diz Bia Labate, antropóloga brasileira que dirige na Califórnia o Instituto Chacruna. “Mais recentemente, tem sido desanimador ver como muitos seguidores do movimento #ThankYouPlantMedicine se revelaram por negar a existência da Covid, ser antivacina, rejeitar o uso de máscaras ou proclamar outras teorias da conspiração.”

“Mesmo que Jake [Angeli] não seja um caso único, ainda penso que os psicodélicos beneficiaram muito mais pessoas do que prejudicaram e que continuam a guardar potencial incrível para tratar distúrbios de saúde mental e enriquecer as vidas daqueles que buscam melhora e conforto espiritual.”

Não surpreende que a vertente Nova Era da cena psicodélica se mostre vulnerável a essa forma de paranoia. O viés do misticismo oferece o atalho mais fácil para dar conta das experiências de inefabilidade e deslumbramento propiciadas por compostos psicodélicos clássicos como o LSD, a psilocibina dos cogumelos, a mescalina do peiote e a DMT da ayahuasca.

Mesmo no meio acadêmico da Europa, onde se favorece o conceito de dissolução do ego para descrever o que nos EUA aparece como vivência espiritual, persiste uma tendência a identificar o resíduo de viagens psicodélicas com alterações da consciência na direção do progressismo e mesmo do ambientalismo. A chave transformadora estaria na empatia, que já se comprovou aumentar com o consumo de psicodélicos, tanto que “empatógeno” é um dos termos criados para designá-los.

Já escrevi aqui que não há razão para enquadrar o superávit psicodélico de empatia e de sensibilidade ambiental na moldura acanhada da experiência religiosa nem, menos ainda, para considerar que o enlevo místico seja componente sine qua non do benefício mental dessas substâncias. Existe um debate em curso entre pesquisadores que, como David Olson, não veem os efeitos psicodélicos subjetivos como necessários para o benefício terapêutico duradouro e aqueles que, como David Yaden e Roland Griffiths, pensam o contrário e, portanto, descartam a proposta de desenvolver compostos similares aos psicodélicos mas desprovidos de seus efeitos alucinógenos ou dissolvedores do ego.

Ainda que o acréscimo de empatia e o afrouxamento de padrões rígidos de ativação das redes cerebrais bastem para explicar o sucesso de terapias psicodélicas contra depressão, estresse pós-traumático etc., como parece ser o caso, há que tentar entender como é possível que essa flexibilização mental conduza também a atitudes e convicções tão autoritárias, agressivas e sociopáticas quanto as dos militantes trumpistas e Q-anonistas que assaltaram o Capitólio.

Carro com pintura alusiva ao movimento da teoria conspiratória Q-Anon (Caitlin O’Hara/AFP)

Uma forma de explicar essa derivação, à primeira vista paradoxal, seria recorrer a conceitos apresentados por Ido Hartogsohn no livro “American Trip: Set, Setting, and the Psychedelic Experience in the Twentieth Century” (Viagem Americana: Set, Setting e a Experiência Psicodélica no Século 20): a maleabilidade amplificadora das substâncias psicodélicas e a ideia de que set e setting também têm uma dimensão cultural.

Não é fácil traduzir para o português a parelha noção de set e setting, tornada seminal entre outros por Timothy Leary. Trata-se de algo como a dupla de predisposição mental e condições ambientais em que se realiza uma viagem psicodélica, normalmente entendidas como o contexto individual e o local em que se realiza a experiência de alteração da consciência. Para Hartogsohn, entretanto, o duo também deve ser entendido no contexto da cultura e do ambiente psicossocial em que os psiconautas e os psicodélicos se encontram inseridos.

Capa do livro “Viagem Americana”, de Ido Hartogsohn

Um exemplo esclarecedor da influência mais ampla da época sobre a conceituação dessas substâncias se acha na divergência dos paradigmas teóricos sobre LSD que se estabeleceram nos anos 1950 e na transição 1960-70.

No auge da Guerra Fria e à sombra dos horrores da Segunda Guerra, a amplificação mental propiciada pelo psicodélico era entendida como indutora de um estado psicótico, o que deu origem à denominação de “psicotomiméticos” para esses compostos (ou seja, imitadores de psicose). Psiquiatras entusiasmados acreditaram então que se iniciava uma era de experimentação controlada para a disciplina antes envolta nos miasmas da fenomenologia, da experiência subjetiva e suas etiologias impenetráveis.

Por outro lado, à medida que o progresso material de parte da sociedade norte-americana contrastava mais e mais com o lado escuro do American Way (segregação racial e desigualdade no plano doméstico; intervenções militares e apoio a ditaduras na esfera internacional), o movimento dos direitos civis e de contestação à Guerra do Vietnã forneceram a moldura libertária na qual os compostos, agora chamados de “psicodélicos”, foram reenquadrados como as drogas da contracultura, da liberdade sexual e do amor à natureza.

De “imitação da psicose” à “revelação da alma” vai uma enorme distância, e foi essa transição ameaçadora para o establishment que engendrou a reação proibicionista aos psicodélicos nos anos 1970 e 1980. Transcorridas quatro décadas, o set e o setting culturais para psicodélicos mudaram radicalmente, e de certa maneira se dissociaram.

Manequim em instalação do movimento Black Lives Matter (REUTERS/Lucy Nicholson)

De um lado, eles experimentam um renascimento para a medicina, em que a psiquiatria busca valer-se de sua flexibilização mental para dissolver traumas e dar acesso a conteúdos ossificados nas redes cerebrais. De outro, metade da sociedade americana –e contingentes ponderáveis em países como o Brasil– se sente ameaçada não por russos atômicos, mas por chineses industriosos e traidores nacionais alojados no Partido Democrata, nos movimentos Me-Too e Black Lives Matter, na academia e na mídia –os “comunistas”.

Psicodélicos, entrementes, deixaram de ser monopólio da esquerda. A Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps), mesmo liderada por um ex-objetor de consciência como Rick Doblin, teve a sagacidade de eleger a MDMA (ecstasy, um empatógeno não alucinogênico) e o transtorno de estresse pós-traumático epidêmico entre veteranos de guerra para conduzir o teste clínico mais próximo (fase 3) de entronizar um psicodélico no altar farmacológico da psiquiatria.

Pílulas de ecstasy apreendidas em ação contra drogas adulteradas (Eduardo Knapp/Folhapress-2012)

Embora conservadores de raiz ainda se inclinem pelo proibicionismo estrito, há também uma franja Nutella, por assim dizer, natureba, nativista, mística, ou simplesmente doente da cabeça, que vê neles –como os antigos hippies– uma salvação milagrosa para o mundo. Jake Angeli é hoje o mais famigerado representante da psicose conspiritualista que a invasão do Capitólio revelou para o mundo.

Na cena psicodélica, como em tudo mais, a década de 2021 começou de modo confuso, tudo junto e misturado no liquificador de ideias, crenças e tradições oferecido pelas redes sociais. Não haveria por que substâncias tão maleáveis escaparem, só elas, de um set e um setting tão perturbador quanto a nossa época. Mais uma razão para distinguir e distanciar os psicodélicos do misticismo, mas sem perder a ternura.

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Entenda o significado do termo ‘psicodélico’, melhor que ‘alucinógeno’ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/30/entenda-o-significado-do-termo-psicodelico-melhor-que-alucinogeno/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/30/entenda-o-significado-do-termo-psicodelico-melhor-que-alucinogeno/#respond Mon, 30 Nov 2020 11:40:53 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/MandalasSpeedyMcVroomPixabay-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=126 Quando alguém ouve a palavra “psicodélico”, é quase certo que lhe venha à mente figuras super coloridas, cheias de curvas, motivos geométricos, labirintos fractais, talvez alguns elementos místicos. O vocábulo ficou associado com o estilo característico da “poster art”, a marca mais visível da contracultura dos anos 1960 e 1970.

Trata-se de uma redução indevida. O efeito psicodélico, ou seja, o tipo de experiência mental desencadeada com o consumo de LSD, psilocibina (cogumelos ditos “mágicos”) e DMT (presente na ayahuasca), vai muito além das manifestações visuais, mas estas acabaram por se tornar o símbolo das viagens propiciadas, inclusive para depreciar essas substâncias com o termo “alucinógeno”, que tem algo de pejorativo.

Ver coisas que não existem de verdade, afinal, se parece muito com o que seria um surto psicótico, para o senso comum. A pessoa ficaria “muito louca”. Alucinados, como se diz, usuários cometeriam desatinos como pular de uma janela, atirar o carro num precipício, atacar companheiros transformados em monstros –essa a noção que conservadores proibicionistas trabalharam para colar aos psicodélicos, com razoável sucesso.

Não é bem assim, como sabe quem já os experimentou mais de uma vez. Cores sensacionais na natureza, sim, belezas capazes de levar a pessoa às lágrimas. Enxergar lindas figuras geométricas e caleidoscópicas de olhos fechados, isso é bem comum. Porém, há psiconautas tarimbados que nunca viram, de olhos abertos, seres fantásticos andando pelo mundo.

Ilustração de Rodrigo Visca

Viagens ruins (“bad trips”) acontecem, mas são raras: entre 62% e 74% de usuários de LSD declararam, para uma pesquisa global sobre consumo de drogas, nunca ter passado por uma dessas experiências penosas. Mortes, então, ainda mais incomuns.

Por essas associações espúrias, não simpatizo com o termo “alucinógeno”. Isso embora possa ter um uso bem preciso –LSD, DMT e psilocibina, afinal, podem sim causar alucinações, em especial quando a dose é alta. O leitor o encontrará em mais de uma nota, neste espaço, mas de maneira bem menos frequente que “psicodélico”.

O termo que qualifica a virada no nome do blog foi cunhado no ano em que nasci, 1957, pelo médico britânico Humphry Osmond. Numa troca de cartas com o conterrâneo Aldous Huxley, autor do livro “As Portas da Percepção”, Osmond rejeitou a proposta do escritor de criar a palavra “fanerótimo”, algo como “revelador do espírito”, defendendo a alternativa “psicodélico”. O significado era parecido, “manifestador da mente, ou alma”.

Se o neologismo pegou, foi com razão. A vivência psicodélica envolve muito mais que os “visuais” de que tanto gostavam os hippies brasileiros, ou as “mirações” contempladas por cultuadores da ayahuasca. Pela qualidade mística da experiência que o chá, cogumelos Psilocybe e peiote (mescalina) propiciam em contextos religiosos, há quem prefira o termo “enteógeno” (indutor de êxtase divino ou xamânico, etimologia parecida com a de “entusiasmo”).

Num artigo de revisão de 2017 na revista Neuropharmacology, o pesquisador suíço Matthias Liechti listou os efeitos do LSD descritos em pesquisas ao longo de 25 anos (sim, realizaram-se muitos estudos, antes e depois da proibição, com o composto lisérgico inicialmente distribuído pelo laboratório Sandoz sob a marca Delysid):

– bem-estar

– sinestesia

– alterações da percepção

– despersonalização

– experiências místicas

– sentimento de proximidade com outros

– confiança

– sugestionabilidade

– empatia aumentada

– reação menor a imagens de medo

– resposta emocional aumentada a música

– níveis aumentados dos hormônios cortisol, prolactina e ocitocina

– redução de ansiedade etc.

Alterações mentais observadas em pessoas sob efeito de três doses de LSD, 75, 100 e 200 microgramas, segundo revisão na literatura de Matthias Liechti (Reprodução)

Não admira que LSD e congêneres psicodélicos clássicos como DMT e psilocibina tenham voltado a entrar na mira da pesquisa neurocientífica e psiquiátrica. Assim como o psicodélico não alucinógeno MDMA (base do ecstasy), em estudos experimentais essas drogas –que continuam proibidas, cabe lembrar– têm produzido resultados promissores.

A proposta é usar essas substâncias que reduzem medo e aumentam empatia como adjuvantes para psicoterapia em transtornos como depressão e estresse pós-traumático. Talvez para livrar-se da bagagem contracultural do vocábulo “psicodélico”, houve quem defendesse o emprego do termo “empatógeno” (causador de empatia) para designar o ecstasy, por exemplo, que não dá margem a visuais e alucinações.

Não colou muito. Um dos argumentos contra ele é a semelhança indesejável, ao ouvido do paciente, com “patógeno” (causador de doença), como defendeu David Nichols. O pesquisador americano propõe, em seu lugar, a variante “entactógeno”, para salientar a propriedade de “produzir um contato interior”, ou seja, pôr a pessoa diante de sua própria alma, revelar-lhe os cantos escuros da mente.

Ora, é bem o que “psicodélico” significa. Se era isso que os hippies buscavam, tanto melhor para eles –e, talvez, para seus descendentes, se a renascida ciência psicodélica prosseguir evidenciando que essas substâncias carregam mais benefícios do que faz crer a propaganda alucinada dos proibicionistas.

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Suíços questionam papel terapêutico de alucinações e dissolução do ego https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/suicos-questionam-papel-terapeutico-de-alucinacoes-e-dissolucao-do-ego/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/suicos-questionam-papel-terapeutico-de-alucinacoes-e-dissolucao-do-ego/#respond Mon, 23 Nov 2020 21:19:14 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/PensadorPsicodelicoJRKorpaPixabay-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=114 As alterações visuais e o apagão das fronteiras do self são efeitos típicos de psicodélicos clássicos como LSD, ayahuasca e psilocibina (cogumelos “mágicos”), mas não da MDMA (ecstasy). Estudo suíço com a última substância vem pôr em dúvida que alucinações e dissolução do ego sejam componentes necessários do benefício terapêutico desses compostos, atualmente sob investigação.

Todos eles vêm sendo testados como potenciais tratamentos para transtornos mentais, com destaque para a depressão. Pela ausência de “viagens”, entretanto, muitos nem consideram a MDMA um verdadeiro psicodélico, preferindo chamá-la de empatógeno (causador de empatia) ou entactógeno (facilitador de contato interior), para distingui-la dos alucinógenos.

Essas drogas atuam sobre receptores do neurotransmissor serotonina, envolvido na modulação de várias funções (humor, sono, libido etc.), em especial o receptor rotulado como HT2A, de onde se originaria seu efeito antidepressivo. Afetam também outros neurotransmissores, como a dopamina (MDMA ainda tem efeito sobre a noradrenalina).

Apesar dessas diferenças marcantes com os compostos clássicos, MDMA foi o que mais avançou na trilha de autorização para tratar uma condição específica, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). É o carro-chefe da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, na abreviação em inglês) na corrida à FDA, agência de fármacos dos EUA, para aprovar novos tratamentos.

Comprimidos de ecstasy adulterado identificados em pesquisa que encontrou anfetamina, metanfetemina,cetamina, cafeína etc. nas pílulas (Eduardo Knapp/Folhapress-2012)

Felix Müller e colaboradores da Universidade da Basileia decidiram investigar a hipótese de que efeitos psicodélicos tradicionais constituam apenas um epifenômeno da ingestão dessas drogas. Vale dizer, um efeito colateral sem relação com o impacto terapêutico esperado.

No artigo publicado sexta-feira (20) no periódico Neuropharmacology eles não explicitam que viagens representam a grande fonte de preconceito contra as terapias psicodélicas, por causa da associação com a contracultura e a reação proibicionista. Mas isso tem algo a ver com a escolha do ecstasy pela Maps, assim como o TEPT –um transtorno mental de veteranos de guerra, heróis por excelência de conservadores americanos.

Os pesquisadores da Suíça esmiuçaram efeitos no cérebro de 45 pessoas que tomaram MDMA ou placebo. Fizeram isso com ajuda de imagens de ressonância magnética funcional, que mapeiam a atividade em diversas regiões e redes cerebrais.

No foco principal esteve a rede de modo padrão, mais conhecida pela sigla em inglês DMN. Esse conjunto de conexões entre áreas cerebrais está relacionado com introspecção e se mostra ativo demais em distúrbios que implicam ruminações de pensamentos e sentimentos negativos, como a depressão.

Áreas e redes cerebrais investigadas no artigo da revista Neuropharmacology (Reprodução)

Atribui-se ao relaxamento da DMN o efeito antidepressivo dos psicodélicos, já constatado com ayahuasca em pioneiro teste clínico controlado brasileiro e também em ensaios avançados com psilocibina. Os suíços constataram um padrão semelhante de redução nas conexões internas dessa rede sob efeito da MDMA, assim como em outras áreas.

Como o ecstasy não origina alucinações nem dissolução do ego, surge de pronto a pergunta sobre a contribuição ao benefício terapêutico oferecido por essas alterações psíquicas mais características, se é que têm alguma. O conteúdo das visões, assim como a experiência mística associada à dissociação do ego, vistos desse ângulo, poderiam ser menos importantes para o tratamento do que se supôs até agora.

Não deixa de ser um reforço para a perspectiva que privilegia o enquadramento neurofarmacológico das terapias psicodélicas, do qual emergiria em destaque a MDMA. Cairiam para um segundo plano, assim, as psicoterapias psicodélicas clássicas que mobilizam a dissociação egoica como componente pivotal do que se poderia descrever como reset terapêutico.

O psiquiatra Luís Fernando Tófoli, da Unicamp, ressalva que a MDMA é também o composto menos seguro na aplicação clínica, por atuar sobre a noradrenalina, que acelera batimentos cardíacos. São conhecidos, ainda que raros, os casos de hipertermia (superaquecimento) e até mortes em decorrência do uso recreativo de ecstasy em baladas.

“Não é o caso de dispensar uma nem outra opção. Precisamos de mais pesquisas sobre os entactógenos, sobre quais casos psiquiátricos têm potencial”, recomenda Tófoli. “É importante pesquisar todos os compostos, sem desprezar o potencial terapêutico dos psicodélicos clássicos.”

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Ciência psicodélica se afasta do misticismo sem perder a ternura https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/16/ciencia-psicodelica-se-afasta-do-misticismo-sem-perder-a-ternura/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/16/ciencia-psicodelica-se-afasta-do-misticismo-sem-perder-a-ternura/#respond Mon, 16 Nov 2020 15:01:22 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/BlocoTrombetasCosmicasBrunoSantos-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=96  

Viagens com LSD ou a psilocibina de cogumelos “mágicos” podem ser experiências perturbadoras, e não poucos que passaram por isso acreditam ter chegado mais perto de algum deus. Há quem diga que essas drogas podem converter ateus em crentes, ou amolecer o coração do conservador mais empedernido. Mas é melhor ir devagar com o andor do misticismo, porque os psicodélicos são de barro.

A discussão foi reaberta pelo bioeticista Eddie Jacobs na revista Scientific American, sob o título provocador de “E se uma pílula puder mudar sua política ou crenças religiosas?” (em inglês). Ele alerta para a possibilidade de que a associação entre o potencial psicoterapêutico e epifanias religiosas queime o filme das substâncias psicodélicas.

Há precedentes preocupantes, de fato. Os rótulos de misticismo e o pacifismo foram colados ao LSD pela contracultura e atingiram proporções messiânicas com as pregações de Timothy Leary. As viagens transformadoras salvariam o mundo, um maluco por vez, e quanto mais gente tomasse a droga, melhor.

A reação proibicionista dos anos 1970 acabou com esses sonhos. Só que ela baniu também, ou quase, a pesquisa científica com esses compostos para tratar transtornos mentais como depressão e alcoolismo, que também decolavam. Elas foram então abortadas e agora pelejam para voltar ao céu da ciência normal. No radar de Jacobs aparecem turbulências originadas pelos fortes ventos conservadores do presente.

Para eventualmente vingar como tratamentos autorizados contra depressão, por exemplo, o que poderia acontecer nos EUA com a psilocibina em poucos anos, psicodélicos precisam sair da lista de substâncias ilícitas. Ou, pelo menos, acabar regulamentadas como adjuvantes em psicoterapia, processo já iniciado no estado de Oregon. Trumpistas alarmados com o risco de novos antidepressivos virarem um elixir antifascista ou ateísta podem erguer sérios obstáculos nessa cruzada.

Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina (Divulgação)

Matthew Johnson e David Yaden, do Centro para Pesquisa Psicodélica e da Consciência da Universidade Johns Hopkins (JHU), se apressaram a dissipar o vínculo ameaçador. Publicaram na mesma revista a resposta “Não há boa evidência de que psicodélicos possam mudar sua política ou religião” (em inglês).

Ocorre que muito da associação da psilocibina com misticismo partiu do grupo da JHU que deu origem ao Centro para Pesquisa Psicodélica. Mais precisamente, do trabalho do pioneiro Roland Grifftihs, que publicou em 2006 um estudo sobre a significado espiritual das experiências de tipo místico desencadeadas pelo composto psicoativo dos cogumelos Psilocybe.

Outra pesquisa, esta do grupo de Robin Carhart-Harris no Imperial College de Londres, investigou o aumento da identificação com a natureza e o decréscimo de visões políticas autoritárias em participantes de um estudo preliminar com psilocibina para depressão. Questionários padronizados para mensurar o grau de adesão a esses valores foram empregados com apenas sete voluntários, o que equivale a dizer que não se devem extrair conclusões muito bombásticas dos dados apresentados.

Além das limitações intrínsecas a esse tipo de investigação, há que considerar o forte viés de confirmação que se pode farejar aí. Pessoas conservadoras são menos inclinadas a tomar psicodélicos ou a participar desses estudos. Também parece mais provável que os voluntários tenham experiências anteriores com essas drogas ilícitas e pertençam àqueles grupos dispostos a enfrentar riscos para ter experiências espirituais significativas.

De resto, as chamadas para tais pesquisas selecionam esse perfil de maneira ativa. Por curiosidade, outro dia me decidi a preencher uma pesquisa online da JHU sobre mudança de crenças ocasionadas por experiências psicodélicas. Logo no começo a pessoa será excluída se responder “não” a uma pergunta sobre ter passado por alteração desse quilate esotérico que atribua à droga.

Página da pesquisa do Centro para Pesquisas Psicodélicas da Universidade Johns Hopkins para participar de estudo sobre mudanças de crenças (Reprodução)

A dificuldade está em como interpretar o pré-requisito “mudança”. Do modo como a questão é formulada, o participante acaba estimulado a entender como “troca” ou “deslocamento” de valores –o que não era meu caso (por exemplo, transferir-se da extrema direita para o centro do espectro político, como andam dizendo de Sérgio Moro). Alertado por outro voluntário dispensado de cara, forcei um pouco a mão e decidi que “intensificação” caberia no conceito de mudança.

Eu já era ateu antes dos psicodélicos, e assim continuei, como vai narrado no livro “Psiconautas” (no prelo, lançamento em 2021). Minha orientação política se pautava por valores como justiça social, direitos humanos, liberdades individuais e preservação ambiental –nada disso mudou.

Por outro lado, tomar ayahuasca, LSD, MDMA e psilocibina ocasiona algumas experiências espirituais profundas. Atenção: “espirituais”, e não místicas, nem religiosas. Os resultados ajudam a compreender por que os psicodélicos carregam potencial terapêutico, como indicam os testes clínicos ainda preliminares.

Aprofunda-se até quase um estado de graça o prazer de estar em contato com a natureza e poder admirar a beleza de uma ave. A comunhão com a dor de pessoas de quem nem era amigo próximo faz correrem lágrimas. Vínculos familiares se fortalecem, o medo da morte cede, a doença deixa de ser vista como injustiça malévola.

Ilustração de Stefan Keller (Pixabay)

Dá para entender que essa reconexão com coisas maiores do que o ego –natureza, humanidade, semelhantes– seja sentida por alguns como experiência mística, mas não é obrigatório atribuir a condição de realidade externa àquilo que se experimenta na psique. A chave parece estar no aumento da empatia de que todos são capazes, e para isso não é preciso acreditar que amor ao próximo é um comando divino.

Duvido que um conservador ou um crente deixe de sê-lo por tomar LSD ou comer cogumelos; parece mais crível que a experiência lhe reviva os sentimentos generosos que terminaram ossificados em proibições e mandamentos autoritários. Criar conexões cerebrais e abrir caminho para pensamentos novos não fará mal a ninguém.

Tudo somado e subtraído, a promessa medicinal dos psicodélicos só tem a ganhar livrando-se do misticismo e das pretensões messiânicas. Não é um ingrediente necessário, e nem há base científica sólida para o vínculo, como em boa hora assinalam Jacobs, Johnson e Yaden.

Diagrama mostra conexões entre áreas do cérebro (diferenciadas por cores) sob efeito de psilocibina (dir.) e sóbrio (Divulgação/Imperial College)
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