Virada Psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental Wed, 01 Dec 2021 01:26:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Empresa anuncia resultados de maior teste de psilocibina para depressão https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/empresa-anuncia-resultados-de-maior-teste-de-psilocibina-para-depressao/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/empresa-anuncia-resultados-de-maior-teste-de-psilocibina-para-depressao/#respond Tue, 09 Nov 2021 21:10:07 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/COMPASSpacienteFalso-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=743 A empresa britânica Compass Pathways divulgou nesta terça-feira (9) resultados preliminares do maior ensaio clínico sobre psicoterapia com psilocibina para depressão resistente a tratamento. Concluíram o estudo 209 dos 233 pacientes recrutados em centros de dez países (EUA e Europa).

O anúncio da Compass, firma envolta em controvérsias, veio por comunicado a investidores e à imprensa, e não por publicação em periódico científico após análise crítica de especialistas (“peer review”). Não por acaso, foi feito no mesmo dia em que a empresa publicou resultados financeiros do terceiro trimestre de 2021.

No teste, os pacientes foram alocados em três grupos, que receberam 25mg, 10mg ou 1mg, respectivamente, da substância originalmente obtida de cogumelos ditos “mágicos”. O objetivo deste ensaio de fase 2 era estabelecer a dose ótima para o teste clínico de fase 3 que a Compass pretende iniciar em 2022 para obter aprovação do tratamento talvez já em 2024.

O comunicado destaca que 36,7% dos participantes no grupo de 25mg tiveram resposta positiva após três semanas, ou seja, diminuição de sintomas de depressão grave na escala padronizada MADRS. Em comparação, entre os que tomaram a dose quase inócua de 1mg, apenas 17,7% tiveram a mesma resposta, uma diferença estatisticamente significativa.

Mais ainda, 29,1% estavam em remissão no primeiro contingente, contra 7,6% no segundo. Para a dose intermediária (10mg), não se obtiveram resultados com diferenças estatisticamente relevantes.

“Este é um momento importante e animador para a comunidade de cuidados com saúde mental”, disse no comunicado da Compass o neurocientista Robin Carhart-Harris, estrela da ciência psicodélica que se mudou do Imperial College de Londres para a Universidade da Califórnia em São Francisco. Carhart-Harris esteve à frente de dois estudos pioneiros de psilocibina para depressão, no Imperial College, o primeiro sem grupo de controle e o segundo, publicado em abril, comparando-a com o antidepressivo escitalopram (Lexapro).

“[O estudo da Compass] se apoia sobre mais de duas décadas de pesquisa a respeito da viabilidade de compostos psicodélicos para tratar condições de saúde mental e demonstra o potencial que têm para ajudar pessoas que vivem com depressão resistente [a tratamento]. É encorajador ver como progrediu esse campo nos últimos 20 anos, e estou na expectativa pela continuação a pesquisa.”

Sala preparada para psicoterapia assistida por psilocibina (Divulgação/Compass Pathways)

Nove entre dez registros de efeitos adversos durante o experimento foram considerados leves, como dores de cabeça, náuseas, insônia e fadiga. Mas houve 12 pacientes com colaterais mais sérios, como ideações e comportamentos suicidas –ocorrências nada incomuns nesses pacientes, pois até um terço dos 100 milhões de indivíduos no mundo com depressão resistente tentam suicidar-se ao menos uma vez na vida.

A Compass enfrenta resistência de parte da comunidade psicodélica por seu modelo de negócios baseado em propriedade intelectual sobre o poder curativo de uma substância em uso há séculos por comunidades tradicionais e clínicas alternativas. Os adeptos da modalidade de ciência aberta questionam as cinco patentes já concedidas à empresa nos EUA.

Criou-se até um portal com informações para municiar escritórios nacionais de propriedade intelectual (Porta Sophia), na expectativa de que seus funcionários reconheçam a falta de ineditismo. No estado americano de Oregon, a psicoterapia assistida por psilocibina está em fase de regulamentação, sem esperar pela aprovação da FDA (agência de fármacos dos EUA).

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Enquete global confirma força da ayahuasca contra álcool e drogas https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/enquete-global-confirma-forca-da-ayahuasca-contra-alcool-e-drogas/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/enquete-global-confirma-forca-da-ayahuasca-contra-alcool-e-drogas/#respond Sun, 08 Aug 2021 19:31:00 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/InnerVisionsCapa-300x186.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=560 Pesquisa na internet realizada por pesquisadores na Austrália, Brasil e Espanha atesta com base numa grande amostra aquilo que evidências anedóticas de igrejas da ayahuasca já indicavam: o chá psicodélico está diretamente relacionado com menor incidência de uso problemático de drogas, em particular o álcool.

O Projeto Ayahuasca Global colheu em 40 países testemunhos de 10.836 usuários do chá, dos quais 8.629 relataram uso de álcool ou drogas e foram incluídos na análise publicada em 25 de julho no periódico Drug and Alcohol Review. Dos oito autores, três atuam no Brasil: Emerita S. Opaleye (Unifesp), Luís Fernando Tófoli (Unicamp) e Nicole L. Galvão-Coelho (UFRN).

Alguns vão torcer o nariz para a ideia de tratar abuso de drogas com outra droga, mas a DMT da ayahuasca, o LSD e a psilocibina de cogumelos são especiais. Pouco tóxicos, não causam dependência química e estão de volta à pesquisa de tratamentos psiquiátricos, após meio século de proibicionismo, com o ímpeto de um renascimento psicodélico.

De depressão a anorexia, vários são os transtornos para os quais ensaios clínicos apontam aplicações terapêuticas promissoras. Tão promissoras que instituições acadêmicas como Imperial College, Johns Hopkins, Harvard, o hospital Mount Sinai e as universidades de Nova York e da Califórnia abriram centros de estudos específicos para psicodelia. Pipocam investimentos privados bilionários na novidade psicofarmacológica.

O centro mais recente surgiu em Melbourne, Austrália: Instituto Psychae, voltado a testes clínicos de compostos farmacêuticos para medicina psicodélica. Segundo noticiou o jornal The Sydney Morning Herald, o centro de pesquisa nasce com dotação de 40 milhões de dólares australianos (R$ 154 milhões) doados por empresa americana de biotecnologia que prefere não ser identificada.

O Psychae terá como co-diretores Jerome Sarris, da Universidade Western Sydney, e Daniel Perkins, da Universidade de Melbourne. Não por acaso são respectivamente primeiro e último autores do artigo na Drug and Alcohol Review sobre ayahuasca, pois a dimetiltriptamina (DMT, principal psicoativo do chá) está nos planos de ensaios clínicos do novo instituto, por exemplo para tratar transtorno de uso de drogas (abuso e dependência).

Testemunhos obtidos pela internet implicam vieses de seleção, pois usuários de ayahuasca com más experiências provavelmente estariam menos motivados a preencher uma série de formulários padronizados. O forte dessa enquete, por outro lado, está no tamanho avantajado da amostra e na composição multicultural.

A análise revelou que há correlação estatística significativa entre frequência no uso da ayahuasca e menor incidência de uso ou abuso de álcool e outras drogas. E mostrou que esse benefício de saúde mental independe, em certa medida, de beber o chá em rituais religiosos (embora o uso em contexto cerimonial pareça, sim, robustecer o efeito terapêutico).

A presença destacada de brasileiros entre autores e participantes não é coincidência. O estudo da ayahuasca foi facilitado aqui pela legalização do chá para uso religioso a partir de 2004, o que tornou o Brasil o terceiro maior produtor de pesquisas de impacto em ciência psicodélica.

O estudo brasileiro de maior repercussão foi justamente um teste clínico randomizado controlado por grupo placebo com ayahuasca para depressão resistente a medicamentos, de 2018. Chefiado por Dráulio Araújo e Fernanda Palhano-Fontes, o ensaio pioneiro contou com participação de Nicole Galvão-Coelho (todos da UFRN).

Nicole Leite Galvão-Coelho em seu laboratório na UFRN. (UFRN/Divulgação)

A fisiologista retornou há poucos meses de um sabático na Austrália. Sua especialidade são marcadores relacionados com transtornos, como inflamação, cortisol e BDNF (fator cerebral importante na formação de sinapses).

Nicole acaba de publicar artigo sobre os perfis bioquímicos em pacientes com diferentes estágios de depressão, de recém-diagnosticados àqueles que não melhoram com antidepressivos disponíveis. Esse detalhamento poderá ajudar na sintonia fina de terapias com substâncias como a ayahuasca (que normaliza níveis de cortisol em pacientes graves resistentes, por exemplo).

O time potiguar trabalha no planejamento de testes clínicos mais ambiciosos de psicodélicos, com as dificuldades usuais enfrentadas por pesquisadores brasileiros. Grupos da USP também preparam ensaios controlados com o psicodélico ibogaína para dependência química (crack e álcool), mas ainda não abriram recrutamento.

Com frequência este blog recebe consultas sobre oportunidades para participar desses estudos e, quem sabe, beneficiar-se dos efeitos terapêuticos que a ciência vem constatando. Não cabe aqui fazer qualquer recomendação, porque a maioria dos psicodélicos permanece proibida e porque não sou médico nem psicólogo. Psicodélicos não são panaceia emocional, têm contraindição para muitas pessoas e não estão isentos de efeitos adversos, como qualquer substância.

Dito isso, cabe assinalar que havia no final de 2020 pelo menos 70 testes clínicos de psicodélicos com registro ativo no mundo. Entre eles, 56 estavam recrutando voluntários ainda no mês passado.

Seria ótimo se a parceria de pesquisadores nacionais com o milionário Instituto Psychae da Austrália colaborasse para impulsionar mais e maiores ensaios como esses no Brasil, necessitado como está o país de sacudir a depressão galopante (para não dizer ruminante), e manter sua posição de destaque em ciência psicodélica.

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Sai publicado 1º teste clínico de fase 3 com tratamento psicodélico https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/10/sai-publicado-1o-teste-clinico-de-fase-3-com-tratamento-psicodelico/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/10/sai-publicado-1o-teste-clinico-de-fase-3-com-tratamento-psicodelico/#respond Mon, 10 May 2021 21:52:00 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/NatMedMDMA-230x215.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=464 Esta segunda-feira (10) entrará para a história do renascimento psicodélico como data marcante: o periódico científico Nature Medicine publicou artigo pioneiro registrando resultados do primeiro ensaio clínico de fase 3 de uma substância alteradora de consciência (MDMA) para tratar uma condição mental grave, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

É o último passo das pesquisas acadêmicas para aprovar o novo tratamento. Só falta agora a análise dos dados de outros experimentos semelhantes por agências reguladoras, que já se encontra em curso.

Até aqui, só haviam sido concluídos e publicados estudos de fase 1 e 2, como os realizados sobre depressão tratada com ayahuasca, no Brasil, ou psilocibina de cogumelos ditos “mágicos” do gênero Psilocybe, no exterior.

O trabalho na Nature Medicine teve liderança da pesquisadora Jennifer Mitchell, da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF). É um dos braços do estudo multicêntrico capitaneado pela Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês), do incansável Rick Doblin.

Rick Doblin, fundador da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Divulgação/Maps)

Como já apareceu mais de uma vez neste blog e em reportagens da Folha, esse estudo da Maps é o que se encontra mais perto de reentronizar os psicodélicos no rol de medicamentos para a psiquiatria e a psicoterapia. A agência americana de fármacos FDA abriu-lhe uma via rápida de licenciamento, por seu potencial para curar ou pelo menos melhorar a vida de quem sofre com TEPT, tormento muito comum entre veteranos de guerra americanos e vítimas de abuso sexual.

Esses compostos já frequentaram o campo terapêutico, especialmente LSD, psilocibina e MDMA, nas décadas de 1950 e 1960. Mas foram banidos da academia nos anos 1970-80 pela reação conservadora nos EUA contra a contracultura e movimentos sociais associados, como o de direitos civis ou contra a Guerra do Vietnã.

O MDMA, base da droga recreativa conhecida como ecstasy, Michael Douglas, molly ou balinha, não é a rigor um psicodélico clássico como mescalina e LSD, por não desencadear efeitos visuais (mirações, alucinações). Mas é um poderoso empatógeno, ou seja, estimula a empatia com terceiros e com o próprio sujeito, o que favorece elaborar psiquicamente os traumas num processo terapêutico.

Participaram do ensaio clínico da UCSF 90 voluntários, metade dos quais foi sorteada para tomar placebo (no esquema conhecido como teste randomizado duplo-cego controlado). No instrumento mais usado para diagnosticar e mensurar sintomas de TEPT, Caps-5, o grupo que tomou MDMA, após dois meses de acompanhamento, teve redução mediana de 24,4 pontos na escala de 80, contra 11,9 de quem tomou placebo –diferença estatisticamente significativa.

Não se trata de uma pílula que se toma regularmente, como antidepressivos convencionais. Tratamentos psicodélicos experimentais envolvem processos de psicoterapia com várias sessões, além daquelas em que a pessoa toma a droga e é acompanhado por várias horas de “viagem” por uma dupla de terapeutas especialmente treinados. No caso do experimento da UCSF, foram ao todo 12 sessões.

“Em resumo, a terapia assistida por MDMA induz ocorrência rápida de eficácia de tratamento, mesmo para aqueles com TEPT grave”, concluem os autores do teste clínico. “Comparada com as atuais terapias de primeira linha, farmacológicas e comportamentais, a terapia assistida por MDMA tem potencial para transformar dramaticamente o tratamento de TEPT e deveria ser avaliada aceleradamente para uso clínico.”

Quem está habituado com literatura biomédica sabe que conclusões assim contundentes são raras nesse tipo de prosa, sempre cheia de dedos. Tanto o emprego desse palavreado quanto sua aceitação pelos editores da Nature Medicine dão indicação da confiança dos pesquisadores na aprovação pela FDA.

Espera-se que a estrela do renascimento psicodélico termine autorizada pela agência em 2022 ou 2023. Virá em boa hora, se vier, para minorar a epidemia de tristeza e luto na esteira da Covid-19.

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Psicodélico empata com antidepressivo e pode ganhar partida nos pênaltis https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/14/psicodelico-empata-com-antidepressivo-e-pode-ganhar-partida-nos-penaltis/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/14/psicodelico-empata-com-antidepressivo-e-pode-ganhar-partida-nos-penaltis/#respond Wed, 14 Apr 2021 21:00:45 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/DepressaoLeticiaMoreiraFolhapress-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=411 Apoio científico importante para o renascimento psicodélico sai nesta quarta-feira (14) no New England Journal of Medicine (NEJM), o periódico médico mais lido e citado no mundo: em confronto direto com o antidepressivo escitalopram (Lexapro), o psicodélico psilocibina demonstrou bom desempenho ao reduzir sintomas de depressão.

Poucas pessoas não conhecem alguém tratado com escitalopram ou outro remédio para depressão. É o mal psíquico do século 21, agravado agora pelo flagelo da Covid-19, e pelo menos um terço dos deprimidos não se dá bem com esses medicamentos, os modernos inibidores seletivos de reabsorção de serotonina (ISRS).

Um empate estatístico como o descrito no NEJM já seria grande notícia para substâncias psicodélicas, ora em vias de retornar à farmacopeia da psiquiatria. O autor principal do artigo do Imperial College de Londres, no entanto, vai além e indica que o composto dos “cogumelos mágicos” se sai melhor na disputa dos pênaltis, por assim dizer.

A metáfora futebolística cai bem para descrever a interpretação apresentada em tuítes, nos últimos dias, por Robin Carhart-Harris. Estrela da vanguarda psicodélica, ele acaba de ter seu passe comprado do Imperial pela Universidade da Califórnia em São Francisco, cujo centro de neurociência Neuroscape criou para Carhart-Harris a cátedra Ralph Metzner, dotada com US$ 4 milhões (quase R$ 23 milhões).

RCH parece querer evitar a conclusão de que seu estudo apresenta uma conclusão desfavorável para a psilocibina, substância originalmente extraída de fungos do gênero Psilocybe (em testes clínicos se usam fórmulas sintéticas). Isso porque o artigo na NEJM deixa claro que o desfecho (resultado) principal buscado na investigação com 59 voluntários portadores de depressão moderada não produziu diferença estatisticamente significativa entre o psicodélico e o escitalopram.

Três dezenas de participantes caíram no grupo que recebeu a psilocibina, e os outros 29 tomaram o antidepressivo. No primeiro caso, duas doses de 25 mg do psicodélico separadas por 21 dias, mais seis semanas de placebo; no outro, doses inócuas de psilocibina (1 mg) no mesmo intervalo e seis semanas de escitalopram.

Todos os 59 desconheciam qual dose de psilocibina ingeriam (assim como os experimentadores). E todos foram submetidos a várias sessões de orientação, psicoterapia e monitoramento de efeitos adversos ou sintomas depressivos ao longo das nove semanas de duração do experimento.

Observou-se melhora nos dois contingentes de voluntários, com base na escala de depressão QIDS-SR-16, que tem um máximo de 29 pontos –quanto mais pontos, pior o transtorno. O grupo da psilocibina partiu de um escore mediano de 14,5 e perdeu 8 pontos (redução de 55%); entre os que tomaram escitalopram, a pontuação inicial foi de 16,4 e a redução, de 6 pontos (-37%). Pelo desenho estatístico, a divergência não se provou significativa.

As conclusões do artigo são bem cuidadosas: “Com base na mudança em escores de depressão na QIDS-SR-16 na sexta semana, este ensaio não mostrou uma diferença significativa em efeitos antidepressivos entre psilocibina e escitalopram num grupo selecionado de pacientes”, advertem os autores.

Eles ressalvam que “desfechos secundários [outras escalas padronizadas sobre bem-estar etc.] em geral favoreceram a psilocibina sobre o escitalopram”. RCH e colaboradores, entre eles a farmacologista brasileira Bruna Giribaldi, recorrem à fórmula típica de artigos médicos para sinalizar cautela: “Ensaios maiores e mais longos são necessários para comparar psilocibina com antidepressivos estabelecidos”.

Em contato por email com o blog, o neurocientista britânico revelou que, pessoalmente, não tem planos de empreender novos estudos sobre depressão na Califórnia. Não deixa de ser curioso, tendo em vista que seu time no Imperial foi um dos pioneiros em investigar psilocibina para depressão, com trabalho publicado em 2016.

Na mesma mensagem RCH ofereceu uma interpretação mais positiva dos resultados que a apresentada no artigo. “O [desfecho] primário falhou, mas os secundários todos mostraram significativa superioridade em favor da psilocibina, [algo] bem notável, eu diria”, comentou. “Suspeito que o [desfecho] primário falho seja um falso negativo, em face do panorama mais amplo.”

Dráulio de Araújo, físico neurocientista do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e autor do primeiro estudo no mundo a comparar o efeito antidepressivo de um psicodélico (ayahuasca) contra placebo, saudou o artigo na NEJM como um marco para a ciência psicodélica –isso apesar de o trabalho britânico não incluir grupo de controle com placebo.

“Considero o estudo muito bem-conduzido, embora com o desenho metodológico um pouco complicado, que parece favorecer o escitalopram –e mesmo assim o efeito robusto da psilocibina se mantém”, disse o pesquisador da UFRN, que planeja comparar o efeito antidepressivo da ayahuasca com o anestésico cetamina. “É um dado surpreendente.”

Com Araújo concorda o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), seu coautor no trabalho sobre ayahuasca. “O fato de a resposta ter sido a mesma no desfecho primário para um antidepressivo que é reputado entre os melhores dos ISRS é um feito e tanto para a psilocibina”, avalia.

“Considerando o preconceito que a terapia baseada em psicodélicos sofreu ao longo de décadas, empatar com um tratamento consolidado é uma vitória não desprezível.”

Para o psiquiatra, o ideal seria que o estudo tivesse um terceiro braço, com apenas uma dose irrisória de psilocibina e placebo (sem psilocibina e sem escitalopram). Também há a desvantagem de o estudo ser relativamente curto: “Não sabemos quanto os efeitos antidepressivos de um lado e do outro se sustentariam, se ampliariam ou se reduziriam”, ressalva. “A depressão é um mal crônico, e essa não é uma informação desprezível.”

“Ainda assim, o estudo é alvissareiro para as potencialidades abertas pela psiquiatria psicodélica. Sobre os desfechos secundários, embora sistematicamente eles tenham sidos melhores para o grupo da psilocibina, o próprio estudo pede que eles sejam desconsiderados, pois não foi possível fazer o cálculo estatístico.”

Para saber mais: meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” será publicado dia 17 de maio pela Editora Fósforo.

 

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Mais estudos atestam potencial psicodélico contra pandemia de suicídios https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/05/mais-estudos-atestam-potencial-psicodelico-contra-pandemia-de-suicidios/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/05/mais-estudos-atestam-potencial-psicodelico-contra-pandemia-de-suicidios/#respond Mon, 05 Apr 2021 15:16:07 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/knottedgun-300x154.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=404 Um ano atrás, em 29 de março de 2020, o corpo de Thomas Schäfer foi encontrado junto de trilhos de trem perto de Wiesbaden, na Alemanha. Ele era secretário da Fazenda do estado de Hesse, e sua morte foi atribuída a suicídio após desespero com a impotência diante do desastre na economia e no emprego causado pela Covid-19. Dias depois, outro funcionário da secretaria tirou a própria vida.

A pandemia generalizou o temor de um crescimento no número de suicídios (são mais de 800 mil por ano no mundo), na tempestade perfeita a combinar angústia, isolamento social, desemprego e perda de renda. Não há dados ainda para confirmar uma tendência, mas é certo que ao menos nos EUA há mais gente pensando em tirar a própria vida, segundo os Centros de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), num país que sem a Covid já contava 48 mil desses óbitos por ano, e aumentando.

Em paralelo, avolumam-se indicações da pesquisa biomédica de que psicodélicos clássicos como a psilocibina de cogumelos “mágicos” e o DMT da ayahuasca podem ser úteis na prevenção dessas mortes. No entanto, essa classe de substâncias permanece banida na maior parte dos países, sob a justificativa de que os chamados “alucinógenos” causam dependência e têm alta toxicidade –coisas que a ciência comprova ser uma falsidade.

O potencial de psicodélicos na prevenção do suicídio já foi tratado aqui. Pesquisadores brasileiros, favorecidos pelo fato de a ayahuasca ser legal no país, mostravam então que o chá ritual de religiões como Santo Daime, Barquinha e UDV pode ser útil nessa empreitada.

Agora, mais estudos surgem para corroborar essa promessa terapêutica e a irracionalidade manifesta de manter tais compostos no rol de substâncias proibidas e controladas, o que só dificulta a pesquisa. Um deles, sobre ansiedade de pacientes com câncer grave e risco de suicídio multiplicado por quatro, tem como co-autor Richard Zeifman, do Imperial College, que já aparecera entre os responsáveis pelo artigo de brasileiros sobre ayahuasca e suicídio, liderado por Dráulio de Araújo, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

No novo trabalho, publicado em 18 de março, Zeifman, Stephen Ross e outros mostram que a diminuição de ideações suicidas entre diagnosticados com câncer submetidos a psicoterapia com psilocibina permanece até 4,5 anos depois. Para os autores, o psicoativo dos cogumelos Psilocybe aparece como boa alternativa aos antidepressivos disponíveis na prevenção do problema.

Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina (Divulgação)

Zeifman também participa do outro estudo, lançado em 11 de março, neste caso sobre risco de suicídio e psicodélicos clássico em geral, não só psilocibina. Trata-se de uma revisão sistemática, tipo de artigo que busca reunir conclusões de vários outros estudos para robustecer relações causais pressupostas.

Foram considerados 64 trabalhos, 41 deles sobre a associação entre uso não clínico de psicodélicos e comportamentos suicidas e 23 sobre terapias psicodélicas e seu impacto no risco de morte autoprovocada. Nada conseguiram concluir sobre uso continuado dessas substâncias e aumento ou diminuição de risco, mas nos estudos clínicos recentes sobre psicodélicos encontraram evidências preliminares de redução acentuada e sustentada em ideações suicidas.

Para saber mais:

 

 

 

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Universidade da Califórnia tem doação de US$ 6,4 mi para estudar psicodélicos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/31/universidade-da-california-tem-doacao-de-us-64-mi-para-estudar-psicodelicos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/31/universidade-da-california-tem-doacao-de-us-64-mi-para-estudar-psicodelicos/#respond Wed, 31 Mar 2021 19:34:56 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/neuroscape-239x215.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=394 O entusiasmo acadêmico com o chamado renascimento psicodélico ganhou adesão de peso nesta terça-feira (30): a Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF) criou uma divisão só para pesquisar essas drogas em seu centro de neurociência Neuroscape.  O financiamento inicial, obtido com doações privadas, é de US$ 6,4 milhões (cerca de R$ 36 milhões).

Parte desse valor, US$ 4 milhões, se destina à nova cátedra Ralph Metzner de Neurologia e Psiquiatria. Para ela foi designado, como diretor-fundador da divisão, o neurocientista britânico Robin Carhart-Harris, hoje a face mais conhecida desse campo de pesquisa biomédica voltado a encontrar alternativas para a psiquiatria tratar transtornos mentais como depressão.

Carhart-Harris deixa a direção do pioneiro Centro para Pesquisa Psicodélica do Imperial College de Londres, aberto em 2019 com dotação privada similar à que o atrai agora para a Califórnia. O pesquisador se notabilizou por imagens do cérebro de voluntários sob efeito de LSD e psilocibina, substância psicoativa de cogumelos que o Imperial College mostrou em estudo preliminar ser eficaz contra depressão.

Perguntei por email a Carhart-Harris sobre a razão de interromper a carreira no Imperial, pelo qual publicou mais de uma centena de artigos científicos em 11 anos. “Muito bem-sucedida, sim, mas menos em termos de promoção na carreira”, respondeu o neurocientista. “Ofereceram-me algo incrível na UCSF, a cátedra com dotação sendo particularmente atraente.”

“Ainda tenho estudos importantes em curso no Imperial, mas espero produzir neurociência realmente bacana, ciência interdisciplinar entre medicina e tecnologia, na UCSF. A expertise em tecnologia do Neuroscape é particularmente animadora. Ah, sim, e o tempo na área leste da baía [de São Francisco], onde pretendemos nos estabelecer!”

O Imperial puxou uma fila que não cessa de aumentar. Em seguida viria o Centro para Pesquisa de Psicodélicos e Consciência da Universidade Johns Hopkins, o mais bem-dotado (US$ 17 milhões). Depois, a Universidade de Nova York (NYU), os hospitais Mount Sinai e MassGeneral/Harvard.

Hospital Mount Sinai em Nova York (REUTERS/Mike Segar)

A doação para a cátedra Metzner homenageia o companheiro de Timothy Leary e Richard Alpert no Projeto Psilocibina, criado em 1960 para estudar psicodélicos na mesma Universidade Harvard que agora retoma o veio de pesquisa. O grupo controverso acabou expulso da universidade, e Leary se tornou a partir daí o “guru do LSD” e inimigo número 1 na Guerra às Drogas deflagrada em 1971 por Richard Nixon, que lançou os psicodélicos no ostracismo.

Os US$ 4 milhões doados à vaga aberta para Carhart-Harris na UCSF partiram de outras figuras polêmicas, Ekaterina Malievskaia e George Goldsmith, da empresa Compass Pathways. A companhia realiza testes clínicos para obter para obter aprovação da psilocibina no tratamento de depressão e atua agressivamente para patentear o uso do psicodélico em terapia.

“Como um dos destacados cientistas desta geração, estamos satisfeitos que Robin Carhart-Harris seja o primeiro beneficiário dessa cátedra. Estamos confiantes de que ele e a equipe do Neuroscape continuarão avançando a inovação para transformar o cuidado em saúde mental”, declarou Goldsmith.

Robin Carhart-Harris (Divulgação)

“Nossos generosos financiadores estão tornando possível um grande salto à frente na geração de eficácia e segurança clínica para indivíduos no uso de psicodélicos para tratar uma ampla gama de condições de saúde mental, incluindo depressão, ansiedade, TEPT [transtorno de estre pós-traumático] e dependência química”, afirmou em comunicado da UCSF Adam Gazzaley, diretor do Neuroscape, a unidade interdisciplinar que se dedica a aproximar a neurociência da tecnologia.

A nova divisão da UCSF no Neuroscape atuará no que se diagnosticou como carência de estudos para otimizar a administração de psicodélicos, uma vez que os testes clínicos preliminares até aqui só teriam focalizado sua comparação com placebo. A ideia é monitorar dados fisiológicos, neurológicos e psicológicos para determinar a influência de vários fatores sobre o resultado terapêutico, como condições prévias do paciente, ambiente de terapia, decoração, música etc. –o que na literatura psicodélica ficou conhecido como set e setting.

“Essa pesquisa nos permitirá entender se um tratamento particular está bem adequado a um indivíduo, monitorando em tempo real como uma experiência [psicodélica] se desenrola”, disse no comunicado Jennifer Mitchell, professora da UCSF que lidera ensaios sobre MDMA (ecstasy) para tratar TEPT. “Nós miramos em ajustar dinamicamente elementos chave do contexto de uma maneira que guie os pacientes a uma experiência otimizada, assim maximizando benefícios positivos sustentáveis, de longo prazo.”

As principais instituições acadêmicas do mundo surfam a onda psicodélica com dedicação. Já o Brasil, que tem tradição pioneira de pesquisa com ayahuasca e figura entre os três países com estudos de maior impacto na área, atrás só de EUA e Reino Unido, está ficando para trás.

Por mais improvável que pareça durante um governo retrógrado como o de Jair Bolsonaro, a pergunta do primeiro post deste blog se mantém: quando o país vai abrir seu centro de pesquisa psicodélica? Onde estão os investidores brasileiros visionários o bastante para não se acomodar diante do obscurantismo?

Para quem quiser mais, em maio darei um curso sobre o renascimento psicodélico na plataforma Bora Saber:

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Britânicos testam DMT, psicodélico da ayahuasca, contra depressão grave https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/21/britanicos-testam-dmt-psicodelico-da-ayahuasca-contra-depressao-grave/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/21/britanicos-testam-dmt-psicodelico-da-ayahuasca-contra-depressao-grave/#respond Sun, 21 Mar 2021 14:18:42 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/GloboDeNeveRobertCouseBaker-269x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=380 A startup Small Pharma, do Reino Unido, recebeu autorização para iniciar estudos clínicos preliminares (fase 1) com dimetiltriptamina (DMT) contra depressão e deve começar em breve. DMT é o principal causador do efeito psicodélico da ayahuasca, e seu potencial contra o transtorno que aflige mais de 300 milhões de pessoas no mundo foi já comprovado por pesquisadores brasileiros.

A BBC noticiou o ensaio clínico afirmando que “o poderoso alucinogênico conhecido por seu papel em rituais xamânicos está sendo testado pela primeira vez como uma cura potencial para depressão”. A afirmação contém algo de impreciso, pois o efeito antidepressivo da DMT afinal foi testado antes, ainda que apenas na combinação com os outros ingredientes do chá usado em cerimônias de Santo Daime, União do Vegetal e Barquinha.

Arbusto chacrona, usado no preparo do chá ayahuasca  (Juca Varella/Folhapress)

No caso britânico, o composto em estado puro será provavelmente administrado por injeção, porque na via oral ele termina degradado por enzimas presentes no aparelho digestivo, como a monoamina-oxidase (MAO). A ingestão da ayahuasca não tem o mesmo resultado porque a infusão, além das folhas da chacrona que fornecem DMT, contém inibidores da MAO provenientes do cipó-mariri.

Cipó-mariri, ou jagube, usado no chá ayahuasca  (Marcelo Leite/Folhapress)

Chama a atenção o estudo ser da Small Pharma, uma empresa, e não de instituição acadêmica. Verdade que ele será conduzido em parceria com o Centro para Pesquisa Psicodélica do Imperial College de Londres, mas o envolvimento de uma startup que recebeu incentivo financeiro do governo britânico exemplifica o interesse crescente de investidores nos psicodélicos, não sem alguma controvérsia.

Muitas empresas estão sendo criadas e capitalizadas para investigar e quiçá patentear várias substâncias psicodélicas (DMT, LSD, MDMA, 5-MeO-DMT etc.) para tratar vários transtornos psíquicos e físicos, de estresse e enxaqueca a alcoolismo e anorexia. DMT, por exemplo, está para ser testado contra Alzheimer e AVC.

Participarão da primeira etapa do estudo da Small Pharma 32 voluntários sem experiência anterior com psicodélicos. O objetivo desta fase 1 é estabelecer a dose mínima capaz de desencadear algum efeito psicodélico, como as famosas “mirações” da ayahuasca. Na fase 2, o grupo será de 36 pessoas com depressão crônica grave.

A diretora médico-científica da Small Pharma, Carol Routledge, mencionou estudos anteriores sobre ayahuasca e depressão ao boletim Psilocybin alpha, mas justificou a escolha por DMT dizendo que o chá “contém meio que um coquetel de componentes ativos, e como tal tem perfil de segurança muito mais fraco e experiência psicodélica significativamente mais longa comparada com DMT”.

A expectativa é que o tratamento com DMT encurte sessões de terapia para no máximo duas horas. Isso reduziria custos de um eventual tratamento, diante das seis horas que pode durar uma sessão com ayahuasca –e tempo parecido com a psilocibina de cogumelos “mágicos”, outro psicodélico em testes avançados contra depressão <>.

Routledge comparou o efeito de uma dose alta de DMT com agitar um globo de neve, aquele objeto de vidro cheio de água e alguma cena em geral bucólica. “Sacudir um globo de neve perturba padrões de pensamento insalubres e oferecem uma oportunidade para que se reassentem de maneira diferente” –o que não chega a ser uma metáfora feliz, pois no caso do enfeite estado inicial e estado final são indistinguíveis.

Dráulio Barros de Araújo, físico do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que liderou o estudo sobre ayahuasca e depressão publicado eletronicamente em 2018, seguirá a pista aberta no Brasil investigando também DMT separadamente. Seu plano é apresentar o projeto em breve ao comitê de ética em pesquisa da UFRN.

Para saber mais sobre o pioneirismo psicodélico no Brasil, duas oportunidades surgirão em maio:

Na primeira semana deverá ser lançado meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”, pela Editora Fósforo;

Na segunda quinzena, entrando por junho, um curso com quatro aulas no site Bora Saber.

 

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Corrida por patentes ameaça pesquisa com terapias psicodélicas https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/19/corrida-por-patentes-ameaca-pesquisa-com-terapias-psicodelicas/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/19/corrida-por-patentes-ameaca-pesquisa-com-terapias-psicodelicas/#respond Fri, 19 Mar 2021 14:03:38 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/Magic_mushroomsJanieWikiCommons-300x202.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=369 Um espectro ronda o renascimento psicodélico e ameaça a liberdade de pesquisa no campo das novas terapias para transtornos mentais como depressão. Bem no momento em que compostos como LSD, psilocibina e MDMA –substâncias ainda proibidas, bom lembrar– deixam a clandestinidade científica para retornar ao altar de templos da biomedicina acadêmica como Harvard, Johns Hopkins e Imperial College, reivindicações de propriedade intelectual podem barrar estudos clínicos já em andamento.

Após o presidente americano Richard Nixon declarar Guerra às Drogas em 1971, a pesquisa clínica com psicodélicos ficou abafada por três décadas, tornando-se uma linha de estudo suicida para a carreira de pesquisadores. Isso começou a mudar na passagem do século 20 para o 21, com a atenção renovada atraída por uma série cada vez mais encorpada de estudos clínicos.

A promessa de terapias inovadoras para distúrbios mentais fortaleceu-se a ponto de gerar um excesso de interesse da parte de investidores. Como resultado, a corrida para garantir direitos de patente sobre substâncias e práticas curativas muito antigas agora põe em risco a própria avalanche de estudos.

Veja o caso da psilocibina, ingrediente psicoativo dos “cogumelos mágicos” (principalmente as mais de 200 espécies do gênero Psilocybe). Vários deles são usados tradicionalmente em cerimônias por povos como os mazatecas do México, que revelaram o poder desses fungos para a ciência ocidental e nunca foram devidamente reconhecidos por isso.

De acordo com o diretório de patentes da área mantido pelo site Psilocybin alpha (uma fonte útil para análises do setor emergente de medicina psicodélica), existem 44 patentes concedidas ou sob análise tratando da psilocibina, 41 delas após o ano 2000; outras 24 foram solicitadas depois de 2019. Números similares abrangem pedidos de propriedade intelectual relativas a MDMA (53 patentes, 47 desde 2000) e DMT, psicodélico presente na ayahuasca (55, das quais 53 desde 2000).

A lógica por trás do privilégio de patente é remunerar o investimento realizado por inovadores, dando-lhes exclusividade sobre a invenção por 20 anos. O simples número de solicitações apresentadas, no entanto, assim como a abrangência do privilégio contido algumas delas, suscitaram muita preocupação nessa área.

A corrida pode ser comparada com uma onda de “cercamentos”, em que recém-chegados tentam garantir rapidamente um pedaço de chão tão grande quanto possível no terreno agora acessível. O movimento implica a exclusão daqueles que preservaram a área no passado, sejam eles xamãs experimentados no uso ou pesquisadores pioneiros e teimosos, que assumiram riscos quando quase ninguém ousava enfrentar a árdua viagem por território não cartografado.

Uma onda de “cercamentos”, em que recém-chegados tentam garantir rapidamente um pedaço de chão tão grande quanto possível

O primeiro alarme soou em 2018, após a empresa Compass Pathways, baseada no Reino Unido, solicitar três patentes para o uso de psilocibina para depressão resistente a outros tratamentos. Uma delas já foi concedida pelo Escritório de Patentes dos EUA (USPTO) em 31 de dezembro de 2019, deslanchando uma onda de protestos.

A reação partia do entendimento de que tal proteção poderia impedir o uso medicinal, recreativo ou ritual de cogumelos Psilocybe por terceiros. A preocupação arrefeceu desde então, à medida que se tornou mais claro que a patente cobre apenas uma forma cristalina específica de psilocibina sintética (COMP360), não o próprio fungo natural.

Apesar disso, prosseguiu acesa a apreensão quanto ao escopo amplo das patentes apresentadas pela Compass e seus impactos esperados sobre a pesquisa. Na realidade, ela entrou em combustão acelerada nas últimas semanas graças ao escritor, podcaster e investidor Tim Ferriss.

Numa série de tuítes, ele lançou o toque de reunir: “Estou muito preocupado com a grilagem patentária em preparação no mundo psicodélico do lucro (…) quando companhias tentam obter patentes amplas que poderiam impedir pesquisa científica, competição razoável (isto é, para obter escala e acesso amplo, precisamos de competição para reduzir custos)”.

Ferriss é muito influente nos círculos psicodélicos, como investidor visionário que despejou milhões de dólares e ajudou a levantar outro tanto para pôr de pé os pioneiros Centro para Pesquisa Psicodélica do Imperial College de Londres e Centro para Pesquisa Psicodélica e da Consciência. Também apoiou a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês).

Seria simplório acusá-lo de ser anticapitalista ou de ingenuamente colocar os interesses de xamãs à frente dos daqueles que sofrem com transtornos mentais debilitantes como depressão resistente ou estresse pós-traumático (TEPT) e poderiam beneficiar-se de eventuais medicamentos psicodélicos. Entretanto, essas acusações parecem insinuar-se nas entrelinhas da brusca refutação que partiu de Christian Angermayer, investidor que já financiou a Compass e fundou a empresa Atai Life Sciences, companhia alemã de biotecnologia interessada em psicodélicos.

Angermayer escreveu que Ferriss estaria “incrivelmente desorientado” nessa questão: “A Atai e a Compass (…) levantaram perto de US$ 650 milhões para essa causa só nos últimos anos, ao mesmo tempo em que trouxeram as melhores cabeças e inovação crítica para esse desafio. Se incluirmos capital levantado por outras empresas nesse campo, a soma vai para mais de US$ 1 bilhão”, argumentou o empresário. “Esse é nível de recursos, talento e compromisso necessário para finalmente mudar as coisas, e isso se torna possível por haver um modelo de negócios viável.”

“Se essas companhias forem bem-sucedidas, centenas de milhões de pessoas que sofrem atualmente poderão beneficiar-se, e, como essas drogas serão provavelmente aprovadas como drogas medicinais, há uma probabilidade significativa de que seguros de saúde as cubram”, escreveu Angermayer.

A troca de tuítes evoluiu para cartas abertas publicadas por Ferriss e Angermayer. A longa argumentação pode ser resumida assim:

1) De acordo com Ferriss, iniciativas em busca de lucro têm um papel crítico, mas não ganham por isso um passe livre, pois enfrentam incentivos para tomar decisões anti-éticas de maneira a gerar renda extra, tais como patentear “invenções” que não são invenções;

2) Angermayer alega que propriedade intelectual e dinheiro grosso são a chave para acelerar o acesso a novos remédios psicodélicos e compara o investimento requerido a uma hipoteca para adquirir uma casa que de outro modo não caberia no orçamento do cidadão mediano: “Por um certo período, a sociedade precisa pagar o financiamento (presumindo que a casa seja ótima e que a pessoa queira mudar-se para nela), mas depois disso a sociedade se torna proprietária e pode morar nela sem pagar aluguel”.

A argumentação de Angermayer se apoia sobre dois pilares. Primeiro, que a Compass não está patenteando um produto natural, e sim uma forma específica de psilocibina cristalizada (polimorfo A) produzida em grandes quantidades seguindo etapas de síntese otimizadas pela empresa. Depois, que a patente cobre o uso dessa inovação particular em terapia para depressão resistente a tratamento.

Os questionamentos às patentes da Compass se baseiam em vários argumentos: o polimorfo A quase certamente está presente tanto no produto natural quanto em outras formas do composto sintetizado; a Compass usa informações sobre a síntese publicadas anos atrás; o uso de psilocibina como adjuvante de psicoterapia para depressão já esteve em teste em vários ensaios clínicos, realizados, entre outros centros, pelo Imperial College e pela Johns Hopkins (para não falar de séculos ou milênios de uso medicinal).

Há preocupação geral com o risco de a incursão da Compass no domínio público psicodélico evolua para barreiras ao estudo clínico de fase 2 com psilocibina para depressão patrocinado pelo Instituto Usona. Afinal, o Usona é um competidor e obteve da FDA (agência americana de fármacos) o mesmo status de terapia revolucionária (breakthrough therapy) conferido à Compass.

Há risco de que a incursão da Compass no domínio público psicodélico  evolua para barreiras ao estudo clínico de fase 2 com psilocibina para depressão

A iniciativa da Usona, porém, se fundamenta numa abordagem oposta: o instituto publica todos os passos para a síntese de psilocibina, põe sua versão do composto à disposição de outros pesquisadores e não busca patentes para processos ou terapias relacionadas, contando em lugar disso com os cinco ou seis anos de direitos exclusivos que a aprovação pela FDA garante ao uso de dados do estudo clínico e à comercialização dos protocolos terapêuticos relacionados.

Cinco ou seis anos de direitos exclusivos, comparados com duas décadas de privilégio garantido por patentes, pode parecer pouco tempo para investidores em busca de enormes taxas de rendimento. Para muitos que não chegaram agora para o campo de batalha psicodélico, por outro lado, parecem ser uma maneira mais equitativa de tornar os novos medicamentos acessíveis a preços mais módicos

O argumento mais difícil de contrariar, contudo, é aquele dizendo que abrir mão de patentes não produzirá o montante de capital necessário –centenas de milhões de dólares, diz-se– para fazer um novo remédio chegar ao mercado. Sem essa montanha de dinheiro, pode-se atrasar desnecessariamente o acesso para quem precisa.

Não são só capitalistas gananciosos que adotam esse ponto de vista na matéria. Pesquisadores respeitados também, como David Nutt, do Imperial College, que me disse numa entrevista de 2019 serem as patentes um preço que teremos de pagar para ver psicodélicos regulamentados o mais cedo possível.

O mesmo se dá com David Nichols, professor emérito da Universidade Purdue e consultor da Compass listado como co-autor do pedido de patente. Nichols declarou a Ann Harrison, de Lucid News: “Há tamanha necessidade de novas terapias para tratar depressão e dependência química que me parece improvável uma estratégia sem fins lucrativos ser sustentável. Aplaudo os esforços do Instituto Usona para tornar essa medicação de uso global, mas pessoalmente não vejo como isso possa ser operado”.

Há que considerar, entretanto, o gigantesco mercado potencial para tratamento de transtornos mentais como depressão resistente, em especial após todo o sofrimento e isolamento impostos pela pandemia de Covid-19. Harrison relata em Lucid News que o mercado de todas as doenças que psicodélicos têm potencial para tratar está avaliado em US$ 400 bilhões anuais.

Em outras palavras, há muito dinheiro para ganhar com psicodélicos. Obviamente, essa é a razão que torna investidores tão ansiosos para garantir propriedade intelectual sobre essas aplicações.

Há muito dinheiro para ganhar com psicodélicos. Essa é a razão que torna investidores tão ansiosos para garantir propriedade intelectual

Se Nichols se alinha com a Compass, a estratégia do Usona obtém apoio de Rick Doblin, força motriz por trás da Maps, ONG que ele fundou 35 anos atrás. Nessa época, Ferriss e Angermayer ainda estavam no ensino fundamental.

É eloquente que a terapia psicodélica mais próxima de aprovação pela FDA –MDMA para estresse pós-traumático (TEPT)– decorra do trabalho desbravador realizado a muito custo por Doblin e seus colegas da Maps, e não por uma startup qualquer cheia de dinheiro depois de uma oferta pública de ações (IPO) bem-sucedida. O ensaio clínico multicêntrico de fase 3 em curso pela Maps sobre MDMA/TEPT deve publicar resultados promissores, neste ano ou no próximo, graças a financiamento obtido em anos e anos de campanhas.

Rick Doblin, fundador da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Divulgação/Maps)

Não chega a ser surpresa que Doblin tenha apoiado Ferriss e questionado Angermayer numa série de tuítes. “Christian [Angermayer] não está certo quanto a patentes serem essenciais para obter direitos exclusivos para comercializar um medicamento”, escreveu.

“A exclusividade de dados difere de patentes pelo fato de não bloquear que outros patrocinadores gerem seu próprios dados para obter aprovação e comercializar o mesmo remédio para a mesma indicação ao mesmo tempo, se outros patrocinadores decidirem gastar tempo e dinheiro. Estamos muitos anos e US$ 50 milhões, por aí, à frente de quaisquer outros.”

Doblin foi mais longe: “Na medida em que a Atai e a Compass buscam lucro bloqueando os outros por meio de patentes sobre processos [de sínteses] ou processos terapêuticos que não inventaram, elas fracassarão e vão desperdiçar seu potencial para ser uma força em favor de curas e de lucros”.

Ativistas do campo psicodélico também protestaram contra essas pretensões. Bia Labate, diretora do Instituto Chacruna, assinala que “reivindicar ser preciso recorrer a técnicas agressivas de patenteamento a fim de tratar milhões de pessoas doentes em todo o globo seria como dizer que é preciso uma cadeia grande como a Starbucks para que as pessoas possam tomar café”.

Além de Angermayer, os avanços patentários da Compass também já haviam sido defendidos por Ekaterina Malievskaia, principal executiva médica da empresa e sua co-fundadora com o parceiro George Goldsmith, num artigo publicado pela Maps. Após narrar como a firma se distanciou de acordos anteriores de colaboração com os institutos Usona e Heffter, ela afirmou:

“Nossas patentes não impedem nenhum outro clínico de usar nosso produto ou quaisquer produtos contendo psilocibina em conjunção com os tipos de terapia ou apoio psicológico que julgarem útil, desde que não ameacem a segurança do paciente”, escreveu. “Por fim, nem nossas patentes nem estratégias regulatória e de preços têm impacto sobre as práticas da comunidade subterrânea de praticantes em situações não clínicas.”

Malievskaia e Angermayer não tiveram sucesso até aqui em convencer outros atores do campo psicodélico de que a Compass não pôs seus interesses comerciais e projeções de rentabilidade à frente de benefícios para a saúde pública e da liberdade de pesquisa. Uma das razões está em outra patente pedida pela empresa, WO2020212952.

Nesse pedido a Compass reclama propriedade intelectual sobre um método de tratar depressão descrito em 162 cláusulas. Elas incluem até a administração de psilocibina num recinto com aparência substancialmente não clínica, mobília aconchegante, decoração em cores suaves, um sistema de som de alta fidelidade e uma cama ou divã…

“Patentear métodos terapêuticos inventados por outros está fadado a fracassar, são terríveis para reputação e capitalismo fora-da-lei”

Qualquer pessoa familiarizada com protocolos de tratamentos psicodélicos desenvolvidos por legiões de terapeutas desde os anos 1960, alguns sob risco pessoal ao trabalhar sob o radar da lei em tempos de proibicionismo, pode reconhecer de imediato que não há novidade nenhuma aí. Fica visível uma intenção não muito sutil de impedir competição com a Compass. Doblin tuitou: “Tentativas de patentear métodos terapêuticos inventados por outros estão fadados a fracassar, são terríveis para a reputação e capitalismo fora-da-lei [capitalism gone rogue]”.

Tim Ferriss, ao que parece, estava certo quando redigiu diplomaticamente que “até as mais puras intenções podem ser distorcidas quando colidem com as duras realidades do negócio”.

Uma versão deste texto foi publicada em inglês no site do Instituto Chacruna

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Saiba quem é Rick Doblin, ex-hippie há 35 anos na vanguarda psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/11/saiba-quem-e-rick-doblin-ex-hippie-ha-35-anos-vanguarda-da-ciencia-psicodelica/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/11/saiba-quem-e-rick-doblin-ex-hippie-ha-35-anos-vanguarda-da-ciencia-psicodelica/#respond Thu, 11 Mar 2021 16:32:47 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/Rick-Doblin-MAPS-300x169.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=361 Chovia a cântaros naquela noitinha de outubro de 2018 quando bati à casa de Rick Doblin em Belmont, subúrbio de Boston. Um dos principais responsáveis pelo que se convencionou chamar de renascimento psicodélico abriu a porta com o sorriso que lhe é peculiar e um celular na orelha, gesticulando para que o desconhecido encharcado entrasse.

Fomos direto para a mesa de fórmica na cozinha onde Rick trabalhava com um laptop e a tigela de pipoca à frente. O ex-hippie é uma usina multitarefa hiperativa, que parece dedicar cada minuto da vida à sua maior obra, a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês), que completa 35 anos de militância no mês que vem.

Foi preciso esperar uns 20 minutos até começar a entrevista para o livro “Psiconautas”, que sai agora em maio pela Editora Fósforo. Rick discutia com um aliado os próximos passos após o sucesso do debate sobre medicina psicodélica do dia anterior no Instituto Broad, iniciativa conjunta da Universidade Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) consagrada à genômica. Falava também da bem-recebida palestra recente para uma reunião de chefes de polícia, na Flórida.

Graças em boa medida a sua persistência, substâncias psicodélicas como LSD, psilocibina, MDMA e DMT estão de volta ao panteão farmacológico da medicina, ainda que em fase experimental. Templos da biomedicina como o Imperial College de Londres, os hospitais Massachusetts General e Mount Sinai e as universidades de Nova York (NYU) e Johns Hopkins se apressam a abrir centros dedicados ao tema emergente de pesquisa clínica, seguindo a liderança da Maps.

Em 1986, contudo, era preciso muito tutano para criar uma ONG dessas apenas um ano depois de o governo americano proibir o MDMA. Primeira missão: processar a agência antidrogas DEA por isso. Era o auge da guerra às drogas deflagrada nos EUA pelo presidente Richard Nixon, que não via com bons olhos a crescente popularidade nas baladas de pílulas então conhecidas como ecstasy (hoje se fala mais MDMA, balinha, molly e até Michael Douglas).

Pílulas de ecstasy (MDMA) usadas em baladas (Divulgação/DEA)

O argumento de Rick era que não havia base científica para proscrever a droga empatógena –ao contrário– sob o pretexto de que não teria benefício para a saúde e carregaria potencial para criar dependência química. Mais de três décadas depois, ele caminha para vencer a disputa. Graças aos estudos patrocinados pela Maps, o MDMA é a substância psicodélica mais próxima de obter aprovação da FDA (agência americana de fármacos) para uso em tratamento psicoterápico para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Não deixa de ser ironia que um filho do movimento de objetores de consciência contra a Guerra do Vietnã, como Rick, se torne o campeão da luta por um remédio para aliviar o sofrimento psíquico de quase 900 mil veteranos de guerra americanos que padecem com TEPT. Não poucos desses ex-militares se tornam policiais e bombeiros, fechando a tríade de heróis que os conservadores dos EUA adoram cultuar.

Foi uma tacada de mestre da Maps e de Rick eleger esse transtorno e uma droga não alucinogênica para o teste clínico, alargando assim a trilha aberta pela descriminalização da maconha, que também começou pelo uso medicinal. Alguns estados americanos já começam a modificar suas leis e regulamentos para admitir o uso terapêutico de substâncias como psilocibina (psicoativo originalmente extraído dos cogumelos Psilocybe), com resultados promissores contra depressão e outros distúrbios mentais.

Psilocybe mexicana, cogumelo psicodélico (Creative Commons)

A Maps prepara agora a publicação dos resultados dos estudos clínicos de fase 3 realizados com MDMA para TEPT. Com isso, já tendo obtido acesso a uma via rápida de licenciamento na FDA como terapia revolucionária (breakthrough therapy), estima-se que o tratamento possa ser aprovado em 2022.

Não há dúvida de que Rick e a Maps têm mesmo muito o que comemorar.

 

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Microdose é igual a placebo, diz estudo controlado com LSD e psilocibina https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/02/microdose-e-igual-a-placebo-diz-estudo-controlado-com-lsd-e-psilocibina/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/02/microdose-e-igual-a-placebo-diz-estudo-controlado-com-lsd-e-psilocibina/#respond Wed, 03 Mar 2021 02:19:25 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/MicrodoseLogo-300x192.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=342 Adeptos de microdosagem de LSD e outros psicodélicos como a psilocibina dos cogumelos “mágicos” deram uma espécie de tiro no próprio pé: participaram de estudo no qual se conclui que tais viagens homeopáticas não se distinguem dos efeitos mentais produzidos apenas pela expectativa de quem toma cápsulas vazias. E não qualquer estudo, mas o maior experimento controlado por placebo que já se fez com psicodélicos.

LSD e psilocibina são substâncias proibidas, o que encarece muito testes clínicos no padrão da biomedicina atual, mais ainda quando se investiga microdosagem, que implica uso continuado por várias semanas. O esquema é popular nas esferas profissionais de tecnologia, criatividade e finanças, onde se espraiou o costume de tomar 2-3 vezes por semana doses de psicodélicos que não desencadeiam alteração da consciência, mas às quais se atribui melhora de cognição, humor e produtividade –e até menos crises de enxaqueca.

Balázs Szigeti e colegas do Imperial College de Londres empregaram o subterfúgio da “ciência de cidadãos” (citizen science) para estudar a modinha. Vale dizer, com a ajuda de voluntários do público.

Usuários de microdoses de LSD e outros psicodélicos foram convocados pela internet a praticar seu hábito por quatro semanas, mas num sistema de “autocegamento” (self-blinding) em que não saberiam em quais dias tomavam cápsulas opacas contendo o psicodélico ou vazias (placebo). Eles mesmos haviam preparado e acondicionado as cápsulas em envelopes marcados só com códigos de barras fornecidos pelos pesquisadores, seguindo instruções de um vídeo.

Durante a pesquisa e na quinta e na nona semanas após a microdosagem, os participantes deveriam preencher pela internet baterias de questionários padronizados para medir bem-estar, satisfação com a vida, mindfulness, desempenho cognitivo e assim por diante. Dos 1.630 adeptos que se mostraram interessados, 240 iniciaram de fato o experimento, 191 seguiram até a quinta semana (80%) e 159 até a nona (66%).

Esquema exemplifica como foi feito o ‘autocegamento’ no estudo (Reprodução / eLife)

“Segundo nosso melhor conhecimento, este estudo é o primeiro a empregar a metodologia de autocegamento, a primeira investigação controlada por placebo dos efeitos cumulativos de microdosagem repetida e o maior estudo controlado por placebo de um psicodélico até hoje”, afirmam os autores no artigo “Self-blinding Citizen Science to Explore Psychedelic Microdosing” (ciência de cidadãos com autocegamento para explorar microdosagem de psicodélico), publicado terça-feira (2) no periódico eLife.

De cara, o estudo confirmou benefícios que se atribuem às microdoses de psicodélicos no Vale do Silício, em Wall Street e quem sabe na Faria Lima. Outros estudos também os corroboravam, mas com muito menos participantes e sem grupo de controle com placebo.

O galho, no estudo do Imperial College, é que o mesmo nível estatístico de efeitos benéficos apareceu no grupo que tomou placebo. O resultado sugere não existir efeito bioquímico real do composto microdosado sobre a mente, só o que ela própria produz à base de expectativa e auto-sugestão. Fica difícil, em tais circunstâncias, justificar cientificamente a prática da microdosagem, que além de envolver substâncias ilícitas, não é isenta de riscos.

Curiosamente, em 72% das vezes os participantes acertaram se tinham tomado psicodélico ou placebo em determinado dia, acima dos 63% de acertos aleatórios previstos pelos pesquisadores. É um velho problema da pesquisa clínica com essas substâncias modificadoras de consciência, manter o cegamento necessário, pois as pessoas quase sempre percebem quando tomaram o composto psicoativo ou não.

Pelo visto, algo parecido acontece mesmo quando a dose é muito baixa (em média 13 microgramas de LSD e 200 miligramas de cogumelos secos, no estudo): o efeito continua perceptível, mesmo sem desencadear viagem psicodélica, talvez na forma de sensações físicas. Ou então é o efeito placebo que se mostra poderoso a ponto de reviver em usuários experimentados –um critério para inclusão no experimento– sensações comparáveis às de quando tomam a droga de verdade.

“Uma pílula vazia [combinada] com crenças e intenções fortes produzem quase tudo. Vocês puseram, aqui, espiritualidade numa pílula vazia… Uau!”, comentou depois um participante quando o cegamento foi quebrado.

Anos atrás, tive uma experiência do gênero ao participar de um estudo em que tomaria LSD (em dose mais alta, 65 microgramas) para fazer uma sessão de testes cognitivos e placebo em outra, duas semanas depois.

Na primeira vez, surgiram sintomas físicos característicos do estado alterado, como enrijecimento da mandíbula, leve palpitação, suor abundante e mãos frias, além excelente humor, empatia, figuras coloridas de olhos fechados e ideias mais livres; impôs-se a certeza de que ingerira o ácido. Na segunda veio a surpresa, de certa forma humilhante: tudo se repetiu, com intensidade ainda maior, muito maior, e aí veio a certeza de que a certeza anterior estava errada.

Aprendi então, na própria carne, que o efeito placebo é mesmo poderoso. Bem mais poderoso do que a consciência inalterada gostaria de acreditar.

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