Virada Psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental Wed, 01 Dec 2021 01:26:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 USP de Ribeirão testa ayahuasca para medo de falar em público e fobia social https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/usp-de-ribeirao-testa-ayahuasca-para-medo-de-falar-em-publico-e-fobia-social/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/usp-de-ribeirao-testa-ayahuasca-para-medo-de-falar-em-publico-e-fobia-social/#respond Mon, 28 Jun 2021 15:50:54 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/FobiaSocialGettyImages-300x169.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=529 Não são poucas as pessoas que tremem, suam e chegam a ter dor de barriga ou vontade de urinar quando precisam se apresentar diante de uma plateia. Para 2% a 7% da população de cada país, esse medo cresce a ponto de impedir qualquer atividade pública, com óbvio prejuízo na escola ou no trabalho, mas a ayahuasca pode dar-lhes alguma ajuda.

Ayahuasca? Sim, propõe estudo recém-publicado de Rafael Guimarães dos Santos, neurocientista da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP). “Ayahuasca melhora autopercepção de desempenho discursivo em participantes com transtorno de ansiedade social”, afirma já no título artigo na revista especializada Journal of Clinical Psychopharmacology.

Transtorno de ansiedade social (TAS) e fobia social são nomes pomposos dados por psiquiatras para o famigerado medo de falar em público quando ele se torna paralisante, irracional. É o tipo de ansiedade mais comum, o terceiro transtorno psiquiátrico mais frequente, embora subnotificado (menos de 6% dos casos são diagnosticados), e costuma associar-se com outros distúrbios, como depressão e abuso de álcool.

Antidepressivos e psicoterapia podem ajudar, mas a maioria das pessoas com o problema segue tropeçando pela vida, até que algumas terminam abandonando a escola ou perdendo o emprego. Estima-se que até 25% dos estudantes universitários sofram com isso.

A ayahuasca foi escolhida por ser uma substância psicodélica muito estudada no grupo de Rafael dos Santos e ter conhecido efeito benéfico sobre depressão e ansiedade. O chá sacramentado em rituais de Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV) leva folhas do arbusto chacrona, fonte do alcaloide dimetiltriptamina (DMT), e o cipó mariri ou jagube, fonte de compostos que inibem a decomposição da DMT.

Depois de recrutar 894 possíveis voluntários entre alunos da USP de Ribeirão, o grupo de pesquisa chefiado pelo psiquiatra Jaime Hallak terminou com apenas 17 que satisfizeram todos os requisitos para inclusão na pesquisa e compareceram para entrevistas e questionários padronizados de diagnóstico.

Cinco horas após tomar –pela primeira vez na vida– uma dose baixa de ayahuasca ou placebo (2 mililitros por quilo de peso), os voluntários tinham de fazer apresentação com tema pré-definido diante de uma tela, enquanto eram filmados, como numa conferência por zoom.

Antes e depois da experiência simulando a fala em público, precisavam preencher questionários para determinar o grau de ansiedade e autopercepção negativa (desconfiança sobre a própria capacidade, que contribui para piorar o desempenho).

Uma das limitações do estudo esteve em que os estudantes selecionados apresentavam níveis relativamente baixos de ansiedade antes mesmo do experimento. Talvez por isso os pesquisadores não tenham conseguido detectar diminuições significativas nos escores padronizados, embora os participantes tenham relatado sentir calma maior que usual durante o discurso.

“Não observamos efeitos significativos nas escalas de ansiedade, mas sim nos relatos e nas observações dos pesquisadores”, admite Santos. “A ausência de resultados significativos pode ser porque essas pessoas não tinham níveis elevados de ansiedade, mesmo preenchendo o diagnóstico, ou pela amostra pequena.”

Por outro lado, o experimento revelou que os voluntários melhoraram significativamente a autopercepção. Ou seja, mostraram-se menos desconfiadas quanto à capacidade de desempenhar adequadamente um papel social.

“Os pesquisadores aliaram o histórico internacional dessa equipe em avaliar o potencial terapêutico da ayahuasca nas pessoas e fizeram uso de um teste bem ‘calibrado’ para avaliar sua intensidade nos cuidados de pessoas com fobia social”, avalia o psiquiatra André Brooking Negrão, que não participou do estudo e investiga psicodélicos noutra unidade da USP, o paulistano Instituto de Psiquiatria.

“Os resultados são promissores porque mostraram que esse tipo de ensaio clínico é factível e, especificamente para pessoas com problemas associados à fobia social, pode ser um recurso valioso no futuro. Os pesquisadores terão agora o desafio de expandir esta metodologia para amostras mais numerosas.”

Concorda com Negrão a pesquisadora Fernanda Palhano-Fontes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, autora de um pioneiro teste clínico duplo cego de ayahuasca para depressão: “O estudo é interessante por avaliar a ayahuasca em uma condição como a fobia social, para qual não há um tratamento farmacológico específico, e mostrando uma melhora em como os indivíduos que beberam ayahuasca percebem a performance deles nessa tarefa de falar em público”.

Dilema moral à frente

A fobia social vem, assim, somar-se a uma longa lista de condições que, segundo estudos ainda experimentais, poderiam eventualmente ser tratadas com psicodélicos. Cabem nela depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ansiedade, alguns transtornos do espectro autista, dependência química, anorexia, síndrome pós-concussional (danos cerebrais em boxeadores e jogadores de hóquei) e até Alzheimer, AVC, enxaqueca ou prevenção de suicídios.

Além disso, vários desses problemas de saúde mental são objeto de ensaios clínicos por diferentes substâncias psicodélicas. Por exemplo a depressão, sobre a qual há testes em andamento com psilocibina de cogumelos, DMT de ayahuasca, 5-MeO-DMT de veneno de sapo, LSD e mescalina.

Tamanha inespecificidade seria decorrente do modo básico de atuação desses psicodélicos clássicos. Todos eles são moléculas capazes de se encaixar no receptor de células cerebrais para o neurotransmissor serotonina.

Essa via bioquímica parece relaxar a rede de modo padrão (DMN, em inglês) hiperativa na ruminação (predominância circular de pensamentos negativos). Também seria capaz de aumentar a empatia e a socialidade, dissolver a ditadura do ego e estimular tanto a neuroplasticidade (formação de novas conexões entre neurônios) quanto processos anti-inflamatórios no cérebro.

Não deixa de ser um calcanhar-de-aquiles para o renascimento psicodélico. A multiplicação combinatória de alvos e drogas pode suscitar entusiasmo injustificado para o estágio preliminar das pesquisas, dado que só o MDMA alcançou a fase 3 em testes clínicos e ainda carece de aprovação como adjuvante de psicoterapia. A imensa maioria dos estudos envolve poucas dezenas de participantes, como esse da USP de Ribeirão.

Além disso, não é pequeno o risco de que a imagem de panaceia para todos os males do mundo mental desperte reação conservadora similar à que virtualmente baniu os psicodélicos das farmácias e das pesquisas acadêmicas após sua adoção pelo movimento hippie e contestador da contracultura. Faltam ainda anos de pesquisa a acumular dados suficientes para ancorar os tratamentos na melhor ciência e romper preconceitos de órgãos reguladores, médicos e terapeutas.

Outro obstáculo no caminho de quem se filia à tradição clássica da psicoterapia mediada por psicodélicos é a proposta por alguns neurocientistas de livrar as pesquisas justamente da psicodelia, da psicoterapia ou de ambas. Sua ideia é desenvolver moléculas similares com poder de desarmar a DMN e a ruminação, mas que não desencadeiem estados alterados de consciência, as “viagens”.

O modelo, nesse caso, seria o dos antidepressivos surgidos a partir dos anos 1980, como a classe de inibidores seletivos de receptação de serotonina (ISRS) inaugurada pela fluoxetina (Prozac). Pílulas para as pessoas tomarem todos os dias, no intuito de se livrarem da depressão sem laboriosos processos de psicoterapia, mas que a realidade mostrou não funcionar para pelo menos um terço dos deprimidos graves.

(Reprodução)

A controvérsia sobre “psicodélicos não-psicodélicos” já apareceu no blog (aqui, aqui e aqui) e ganhou destaque há poucos dias na revista Forbes.

A reportagem de Will Yakowicz apresenta o trabalho de Bryan Roth, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, para escrutinar incontáveis moléculas aparentadas à DMT &cia. “O objetivo é encontrar compostos que sejam terapêuticos e não psicodélicos”, disse o neurofarmacologista a Yakowicz.

Roth está abastecido com US$ 27 milhões da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (Darpa, em inglês) dos EUA para desenvolver uma nova geração de medicamentos candidatos a reduzir depressão e TEPT com a rapidez dos psicodélicos, em comparação com os lentos antidepressivos disponíveis, mas sem alucinações ou dissolução do ego e sem os efeitos adversos dos ISRS (como insônia, zonzeiras e redução da libido).

O financiamento corresponde ao valor aproximado que a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês) levou muitos anos a levantar para conseguir empreender estudos de fase 3 com MDMA (ecstasy) contra TEPT. Esses testes clínicos devem render autorização para uso geral da droga como adjuvante em psicoterapia, e não para uso contínuo, até 2023.

A aprovação da FDA (agência de fármacos dos EUA) é a grande esperança de tratamento para veteranos de guerras como a do Iraque e a do Afeganistão. Em 2016, havia 868 mil ex-combatentes recebendo benefícios por incapacidade provocada por TEPT, ao custo de US$ 17 bilhões anuais aos cofres americanos.

Entende-se, assim, o interesse do Departamento de Defesa no trabalho de Roth, para desgosto do ex-hippie Rick Doblin, fundador da Maps. A reportagem da Forbes registra todo seu descontentamento: “A tragédia que vejo é que a Darpa poderia ter um vencedor agora mesmo com MDMA para TEPT, mas está tentando dizer ‘dane-se a experiência psicodélica e vamos investir em psicodélicos não-psicodélicos’ enquanto 20 veteranos por dia estão se  matando”.

SAIBA MAIS

Livro “Psiconautas” (Fósforo Editora)

(Reprodução)
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Nasce a Scirama, primeira empresa de inovação psicodélica do Brasil https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/18/nasce-a-scirama-primeira-empresa-de-inovacao-psicodelica-do-brasil/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/18/nasce-a-scirama-primeira-empresa-de-inovacao-psicodelica-do-brasil/#respond Mon, 19 Apr 2021 02:15:29 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/LOGO-SCIRAMA-FUNDO-BRANCO-215x215.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=419 O renascimento psicodélico ganha nesta segunda-feira (19) a primeira empresa brasileira de inovação nesse campo efervescente, Scirama. Por trás dela está Marcel Grecco, 38, criador de The Green Hub, aceleradora na área de maconha medicinal e cânhamo que tem dez startups no portifólio.

O momento foi bem escolhido: 19 de abril é o Dia da Bicicleta, data em que o químico suíço Albert Hofmann (1906-2008), descobridor do LSD nos laboratórios Sandoz, realizou a primeira viagem lisérgica da história, em 1943. Até a proibição nos EUA em 1968, a droga foi distribuída para distúrbios como o alcoolismo, sob o nome Delysid.

A partir de 1980, estudos clínicos com quase todos os compostos psicodélicos caíram no ostracismo. Ressurgiram a partir da virada do século e hoje entusiasmam neurocientistas e investidores, sobretudo a psilocibina dos cogumelos “mágicos”, por seu potencial para tratar transtornos mentais como a depressão resistente a medicamentos.

Nos últimos cinco anos quase 3 mil artigos científicos foram publicados acerca do tema. Estimativas sobre o mercado mundial para psicoterapia apoiada em psicodélicos partem de US$ 100 bilhões anuais (R$ 560 bilhões), e várias empresas travam hoje uma corrida para patentear moléculas e aplicações psicodélicas.

Nos EUA, governo, universidades e empresas investiram, no primeiro semestre de 2020, US$ 250 milhões em pesquisa psicodélica. A Janssen (Johnson & Johnson) lançou o spray nasal antidepressivo Spravato (escetamina, variante da cetamina, anestésico já usado contra depressão), com vendas de US$ 1,5 bilhão anuais.

“A Scirama [pronuncia-se ‘sairama’] nasceu a partir de uma dor, o mal do século na saúde mental”, diz Grecco, referindo-se principalmente a depressão e ansiedade. “Isso agora vai se intensificar, com o luto pós-Covid, a dor de quem perdeu alguém ou teve a doença, e os impactos econômicos, na perda de empregos e negócios.”

Marcel Grecco, criador de The Green Hub e da empresa psicodélica Scirama (Foto Divulgação)

O empresário conta que, depois de criar The Green Hub em 2016, foi atraído pela promessa medicinal dos alteradores de consciência. Numa primeira rodada entre investidores para lançar a Scirama, obteve fundos da ordem de R$ 1,5 milhão.

“O uso de cânabis e de psicodélicos é disruptivo [revolucionário] para o setor de saúde”, diz, aludindo aos estudos que os apontam como alternativa para as terapias existentes, que no caso de depressão não funcionam para ao menos um terço dos doentes.

Grecco já conhecia como colaborador científico da aceleradora The Green Hub o neurocientista Stevens Rehen, 50, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), que tem estudos publicados sobre o potencial terapêutico dos psicodélicos ayahuasca e 5-MeO-DMT (extraído originalmente do veneno do sapo-do-rio-colorado).

O neurocientista Stevens Rehen (esq.) na conferência Breaking Convention de Londres.
(Mercelo Leite/Folhapress 2019)

Chamou Rehen para compor o comitê científico da Scirama ao lado de Sidarta Ribeiro, 50, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN). Ambos já trabalharam juntos em pesquisa básica com LSD, em colaboração com Dráulio de Araújo (ICe-UFRN) e Luís Fernando Tófoli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Completa o time Clarice Pires, 36, economista especializada em inovação com quem Rehen atuou na startup de biotecnologia Hygeia, um raro caso de sucesso no problemático campo de inovação no Brasil. A empresa desenvolveu novas formulações do medicamento octreotida (supressor do hormônio de crescimento e antidiarreico) e as licenciou no Brasil e no exterior.

Clarice Pires, administradora da startup psicodélica Scirama (Foto Divulgação)

“Stevens e Sidarta têm todo o conhecimento, sabem para onde a ciência está indo”, diz Grecco. Com efeito, esse grupo de colaboradores está no epicentro da pesquisa nacional na área, favorecida pela legalização da ayahuasca por motivos religiosos, que pôs o Brasil em terceiro lugar na quantidade de artigos científicos de grande impacto sobre psicodélicos, atrás dos EUA e do Reino Unido apenas.

A ideia da Scirama é dar o financiamento inicial e ajuda na estruturação de produtos e terapias derivados das propriedades já conhecidas de psicodélicos. Entre elas estão a capacidade de estimular novas conexões cerebrais (neuroplasticidade) e a ação anti-inflamatória, que poderá gerar aplicações para transtornos mentais e doenças degenerativas, como Alzheimer e Parkinson.

No exterior, já se investiga o uso de psicodélicos até para acidentes vasculares cerebrais, anorexia e enxaqueca. Entre os alvos da Scirama estarão também protocolos para o tratamento de dependência química, em especial de álcool –como se fazia com LSD nos anos 1950/60. A startup lançará em breve um edital para receber propostas de pesquisadores brasileiros.

No curto prazo, a equipe espera receber ideias na área de psicoterapia com psicodélicos clássicos (ayahuasca, LSD, psilocibina) e mesmo para cultivo de organismos produtores, como os cogumelos Psilocybe. No longo prazo, aplicações para envelhecimento, não dependentes do efeito psicodélico terapêutico propriamente dito (alterações da consciência, como a chamada dissolução do ego e o aumento de empatia).

Outro setor em que a Scirama pretende inovar é o de compensações para os povos tradicionais que usam psicodélicos em rituais há séculos e legaram esse conhecimento para a ciência contemporânea (um flanco aberto para intensa controvérsia). O próprio logotipo da firma faz alusão a isso, ao reunir filamentos de conexão entre neurônios em formato que lembra um cocar.

A administradora Clarice Pires afirma que patentes e propriedade intelectual são cruciais para seu modelo de negócios, mas que em breve a empresa apresentará um modelo sobre como pretende fazer esse ressarcimento. O assunto já está na pauta das próximas reuniões.

Para saber mais: meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” será publicado dia 17 de maio pela Editora Fósforo. E em 19 de maio começa o curso no canal Bora Saber:

 

 

 

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Mais estudos atestam potencial psicodélico contra pandemia de suicídios https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/05/mais-estudos-atestam-potencial-psicodelico-contra-pandemia-de-suicidios/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/05/mais-estudos-atestam-potencial-psicodelico-contra-pandemia-de-suicidios/#respond Mon, 05 Apr 2021 15:16:07 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/knottedgun-300x154.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=404 Um ano atrás, em 29 de março de 2020, o corpo de Thomas Schäfer foi encontrado junto de trilhos de trem perto de Wiesbaden, na Alemanha. Ele era secretário da Fazenda do estado de Hesse, e sua morte foi atribuída a suicídio após desespero com a impotência diante do desastre na economia e no emprego causado pela Covid-19. Dias depois, outro funcionário da secretaria tirou a própria vida.

A pandemia generalizou o temor de um crescimento no número de suicídios (são mais de 800 mil por ano no mundo), na tempestade perfeita a combinar angústia, isolamento social, desemprego e perda de renda. Não há dados ainda para confirmar uma tendência, mas é certo que ao menos nos EUA há mais gente pensando em tirar a própria vida, segundo os Centros de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), num país que sem a Covid já contava 48 mil desses óbitos por ano, e aumentando.

Em paralelo, avolumam-se indicações da pesquisa biomédica de que psicodélicos clássicos como a psilocibina de cogumelos “mágicos” e o DMT da ayahuasca podem ser úteis na prevenção dessas mortes. No entanto, essa classe de substâncias permanece banida na maior parte dos países, sob a justificativa de que os chamados “alucinógenos” causam dependência e têm alta toxicidade –coisas que a ciência comprova ser uma falsidade.

O potencial de psicodélicos na prevenção do suicídio já foi tratado aqui. Pesquisadores brasileiros, favorecidos pelo fato de a ayahuasca ser legal no país, mostravam então que o chá ritual de religiões como Santo Daime, Barquinha e UDV pode ser útil nessa empreitada.

Agora, mais estudos surgem para corroborar essa promessa terapêutica e a irracionalidade manifesta de manter tais compostos no rol de substâncias proibidas e controladas, o que só dificulta a pesquisa. Um deles, sobre ansiedade de pacientes com câncer grave e risco de suicídio multiplicado por quatro, tem como co-autor Richard Zeifman, do Imperial College, que já aparecera entre os responsáveis pelo artigo de brasileiros sobre ayahuasca e suicídio, liderado por Dráulio de Araújo, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

No novo trabalho, publicado em 18 de março, Zeifman, Stephen Ross e outros mostram que a diminuição de ideações suicidas entre diagnosticados com câncer submetidos a psicoterapia com psilocibina permanece até 4,5 anos depois. Para os autores, o psicoativo dos cogumelos Psilocybe aparece como boa alternativa aos antidepressivos disponíveis na prevenção do problema.

Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina (Divulgação)

Zeifman também participa do outro estudo, lançado em 11 de março, neste caso sobre risco de suicídio e psicodélicos clássico em geral, não só psilocibina. Trata-se de uma revisão sistemática, tipo de artigo que busca reunir conclusões de vários outros estudos para robustecer relações causais pressupostas.

Foram considerados 64 trabalhos, 41 deles sobre a associação entre uso não clínico de psicodélicos e comportamentos suicidas e 23 sobre terapias psicodélicas e seu impacto no risco de morte autoprovocada. Nada conseguiram concluir sobre uso continuado dessas substâncias e aumento ou diminuição de risco, mas nos estudos clínicos recentes sobre psicodélicos encontraram evidências preliminares de redução acentuada e sustentada em ideações suicidas.

Para saber mais:

 

 

 

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Britânicos testam DMT, psicodélico da ayahuasca, contra depressão grave https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/21/britanicos-testam-dmt-psicodelico-da-ayahuasca-contra-depressao-grave/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/21/britanicos-testam-dmt-psicodelico-da-ayahuasca-contra-depressao-grave/#respond Sun, 21 Mar 2021 14:18:42 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/GloboDeNeveRobertCouseBaker-269x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=380 A startup Small Pharma, do Reino Unido, recebeu autorização para iniciar estudos clínicos preliminares (fase 1) com dimetiltriptamina (DMT) contra depressão e deve começar em breve. DMT é o principal causador do efeito psicodélico da ayahuasca, e seu potencial contra o transtorno que aflige mais de 300 milhões de pessoas no mundo foi já comprovado por pesquisadores brasileiros.

A BBC noticiou o ensaio clínico afirmando que “o poderoso alucinogênico conhecido por seu papel em rituais xamânicos está sendo testado pela primeira vez como uma cura potencial para depressão”. A afirmação contém algo de impreciso, pois o efeito antidepressivo da DMT afinal foi testado antes, ainda que apenas na combinação com os outros ingredientes do chá usado em cerimônias de Santo Daime, União do Vegetal e Barquinha.

Arbusto chacrona, usado no preparo do chá ayahuasca  (Juca Varella/Folhapress)

No caso britânico, o composto em estado puro será provavelmente administrado por injeção, porque na via oral ele termina degradado por enzimas presentes no aparelho digestivo, como a monoamina-oxidase (MAO). A ingestão da ayahuasca não tem o mesmo resultado porque a infusão, além das folhas da chacrona que fornecem DMT, contém inibidores da MAO provenientes do cipó-mariri.

Cipó-mariri, ou jagube, usado no chá ayahuasca  (Marcelo Leite/Folhapress)

Chama a atenção o estudo ser da Small Pharma, uma empresa, e não de instituição acadêmica. Verdade que ele será conduzido em parceria com o Centro para Pesquisa Psicodélica do Imperial College de Londres, mas o envolvimento de uma startup que recebeu incentivo financeiro do governo britânico exemplifica o interesse crescente de investidores nos psicodélicos, não sem alguma controvérsia.

Muitas empresas estão sendo criadas e capitalizadas para investigar e quiçá patentear várias substâncias psicodélicas (DMT, LSD, MDMA, 5-MeO-DMT etc.) para tratar vários transtornos psíquicos e físicos, de estresse e enxaqueca a alcoolismo e anorexia. DMT, por exemplo, está para ser testado contra Alzheimer e AVC.

Participarão da primeira etapa do estudo da Small Pharma 32 voluntários sem experiência anterior com psicodélicos. O objetivo desta fase 1 é estabelecer a dose mínima capaz de desencadear algum efeito psicodélico, como as famosas “mirações” da ayahuasca. Na fase 2, o grupo será de 36 pessoas com depressão crônica grave.

A diretora médico-científica da Small Pharma, Carol Routledge, mencionou estudos anteriores sobre ayahuasca e depressão ao boletim Psilocybin alpha, mas justificou a escolha por DMT dizendo que o chá “contém meio que um coquetel de componentes ativos, e como tal tem perfil de segurança muito mais fraco e experiência psicodélica significativamente mais longa comparada com DMT”.

A expectativa é que o tratamento com DMT encurte sessões de terapia para no máximo duas horas. Isso reduziria custos de um eventual tratamento, diante das seis horas que pode durar uma sessão com ayahuasca –e tempo parecido com a psilocibina de cogumelos “mágicos”, outro psicodélico em testes avançados contra depressão <>.

Routledge comparou o efeito de uma dose alta de DMT com agitar um globo de neve, aquele objeto de vidro cheio de água e alguma cena em geral bucólica. “Sacudir um globo de neve perturba padrões de pensamento insalubres e oferecem uma oportunidade para que se reassentem de maneira diferente” –o que não chega a ser uma metáfora feliz, pois no caso do enfeite estado inicial e estado final são indistinguíveis.

Dráulio Barros de Araújo, físico do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que liderou o estudo sobre ayahuasca e depressão publicado eletronicamente em 2018, seguirá a pista aberta no Brasil investigando também DMT separadamente. Seu plano é apresentar o projeto em breve ao comitê de ética em pesquisa da UFRN.

Para saber mais sobre o pioneirismo psicodélico no Brasil, duas oportunidades surgirão em maio:

Na primeira semana deverá ser lançado meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”, pela Editora Fósforo;

Na segunda quinzena, entrando por junho, um curso com quatro aulas no site Bora Saber.

 

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Estudo sugere DMT, psicodélico da ayahuasca, para recuperação de AVC https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/15/estudo-sugere-dmt-psicodelico-da-ayahuasca-para-recuperacao-de-avc/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/15/estudo-sugere-dmt-psicodelico-da-ayahuasca-para-recuperacao-de-avc/#respond Mon, 15 Feb 2021 15:30:27 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/chacronafolha-287x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=318 O campo de aplicações terapêuticas aberto pela renascença psicodélica se amplia para incluir acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e dores crônicas, além de transtornos como depressão, estresse pós-traumático ou dependência química. E na vanguarda está a dimetiltriptamina (DMT), substância psicoativa presente na ayahuasca.

O teste foi feito em ratos para investigar o potencial da DMT no tratamento do AVC isquêmico, quando se interrompe o fluxo de sangue a uma parte do cérebro e os neurônios afetados morrem por falta de oxigênio. O estudo de pesquisadores húngaros saiu em maio no periódico Experimental Neurology, e empresas já se mexem para levar a ideia a testes clínicos em seres humanos.

Além do AVC isquêmico, que representa 80-85% dos casos no Brasil, existe o AVC hemorrágico, quando uma lesão ou rompimento de artéria provoca o extravasamento de sangue para o tecido cerebral, também conhecido como derrame. A soma dos dois tipos constitui a segunda causa de mortalidade no país, com mais de 100 mil óbitos anuais.

Saiu na frente a empresa canadense Algernon Pharmaceuticals, que lançou um programa de pesquisa e apresentou pedidos de patente para AVC. Sua estratégia se baseia na capacidade do composto DMT de estimular novas sinapses e neurônios (neuroplasticidade), importante na recuperação motora de pacientes.

A neuroplasticidade, entretanto, é o componente mais frágil da evidência obtida até agora. Parecem estar em ação também outros mecanismos biológicos, como a regulação pelo receptor Sigma-1 (Sig-1R) do processo que leva à morte de neurônios na falta de oxigênio (hipóxia). Ou, ainda, o efeito anti-inflamatório da DMT, já comprovado por pesquisadores brasileiros no caso da ayahuasca.

Em paralelo, a também canadense PharmaDrug, que tem subsidiárias na área de cânabis medicinal na Alemanha e em Israel, apresentou à FDA, agência americana de fármacos, pedido de reconhecimento da DMT como “droga órfã” para tratar AVCs isquêmicos. O status especial pode ser concedido a remédios sob investigação para doenças que acometam menos de 200 mil pessoas nos EUA.

Esse reconhecimento pela FDA implica incentivos para arriscar-se na pesquisa, como o perdão de até US$ 2,4 milhões (R$ 13 milhões) em taxas para obter licença. Saindo a autorização, quem desenvolveu o tratamento ganha sete anos de exclusividade para comercializá-lo. Nos EUA, os gastos com AVC isquêmico alcançaram US$ 46 bilhões (R$ 250 bilhões) nos anos 2014-15.

No experimento com ratos, a neuroplasticidade não foi inferida diretamente, por exemplo com a identificação de novos neurônios ou conexões entre eles. Os cientistas húngaros só mediram um composto associado com novas ligações neurais, o BDNF (brain-derived neurotrophic factor, fator neurotrófico derivado do cérebro).

Rato de laboratório da variedade Wistar (Janet Stephens/Creative Commons)

Eles também mostraram, com testes comportamentais, que os roedores isquêmicos tratados com DMT tiveram melhor recuperação motora. Isso não prova, porém, que a causa da melhora foram novas conexões induzidas pela DMT.

“A expectativa para uso terapêutico da DMT no AVC estaria em seu efeito anti-apoptótico, através do Sig-1R [receptor envolvido na regulagem da morte celular], para evitar a perda de neurônios pela falta de oxigênio, ou hipóxia”, comenta Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor)

Stevens Rehen (esq.) na conferência Breaking Convention de Londres (Marcelo Leite/Folhapress 2019)

Rehen pesquisa efeitos de psicodélicos, inclusive compostos da ayahuasca, sobre tecidos cerebrais. “Reduzir fatores inflamatórios e aumentar BDNF podem sim ajudar na reabilitação, através de neuroplasticidade, mas nesse caso seria importante um estudo desenhado para esse fim específico”, pondera.

Nicole Galvão-Coelho, fisiologista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), hoje terminando um pós-doutorado na Universidade de Western Sydney (Austrália), vê bom potencial na DMT para recuperação de AVC isquêmico. Ela tem investigado tanto o BDNF quanto o benefício da ayahuasca contra inflamação.

Nicole Leite Galvão-Coelho em seu laboratório na UFRN (Divulgação)

A pesquisadora aponta que, mesmo sem essa comprovação direta de neurogênese (formação de neurônios, não só de sinapses), o progresso motor no teste comportamental é um indício alentador. Na sua opinião, os psicodélicos estão em vias de se mostrar úteis também no tratamento de dores crônicas, como no caso de artrite.

Com efeito, já estão em curso estudos para tratar enxaquecas, por exemplo, com psilocibina, substância psicoativa dos “cogumelos mágicos” Psilocybe. E, no Reino Unido, a empresa Beckley PsyTech obteve aprovação para testes clínicos do mesmo composto contra um tipo raro e incapacitante de dor de cabeça conhecida pela sigla SUNHA (em inglês, short-lasting unilateral neuralgiform headache attacks), uma das cefaleias que envolvem o nervo trigêmeo.

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‘Efeito comitiva’ distingue ayahuasca e cogumelos de outros psicodélicos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/06/efeito-comitiva-distingue-ayahuasca-e-cogumelos-de-outros-psicodelicos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/06/efeito-comitiva-distingue-ayahuasca-e-cogumelos-de-outros-psicodelicos/#respond Sat, 06 Feb 2021 19:35:16 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/jaguve2horizontal-287x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=303 Muita gente sabe que o chá ayahuasca se prepara com duas plantas, o arbusto chacrona (Psychotria viridis) e o cipó-mariri ou jagube (Banisteriopsis caapi), mas não por que essa mistura é importante para seu poder psicodélico. Por trás de sua força está o “efeito comitiva” (entourage effect), sinergia entre substâncias vegetais que tornam o daime algo único entre compostos psicodélicos.

Eis aí um tema quente no panorama da neurociência dos produtos também chamados de “entactógenos”. Um exemplo da atenção que o assunto desperta está no artigo “O Papel da Ayahuasca no Efeito Comitiva e Depressão”, de José Alexandre Salerno, que apareceu em 28 de janeiro na Psychedelic Science Review.

Salerno faz doutorado com Stevens Rehen na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor). Rehen se destaca na neurociência brasileira pelo uso de organoides cerebrais (“minicérebros” construídos em laboratório a partir de células pluripotentes) para desvendar o perfil de ação de psicodélicos sobre tecidos neurais.

“Vejo muitos autores-cientistas escrevendo sobre a ayahuasca e seu potencial terapêutico, mas quase sempre restritos  às moléculas, sem dar muitas satisfações ao leitor sobre a complexidade da infusão”, diz Salerno,  “incluindo todos os aspectos socioculturais que poucos conhecem –o que é irônico, já que a ayahuasca foi testada em humanos como a infusão completa e natural.”

A alteração da consciência propiciada pela ayahuasca tem sua origem no composto n,n-dimetiltriptamina (DMT). Presente nas folhas da chacrona, a substância seria incapaz de ocasionar visões –as “mirações” de religiões ayahuasqueiras como Santo Daime, União do Vegetal e Barquinha– e a dissolução do ego características do efeito psicodélico ao ser ingerida sozinha, porque seria degradada no trato digestivo.

Folha de chacrona, Psychotria viridis (Marcelo Leite/Folhapress)

Para chegar ao cérebro, a DMT precisa da ajuda da harmina, uma das substâncias do grupo das betacarbolinas presentes no jagube. A harmina inibe a ação da enzima monoamina-oxidase (MAO) do estômago e do fígado, que sem o componente do cipó quebraria a DMT, impedindo sua difusão no organismo pela corrente sanguínea.

Essa parceria produtiva entre harmina e DMT é a base do que se convencionou designar como “efeito comitiva”, o entourage effect da expressão franco-anglo-saxônica (a harmina e demais betacarbolinas fazem mais, entretanto, como se verá adiante). A locução nasceu em 1998 para designar outro casamento feliz, desta vez entre componentes da maconha em sua interação com os receptores “promíscuos” para canabinoides no cérebro, na expressão do pioneiro em pesquisa com cânabis Raphael Mechoulam, do Instituto Weizman.

Plantação de maconha em clube de cultivo perto de Montevidéu, Uruguai (Danilo Verpa/Folhapress)

A primeira vez em que ouvi fala de efeito comitiva foi em palestra do neurocientista Sidarta Ribeiro na conferência Psychedelic Science de 2017, em Oakland (Califórnia). O pesquisador do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN) fez uma defesa ao mesmo tempo racional e apaixonada de produtos naturais, como variedades de marijuana com maiores ou menores teores relativos de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC) e a própria ayahuasca.

Quase quatro anos atrás, ao responder uma questão da plateia em Oakland, Ribeiro disse desconhecer se o efeito comitiva também caracterizava um psicodélico natural muito popular, os cogumelos ditos “mágicos” do gênero Psilocybe. Depois disso, explica agora, artigo de Barbara Bauer na mesma PSR descreveu a interação entre psilocibina e aeruginascina.

Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina (Divulgação)

“À medida que a gente começa a entender melhor essas substâncias e essas interações, a tendência é crescer essa lógica”, diz Ribeiro. “O conceito mais geral é que, quando se usa uma preparação com muitos análogos de uma mesma molécula-base, um padrão como no caso da serotonina, se alcance esse efeito de um ataque complexo a esse receptor, de maneira que ele nunca caminhe para a tolerância e para sua própria diminuição. Parece que isso começa a emergir como um princípio amplo.”

Na maconha e nos cogumelos, a comitiva de moléculas se apresenta naturalmente, mas não na ayahuasca, uma invenção humana. Nunca será possível saber de que povo nem quando surgiu a técnica de ferver os dois vegetais, mas a pesquisa vem demonstrando que os efeitos neurológicos da infusão parecem ir muito além da sinergia entre betacarbolinas e DMT que propicia a alteração da consciência e engendra as mirações.

No centro das atenções está a harmina. O grupo de Rehen na UFRJ e no Idor mostrou, com ajuda de organoides, ter ela mesma relação estreita com o fenômeno da neuroplasticidade que se postula estar por trás do potencial antidepressivo do daime.

Outro estudo de pesquisadores brasileiros e australianos, com Nicole Galvão-Coelho à frente, mostrou que os compostos presentes na ayahuasca também têm efeito anti-inflamatório, provável componente da depressão resistente a medicamentos. Seu grupo na UFRN mediu o nível da proteína C-reativa no sangue de pacientes que tomaram ayahuasca e verificou que eles tinham níveis diminuídos.

Proteína C-reativa, marcador de inflamação que tem baixa quantidade em quem toma ayahuasca

“A substância harmina é mais estudada na literatura científica do que a própria DMT, o psicodélico da infusão”, diz Salerno. “Sem querer roubar o protagonismo do psicodélico, acho importante a reflexão científica de que provavelmente a mistura complexa da ayahuasca vai muito além do que já conseguimos responder até hoje sob o rigor do método científico.”

O aluno de Rehen pondera que a ayahuasca já é considerada eficaz há milhares de anos por povos nativos. “Talvez falte diálogo da ciência biomédica com as sociais para que as razões dessa eficácia possam eventualmente ser respondidas pela ciência biomédica também.”

“Compostos isolados, e até os sintéticos, oferecem a grande vantagem do controle mais rigoroso, especialmente de qualidade, e tornam a proposta de terapia assistida com psicodélicos bem mais atrativa e comercializável pelas gigantes farmacêuticas. Mas talvez estejamos deixando escapar variáveis importantes ao considerar os compostos isolados.”

A defesa das comitivas naturais parece mais comum entre estudiosos de alteradores de consciência que os investigam também da perspectiva da fenomenologia, ou seja, com experiência própria. Eles costumam ainda dar reconhecimento a saberes ancestrais que legaram seu uso para a ciência.

No polo oposto da tensão que percorre a cena psicodélica ficam os psicofarmacólogos mais reducionistas. Seu feijão-com-arroz é isolar princípios ativos e sintetizá-los, na convicção de que moléculas e receptores específicos são individualmente responsáveis por fenômenos neurais discretos.

Algo similar se viu na história da genética, em que o paradigma um gene/uma função (ou uma característica) acabou cedendo lugar, por força de observações empíricas, para uma visão mais complexa. Hoje se buscam mais associações entre genes espalhados pelo genoma inteiro, partindo do princípio de que fenótipos resultam da interação de vários genes entre si e com fatores ambientais e do organismo, como as marcas epigenéticas agregadas ao genoma no curso da vida.

Ilustração de Stefan Keller (Pixabay)

Existe até quem acredite que o efeito psicodélico propriamente dito –visões, dissolução do ego, sinestesia etc. –possa ser dispensável A psiquiatria poderia assim lançar mão do poder reparador dessas substâncias expurgado da alteração da consciência. Mas há também estudos indicando que o benefício terapêutico é proporcional a intensidade da experiência mística (outros diriam: do grau de dissolução do ego).

Em resumo, haveria um outro efeito comitiva, por assim dizer, nos psicodélicos em geral: não se vence a ruminação sem uma dose de dissociação, ou, como diz Robin Carhart-Harris, sem um aumento de entropia no cérebro. A ciência psicodélica precisa de mais jogo de cintura.

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Mass General e Mount Sinai entram na onda de centros psicodélicos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/01/mass-general-e-mount-sinai-entram-na-onda-de-centros-psicodelicos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/01/mass-general-e-mount-sinai-entram-na-onda-de-centros-psicodelicos/#respond Mon, 01 Feb 2021 14:20:54 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/MOUTASINAIreutersMikeSegar-300x199.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=296 A cada semana chegam dezenas de informes de investidores, notícias, avisos de transmissões ao vivo e lançamentos de livros sobre o renascimento psicodélico para a psiquiatria. Eis aqui algumas novidades selecionadas nos últimos dias, com destaque para dois templos da medicina dos EUA: Mass General e Mount Sinai.

O Hospital Geral de Massachusetts, mais conhecido como Mass General ou MGH, é o mais importante hospital ligado à Escola Médica da Universidade Harvard. Seu departamento de psiquiatria recebeu uma doação do Fundo em Memória de Arielle Soussan para Pesquisa Psicodélica que deu origem no MGH ao Centro para Neurociência de Psicodélicos, no final de 2020.

Arielle faleceu aos 24 anos, após anos sofrendo de depressão resistente às terapias disponíveis. Antes de morrer, interessou-se pelo estudo de substância psicoativas como psilocibina, DMT e LSD para tratar transtornos mentais, o que motivou a família a criar o fundo.

Metade dos gastos anuais com tratamentos para depressão nos EUA –US$ 350 bilhões (R$ 1,9 trilhão, o equivalente a ¼ do PIB brasileiro)– se destina a esses doentes que não encontram alívio nos medicamentos atuais. Esses pacientes apresentam baixa neuroplasticidade, ou seja, formam poucas conexões cerebrais novas e neurônios para abrir rotas alternativas à ruminação que caracteriza o transtorno, o que psicodélicos parecem capazes de estimular.

O novo centro do MGH, que agora se associa à Atai Life Sciences, uma startup alemã da área, focalizará suas pesquisas na neuroplasticidade. O psiquiatra Jerrold Rosenbaum, diretor do grupo, diz que, como a maioria dos médicos, via os psicodélicos apenas como drogas proibidas, de uso recreativo: “Quando comecei a aprender mais, percebi que havia aí uma oportunidade [de pesquisa] que deixamos passar subdesenvolvidas por décadas”, afirmou ao jornal Boston Globe.

Outra instituição a surfar o tsunami é a Escola de Medicina Icahn do sistema Mount Sinai, em Nova York, que emprega 7.200 médicos em oito hospitais. A faculdade, uma das 20 melhores dos EUA, abriu o Centro para Psicoterapia Psicodélica e Pesquisa de Trauma, que se dedicará a novos tratamentos para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão e ansiedade em veteranos militares e em civis.

O centro nova-iorquino terá na direção da psiquiatra Rachel Yehuda, uma especialista em TEPT que também dirige um centro de saúde mental para veteranos no Bronx. Ela própria treinada nos protocolos para uso de MDMA (ecstasy) desenvolvidos pela Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps), ONG à frente do teste clínico de fase 3 que deve levar em breve à aprovação do emprego psicoterápico da droga, diz ser importante conhecer as experiências subjetivas de quem sofre:

“As pessoas que tomam MDMA relatam sentimentos de introspecção, conexão, compaixão consigo mesmas e com os outros, empatia e confiança interpessoal aumentada, que são condições ótimas para se engajar no processamento de material [psíquico] difícil ou traumático”, afirmou à newsletter Psilocybin alpha. Ouça Yehuda falar de psicodélicos e do centro, em inglês, aqui.

MGH e Mount Sinai se somam, assim, a várias instituições de excelência acadêmica que abriram centros para pesquisa psicodélica, como Imperial College de Londres, Universidade Johns Hopkins e Universidade de Nova York. É uma onda irresistível. No Brasil há grupos com pesquisa de primeira linha no tema, mas instituições acadêmicas acossadas por um governo retrógrado se preparam mais uma vez para perder o bonde, como alertou o primeiro post neste blog.

Publicações científicas e não especializadas não cessam de editar reportagens especiais e notícias sobre o assunto. Na semana que passou foi a vez da Nature, que fez um apanhado das novidades do setor sob o título “Como ecstasy e psilocibina estão sacudindo a psiquiatria”.

O texto assinado por Paul Tullis trata dos testes clínicos com essas drogas –17 só em 2020– e do desafio posto para órgãos reguladores, que cedo ou tarde terão de retirar os psicodélicos da lista de substâncias banidas. Ao contrário do que supõem o senso comum e os conservadores proibicionistas, a ciência vem mostrado que elas podem ser usadas de maneira segura, têm benefícios médicos e não causam dependência –vale dizer, não faz sentido manter sua proscrição.

Testes clínicos com psicodélicos (Reprodução/Nature)

Dos 17 ensaios clínicos relacionados pela Nature, 13 investigam a psilocibina dos cogumelos ditos “mágicos”, do gênero Psilocybe. Esses fungos alucinógenos têm longa história na ciência psicodélica e seu uso terapêutico começa a ser legalizado nos EUA, na esteira da maconha medicinal, avanço cultural que nem mesmo o governo primitivo de Donald Trump conseguiu barrar.

Outra droga que deverá ganhar atenção nos EUA é a ibogaína, por seu potencial para ajudar a domar a epidemia de mortes de dependentes de opioides, que poderá chegar a 100 mil vítimas em 2021. Originária do ritual Bwiti no Gabão e outros países da África, a substância já é usada em poucos centros da Costa Rica e do Brasil, por exemplo, que conseguem autorizações excepcionais para administrar o alucinógeno a drogadictos e o fazem sob controle de médicos, uma vez que pode desencadear arritmias cardíacas.

Um indício forte de que arrefece o preconceito contra psicodélicos como a ibogaína está no interesse que despertam entre investidores e, por extensão, nas publicações dirigidas a homens de negócio, como a agência Bloomberg. A droga é tratada de forma respeitosa em vídeo recente de sua série Moonshot, que já tinha 27 mil visualizações na segunda-feira (1º/2).

Um dos espectadores, identificado como CryptoMilitary Vet, comentou: “Psicodélicos me curaram de todas as minhas dependências, TEPT, e me mostraram que esta é a minha realidade e que a controlo por escolha. O passado só dói se eu permitir, mas eu sei que ele não existe mais, e assim me curei”.

A ciência brasileira tem a sorte de contar não só com grupos de pesquisa experimentados na pesquisa de psicodélicos –na UFRN, na UFRJ, na USP e na Unicamp, por exemplo—mas também com uma origem nos estudos sobre ayahuasca (DMT), de uso religioso autorizado. Os rituais tradicionais oferecem uma moldura de segurança para o consumo dessa droga poderosa, o setting acolhedor que as psicoterapias em teste se empenham em reproduzir com a decoração de ambientes e música suave.

Essa linhagem garante que pesquisadores como Sidarta Ribeiro (Instituto do Cérebro da UFRN) e Stevens Rehen (UFRJ/IDOR) cultivem o respeito por tradições xamânicas. Eles combatem a noção de que bastam as moléculas para obter efeito terapêutico, visão farmacológica reducionista compartilhada entre alguns pesquisadores.

“O trabalho mais difícil é o de encontrar com a dor do outro”, disse Sidarta quinta-feira (28/1) numa transmissão ao vivo do Instituto Phaneros com Stevens. “Quem sabe de settings não são os psiquiatras, mas sim os xamãs, que estão fazendo psicoterapia psicodélica há muito tempo. Precisamos ter delicadeza e cuidado com a experiência das pessoas. O ambiente hospitalar pode ser um problema.”

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Brasileiros apontam potencial da ayahuasca para prevenir suicídio https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/19/brasileiros-apontam-potencial-da-ayahuasca-para-prevenir-suicidio/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/19/brasileiros-apontam-potencial-da-ayahuasca-para-prevenir-suicidio/#respond Thu, 19 Nov 2020 22:48:27 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/AyahuascaCopoDanielMarencoFolhapress-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=107 Cerca de 800 mil pessoas se matam por ano no planeta, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS). As Américas são a única região do mundo onde a taxa de suicídios aumentava, puxada pelos EUA, e ela poderá subir ainda mais sob os rigores da pandemia de Covid-19. Poderiam os psicodélicos ajudar a prevenir esses atos extremos de desespero?

Duas pesquisas recentes no Brasil indicam que sim, talvez a ayahuasca possa contribuir para isso. Já se comprovou o efeito antidepressivo do chá, mas os novos estudos são os primeiros no exame de seu potencial para desarmar ideações suicidas.

Prepara-se a bebida ritual de religiões como Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal com a cocção de folhas do arbusto chacrona (Psychotria viridis) e do cipó mariri (Banisteriopsis caapi). Por sua condição de sacramento, ela é legal no Brasil, o que facilita a pesquisa com a substância psicoativa proibida dimetiltriptamina (DMT) presente na chacrona.

Arbusto chacrona, cujas folhas são usadas no preparo do chá ritual ayahuasca (Juca Varella/Folhapress)

Fortaleceu-se assim, no país, o campo de investigação da ayahuasca. Em 2019 ele rendeu o primeiro teste clínico controlado por grupo placebo de um psicodélico para tratar depressão resistente, publicado pelo grupo de Dráulio de Araújo no Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande Norte (UFRN).

Os dados sobre tendências suicidas são filhotes desse trabalho pioneiro. Dos 29 participantes do ensaio clínico, 14 tomaram ayahuasca, e 15, uma substância inócua (o placebo). A publicação se deu exato um ano atrás no periódico Frontiers in Pharmacology.

O objetivo primeiro era detectar efeito antidepressivo do chá, o que foi comprovado. Os psiquiatras avaliaram também suas tendências suicidas, numa escala padronizada de 0 (gosta da vida e a aceita como é) a 6 (planos explícitos ou preparação para suicídio). Constataram as ideações suicidas diminuíram significativamente só no grupo da ayahuasca e que o efeito benéfico se manteve por uma semana.

O segundo estudo sobre suicídio tem dois autores em comum com esse primeiro, Richard Zeifman, da Universidade Ryerson (Canadá), e Jaime Hallak, da USP em Ribeirão Preto. Publicado quase um ano depois, em 29 de outubro, saiu na revista Psychopharmacology.

A diferença é que, neste caso, todos os 17 pacientes avaliados tomaram ayahuasca, ou seja, não houve grupo placebo. Por outro lado, a duração foi maior, 21 dias –e mais uma vez se constatou a permanência da redução das ideias suicidas.

Em ambos os artigos os autores assinalam que são estudos preliminares, realizados com amostra pequena de portadores de depressão grave. Recomendam, em face dos resultados promissores, realizar ensaios com amostras maiores para confirmar o achado. Até lá, não conte com psiquiatras a receitar ayahuasca como estratégia de prevenção do suicídio.

Se confirmado o benefício potencial do chá, entretanto, seria uma opção bem-vinda. Uma dose única de ayahuasca tem efeito imediato, enquanto os antidepressivos hoje disponíveis podem demorar semanas para fazer efeito, e mais de um terço dos pacientes não melhora com eles.

A cetamina, outra substância psicodélica, tem sido empregada para agir rapidamente contra ideações suicidas. Diferentemente da ayahuasca, requer uso continuado e pode acarretar risco de dependência. A escetamina, composto aparentado, recebeu autorização da Anvisa para uso na forma de spray.

Cogumelo do gênero Psilocybe (Hans Braxmeier/Pixabay)

Não se sabe ainda, em detalhe, como a ayahuasca –e outros psicodélicos como a psilocibina de cogumelos— age contra a depressão e pensamentos suicidas. Eles parecem flexibilizar e enriquecer a comunicação entre áreas cerebrais, o que pode abrir caminho para interromper ruminações.

Essa plasticidade teria origem na formação de novas conexões entre neurônios, e um dos compostos presentes na ayahuasca, a harmina, já demonstrou favorecer a formação de sinapses. Também parece estar envolvido um efeito anti-inflamatório, mas ainda faltam muitas peças nesse quebra-cabeças.

O fato de drogas psicoativas como DMT, LSD e MDMA permanecerem na lista de substâncias proibidas ergue um obstáculo considerável para a rediviva ciência psicodélica. Aplicações para condições como estresse pós-traumático, ansiedade, alcoolismo e anorexia ficam assim desnecessariamente dificultadas, pois esses compostos têm baixa toxicidade e baixo potencial para causar dependência.

Soa particularmente irracional deter a pesquisa de alternativas promissoras contra a perda de vidas para o desespero. O suicídio é a segunda causa de morte para jovens de 15 a 29 anos (depois de acidentes de trânsito e à frente da violência urbana), e eles estão entre os que mais sofrem as consequências da pandemia, apartados do estudo e dos empregos que lhes permitem crescer na vida.

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Além de Biden ou Trump, estados dos EUA votam psicodélicos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/10/25/alem-de-biden-ou-trump-estados-dos-eua-votam-psicodelicos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/10/25/alem-de-biden-ou-trump-estados-dos-eua-votam-psicodelicos/#respond Sun, 25 Oct 2020 14:07:43 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/TabernantheibogaMarcoSchmidtCreativeCommons-255x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=44  

Oregon e Washington (DC) consultam eleitores sobre descriminalização de drogas como psilocibina e ibogaína

 

Em menos de dez dias eleitores americanos decidirão se seguem frente ou continuam presos ao passado. Não se trata só de escolher entre Joe Biden e Donald Trump, mas igualmente se vão descriminalizar substâncias psicodélicas (2 estados) e legalizar o uso medicinal ou recreativo de maconha (5 outros).

Olhando do Brasil de Jair Bolsonaro e Osmar Terra, parece incrível que 33 estados dos EUA já tenham legalizado a cânabis medicinal, dos quais 11 permitem também o consumo para recreação. Ou, ainda, que 4 cidades (Denver, Oakland, Santa Cruz e Ann Arbor) tenham descriminalizado, desde 2019, o composto psicoativo psilocibina de cogumelos do gênero Psilocybe.

Na legislação federal americana, assim como na brasileira e em tratados internacionais, as substâncias psicodélicas permanecem classificadas como drogas ilícitas. O impulso para a descriminalização local e regional vem de pesquisas científicas que têm mostrado resultados preliminares positivos no tratamento de distúrbios mentais como estresse pós-traumático e depressão.

No Distrito de Colúmbia (DC), sede da capital, os eleitores dirão sim ou não à radical Iniciativa 81. A exemplo do que se decidiu em Oakland, Santa Cruz e Ann Arbor, a proposta pode tirar do rol de crimes a posse de fungos e plantas com compostos  como psilocibina, ibogaína (extraída do arbusto africano Tabernanthe iboga), mescalina (dos cactos peiote), dimetiltriptamina (DMT, presente na chacrona, planta usada no chá ayahuasca).

Proposta de 2020 “Política para Plantas e Fungos Enteogênicos”, a Iniciativa 81 (Reprodução)

Na apresentação da iniciativa, tais produtos são coletivamente descritos como “enteógenos”, neologismo criado com raízes gregas para “deus” e “interior”, etimologia similar à de “entusiasmo”. Refere-se à capacidade dessas substâncias de induzir alterações da consciência às quais recorrem xamãs e algumas religiões.

Em Oregon, duas medidas serão submetidas a voto em 3 de novembro, as de números 209 e 210. A 210 despenaliza a posse de drogas, que passa a ser punida com multa de US$ 100, e não mais com prisão máxima de um ano e até US$ 6.250 de sanção. Todas as drogas, cabe ressaltar, incluindo cocaína, heroína, crack, psicodélicos etc.

Não se trata de facilitar o consumo e o abuso dessas substâncias, mas de reorientar usuários problemáticos para o sistema de saúde (quem aceita tratamento pode livrar-se da multa). A Medida 210 segue o modelo alternativo à fracassada guerra contra drogas instituído com bons resultados em Portugal, como mostrou reportagem da série Estado Alterado na Folha.

A Medida 209 se concentra na psilocibina, reconhecida pela agência americana FDA como terapia de vanguarda (“breakthrough therapy”; esse status regulatório abre uma via mais rápida para testes clínicos por universidades e empresas). Ainda experimental, ela tem potencial para tratamento de depressão.

Se aprovada a medida em Oregon, o governador nomeará uma comissão de especialistas para normatizar como a droga poderá ser usada legalmente como adjuvante para psicoterapia em ambientes controlados.

Além dos psicodélicos em Oregon e DC, outros cinco estados decidirão sobre o uso medicinal e/ou recreativo de maconha: Arizona (Proposta 207), Dakota do Sul (Medida 26), Mississippi (Iniciativa 65), Montana (I-190), Nova Jersey (Questão Pública 1).

Página dos defensores da Iniciativa 65 no Mississippi, consulta sobre maconha medicinal (Reprodução)

 

Se alguém ainda tiver dúvida quanto a descriminalização e legalização –não só da maconha, mas de muitas drogas– se tornarem uma tendência respeitável de política pública, atente para o debate que se realizará quarta-feira (28) na Escola de Direito de Harvard, organizado pelo Centro Petrie-Flom para Políticas Legais de Saúde, Biotecnologia e Bioética.

Se preferir ouvir argumentos em português em favor da maconha, e também dar boas risadas, assista ao Greg News sobre maconha.

 

 

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