Virada Psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental Wed, 01 Dec 2021 01:26:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Empresa anuncia resultados de maior teste de psilocibina para depressão https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/empresa-anuncia-resultados-de-maior-teste-de-psilocibina-para-depressao/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/empresa-anuncia-resultados-de-maior-teste-de-psilocibina-para-depressao/#respond Tue, 09 Nov 2021 21:10:07 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/COMPASSpacienteFalso-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=743 A empresa britânica Compass Pathways divulgou nesta terça-feira (9) resultados preliminares do maior ensaio clínico sobre psicoterapia com psilocibina para depressão resistente a tratamento. Concluíram o estudo 209 dos 233 pacientes recrutados em centros de dez países (EUA e Europa).

O anúncio da Compass, firma envolta em controvérsias, veio por comunicado a investidores e à imprensa, e não por publicação em periódico científico após análise crítica de especialistas (“peer review”). Não por acaso, foi feito no mesmo dia em que a empresa publicou resultados financeiros do terceiro trimestre de 2021.

No teste, os pacientes foram alocados em três grupos, que receberam 25mg, 10mg ou 1mg, respectivamente, da substância originalmente obtida de cogumelos ditos “mágicos”. O objetivo deste ensaio de fase 2 era estabelecer a dose ótima para o teste clínico de fase 3 que a Compass pretende iniciar em 2022 para obter aprovação do tratamento talvez já em 2024.

O comunicado destaca que 36,7% dos participantes no grupo de 25mg tiveram resposta positiva após três semanas, ou seja, diminuição de sintomas de depressão grave na escala padronizada MADRS. Em comparação, entre os que tomaram a dose quase inócua de 1mg, apenas 17,7% tiveram a mesma resposta, uma diferença estatisticamente significativa.

Mais ainda, 29,1% estavam em remissão no primeiro contingente, contra 7,6% no segundo. Para a dose intermediária (10mg), não se obtiveram resultados com diferenças estatisticamente relevantes.

“Este é um momento importante e animador para a comunidade de cuidados com saúde mental”, disse no comunicado da Compass o neurocientista Robin Carhart-Harris, estrela da ciência psicodélica que se mudou do Imperial College de Londres para a Universidade da Califórnia em São Francisco. Carhart-Harris esteve à frente de dois estudos pioneiros de psilocibina para depressão, no Imperial College, o primeiro sem grupo de controle e o segundo, publicado em abril, comparando-a com o antidepressivo escitalopram (Lexapro).

“[O estudo da Compass] se apoia sobre mais de duas décadas de pesquisa a respeito da viabilidade de compostos psicodélicos para tratar condições de saúde mental e demonstra o potencial que têm para ajudar pessoas que vivem com depressão resistente [a tratamento]. É encorajador ver como progrediu esse campo nos últimos 20 anos, e estou na expectativa pela continuação a pesquisa.”

Sala preparada para psicoterapia assistida por psilocibina (Divulgação/Compass Pathways)

Nove entre dez registros de efeitos adversos durante o experimento foram considerados leves, como dores de cabeça, náuseas, insônia e fadiga. Mas houve 12 pacientes com colaterais mais sérios, como ideações e comportamentos suicidas –ocorrências nada incomuns nesses pacientes, pois até um terço dos 100 milhões de indivíduos no mundo com depressão resistente tentam suicidar-se ao menos uma vez na vida.

A Compass enfrenta resistência de parte da comunidade psicodélica por seu modelo de negócios baseado em propriedade intelectual sobre o poder curativo de uma substância em uso há séculos por comunidades tradicionais e clínicas alternativas. Os adeptos da modalidade de ciência aberta questionam as cinco patentes já concedidas à empresa nos EUA.

Criou-se até um portal com informações para municiar escritórios nacionais de propriedade intelectual (Porta Sophia), na expectativa de que seus funcionários reconheçam a falta de ineditismo. No estado americano de Oregon, a psicoterapia assistida por psilocibina está em fase de regulamentação, sem esperar pela aprovação da FDA (agência de fármacos dos EUA).

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Detroit e Seattle abrem caminho para descriminalização de psicodélicos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/detroit-e-seattle-abrem-caminho-para-descriminalizacao-de-psicodelicos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/detroit-e-seattle-abrem-caminho-para-descriminalizacao-de-psicodelicos/#respond Tue, 09 Nov 2021 12:56:21 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/DETROITponteAmbassador-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=733 Detroit e Seattle, cidades norte-americanas mais conhecidas de brasileiros por seu papel na música pop, entraram para a lista de municipalidades cujas polícias não mais perseguirão quem usa psicodélicos. Farão companhia, assim, para Denver, Santa Cruz, Oakland, Ann Arbor, Cambridge, Sommerville e Northampton.

No plano regional, legislações parecidas foram adotadas em Oregon e Washington (D.C.). Califórnia e Colorado poderão segui-los dentro de pouco tempo, relegando substâncias como psilocibina (cogumelos “mágicos”), ayahuasca, ibogaína e mescalina à condição de prioridade mais baixa para repressão policial se não forem destinadas ao comércio ilegal.

Não se trata, portanto, de legalização, mas de orientar agentes da lei para deixar de prender portadores de pequenas quantidades dessas drogas alteradoras da consciência. O carro-chefe das campanhas movidas por organizações como Decriminalize Nature tem sido a psilocibina, com seu reconhecido potencial terapêutico (mais sobre  a substância no final do texto).

“Curandera” em Huautla de Jimenez, Oaxaca, México (Efren Del Sosa/Creative Commons)

É o que se chama de uso adulto. As mudanças refletem evidências científicas de que psicodélicos clássicos como mescalina, LSD, psilocibina e dimetiltriptamina (DMT, da ayahuasca) têm perfil toxicológico administrável, não causam dependência e apresentam, sim, potencial médico. O que não quer dizer que não tenham contra-indicações e que possam ser usados por qualquer pessoa; não se recomenda, por exemplo, para quem tem histórico pessoal ou familiar de psicose.

Nessas novas normas se usa em geral a denominação de “enteógenos”, de radicais gregos para algo como “gerador de inspiração (divina)”, e não “psicodélicos”. É alusão aos usos ancestrais de plantas e fungos em cerimônias, que os militantes consideram um direito fundamental.

A medida aprovada em Seattle diz que “enteógenos têm sido reconhecidos como sagrados para culturas humanas no mundo todo, por séculos, e continuam a ser reverenciadas e usadas até hoje por líderes e comunidades culturais e espirituais veneráveis e sinceros através do mundo e dos Estados Unidos”.

Em Oregon, aprovou-se em 2020 por 56% do voto popular a Medida 109, que cria um programa estadual de psicoterapia com o psicoativo dos cogumelos do gênero Psilocybe. Na mesma eleição saiu referendada a Medida 110 (Lei sobre Tratamento e Recuperação de Dependência de Drogas), que descriminaliza a posse pessoal de várias substâncias, inclusive MDMA, LSD, cetamina, metanfetamina e heroína.

No caso de Seattle, regulamentou-se apenas o uso da mescalina sintética, não obtida diretamente do peiote, cacto de reprodução lenta que cresce no sudoeste dos EUA e no México e caminha para risco de extinção na natureza se for coletado de forma intensiva. É uma vitória de grupos de indígenas norte-americanos, como os praticantes da Native American Church, que temem por sua planta sagrada.

Psilocibina x MDMA

A empresa britânica Compass Pathways, objeto de controvérsia por suas patentes de psilocibina em psicoterapia para depressão, anunciou que fará ensaio clínico de fase 2 sobre tratamento de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) com a mesma droga. Serão 20 pacientes no estudo a cargo do King’s College de Londres.

O mesmo transtorno é objeto do teste clínico mais avançado de psicodélico para TEPT, de fase 3, com o empatógeno MDMA (ou ecstasy, que não ocasiona efeitos visuais), patrocinado pela Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos. O Boletim Psylocybin alpha ouviu a respeito Rick Doblin, líder da entidade mais conhecida pela sigla em inglês Maps.

Rick Doblin, fundador da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Divulgação/Maps)

Rick disse não ver a psilocibina para TEPT como concorrente, pois se trata de maximizar benefícios para portadores: “Dou boas-vindas à pesquisa da Compass sobre psicoterapia assistida por psilocibina para TEPT, assim como para pesquisas com cetamina, ibogaína e outros tratamentos”.

A própria Maps investiga o uso de maconha para TEPT em 300 veteranos de guerra, com financiamento de US$ 12,9 milhões (mais de R$ 70 milhões). Rick vê com interesse a ideia de comparar e detalhar efeitos de ambas as drogas, inclusive para investigar a possibilidade de associá-las em fases sucessivas do tratamento, ou mesmo em conjunto, no que se conhece como “candy-flipping”.

“É nossa opinião que a terapia assistida por MDMA tem probabilidade de ser mais segura e eficaz do que a terapia assistida por psilocibina para TEPT, ou LSD, por causa das propriedades redutoras do medo no MDMA. Entretanto, essa é uma questão empírica que precisa ser resolvida por meio de pesquisa, e é por isso que damos as boas-vindas ao estudo da Compass”, disse o dirigente da Maps ao boletim.

Leia mais sobre psicodélicos no livro:

(Reprodução)

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Sete erros e sete acertos com psicodélicos na série de TV ‘Nove Desconhecidos’ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/09/26/sete-erros-e-sete-acertos-com-psicodelicos-na-serie-de-tv-nove-desconhecidos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/09/26/sete-erros-e-sete-acertos-com-psicodelicos-na-serie-de-tv-nove-desconhecidos/#respond Sun, 26 Sep 2021 21:01:03 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/9ddesconhecidosNicole-300x169.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=652 “Só os psicodélicos (se) salvam” seria um resumo apropriado, ainda que enigmático, para a série da Hulu “Nove Desconhecidos”, em cartaz na plataforma Amazon Prime Video. Até Nicole Kidman, no papel de Masha, sai chamuscada da narrativa canhestra sobre a renascença dessas drogas para a medicina.

Os nove desconhecidos são clientes que chegam para dez dias de “transformação” no spa Tranquillum, comandado pela guru russa com apenas três auxiliares (Yao, Delilah e Glory). Zero faxineiros, cozinheiros e camareiros, mas pululam os erros, dos quais se destacarão os sete mais gritantes.

Antes, um pouco de contexto. Existem, sim, spas psicodélicos, por exemplo na Jamaica e na Costa Rica, assim como clínicas sérias no Brasil e turismo xamânico no Peru.

Não é por causa dessa indústria marginal, porém, que se ouve falar tanto das substâncias. E, sim, porque a ciência está a ponto de ressuscitá-las para tratar transtornos mentais, como se pôde acompanhar aqui ao longo dos últimos 12 meses.

É muito provável que em 2023 o MDMA (ecstasy, bala, Michael Douglas) termine autorizado nos EUA para psicoterapia para estresse pós-traumático. Depois deverá ser a vez da psilocibina dos cogumelos ditos “mágicos” (gênero Psilocybe), em investigação para condições como depressão, ansiedade, TOC, anorexia e outros transtornos.

Agora, os sete erros (se quiser evitar spoilers, pare por aqui):

  1. Ausência de consentimento – Masha dá psilocibina misturada aos smoothies servidos ao longo do di sem o conhecimento dos hóspedes. Até o mais maluco dos gurus psicodélicos evitaria esse abuso, pois em qualquer país daria cadeia mesmo que não se tratasse de drogas psicoativas. A série não deixa claro nem se a personagem de Kidman está qualificada para ser terapeuta.
  1. Participante desequilibrado – O estafe de Tranquillum pesquisou e escolheu a dedo os nove clientes, o que torna incompreensível incluir Carmel, uma mulher transtornada, com passado violento e biografia cruzada com Masha. Em testes clínicos de psicodélicos, qualquer tendência ou histórico de psicose da pessoa ou na família próxima serve como critério de exclusão. Como se pode ver na TV, a mancada quase sai caro para a guru.
  1. Dosagens seguidas – O pessoal do spa fala várias vezes num protocolo nunca detalhado, mas fica evidente que as doses estão sendo ministradas todos os dias, ou quase. Ninguém desperdiçaria psilocibina assim, pois, como os psicodélicos clássicos LSD e mescalina, a repetição implicaria perda de efeito pela rápida tolerância que desencadeiam.
  1. Mistura de psicodélicos – Em certa altura Masha, Yao e Delilah discutem a antecipação do protocolo com inclusão de LSD no coquetel. Por mais que alguns adeptos gostem de misturar compostos psicoativos ao mesmo tempo (já vi gente usando ayahuasca, rapé, maconha e sananga na mesma noite, como narro no livro “Psiconautas”), nenhum terapeuta responsável seguiria por aí. Os efeitos podem se compor de maneira imprevisível e fazer mais mal do que bem (sem falar na tolerância cruzada de LSD e cogumelos, que agem sobre os mesmos receptores de serotonina).
  1. Alucinação coletiva – É a parte mais dura de engolir no drama da Hulu. A família composta por Napoleon Marconi, sua mulher Heather e a filha Zoe quer livrar-se do trauma pelo suicídio de Zach, gêmeo de Zoe, e Masha os convence de que uma dose alta de LSD (ou psilocibina, não fica de todo claro) trará o rapaz de volta. Já seria fantasioso além da conta, mas os três acabam tendo a mesma alucinação, participando de diálogo a quatro com o defunto.
Zoe (Grace van Patten) e Masha (Nicole Kidman) em “Nove Desconhecidos” (Foto: Dvilgação/Amazon Prime)

É verdade que muito da cultura psicodélica bordeja com o misticismo e que alguns rituais tradicionais são descritos como acesso ao mundo dos mortos. O enredo parece atribuir a Zoe um poder mediúnico amplificado pelo ácido, o bastante para invocar a aparição também para os pais, mas o abraço simultâneo dos três com o suicida resulta numa das cenas menos convincentes e mais constrangedoras.

  1. Envolvimento da terapeuta – Para piorar as coisas, Masha resolve tomar a droga junto com os Marconis. Supostamente, no esforço de convencê-los da segurança do composto (mas ela esconde que seu objetivo é conjurar outro morto). Qualquer manual sobre uso seguro de psicodélicos contraindicaria essa prática, mesmo que não se tratasse de um terapeuta.

Sempre se recomenda haver uma pessoa sóbria por perto, para eventuais emergências como viagens ruins, surtos e mal-estares. Delilah fugiu para chamar a polícia, pois acha que Masha passou dos limites. Yao está ocupado com Carmel. Glory se dedica a tourear o restante do grupo revoltado. Não sobrou nenhum adulto na sala.

  1. Experiência artificial de quase-morte – Por orientação de Masha, que já se encontra para lá de Marrakech, Glory tranca os hóspedes remanescentes num salão preparado para simular um incêndio e levá-los a acreditar que vão morrer. A ideia tresloucada é que a proximidade do desfecho final os force a considerar o que de fato importa na vida, blá-blá-blá.

Ninguém duvida de que uma vivência terminal possa ser transformadora para muita gente. Mas, de novo, soa despropositado que o efeito seja alcançado ao mesmo tempo e na mesma situação fortuita, coletivamente, por meia dúzia de pessoas. Além disso, se a série se baseia no poder dos psicodélicos, por que o artifício de recorrer a um recinto para suscitar a experiência? Faria mais sentido utilizar de forma controlada a 5-MeO-DMT, substância de forte e curto impacto comumente descrito como completa dissolução do ego.

Masha até menciona de passagem os termos técnicos “set” e “setting”, aludindo às disposições mentais do psiconauta e as condições do ambiente consideradas fundamentais para uma boa viagem, mas não passa de mesura inconsequente à melhor ciência psicodélica. Não há preparação digna do nome para os participantes sobre o que os espera, muito menos integração dos conteúdos psíquicos e emocionais que vão aflorando. Não espanta que tudo se encaminhe para um caos alarmante.

No oitavo e último capítulo, contudo, como em qualquer novela mequetrefe de TV, tudo se resolve. É pena que o passe de mágica obscureça tudo de verdadeiro que a série captou de fiel sobre a experiência psicodélica. Seria possível escrever uma apreciação inteira com, digamos, sete acertos de “Nove Desconhecidos”, por exemplo:

Sim, com psicodélicos é comum a pessoa aceitar melhor a própria mortalidade. Idem com traumas de infância, perda de pessoas próximas, desilusões amorosas. Como diz Zach, tudo que se vê sob efeito dessas drogas é irreal, está só na cabeça de quem toma e não no mundo exterior.

A empatia cresce de modo notável. Viagens ruins acontecem, mas são raras e podem ter rendimento terapêutico. Casais se tornam mais próximos, o sexo melhora. O psiconauta fica propenso a relevar defeitos, remorsos e más ações, em si e nos outros.

Essas sete coisas corretas estão lá no drama televisivo, o que lhe confere certo aspecto positivo. Também seria possível enxergar a série como uma espécie de denúncia dos riscos inerentes à esfera meio clandestina de curadores, pseudoterapeutas e xamãs improvisados que receitam psicodélicos como se fossem água benta. Não são.

Essa leitura benevolente de “Nove Desconhecidos” se esboroa no capítulo final. O caos não se consuma por força de suposto poder superior dos psicodélicos, que prevalece mesmo após a chegada da polícia. Até Masha se safa, misteriosamente, dos crimes patentes que cometeu em nome da força dessas substâncias.

Só os psicodélicos (se) salvam da série problemática. E com ela só se reforça o excesso de expectativas com eles, como se fossem a panaceia final, a salvação da humanidade, a bala de prata contra o sofrimento do mundo pós-pandemia –e não substâncias de trabalho, úteis para psicoterapia e autoconhecimento, mas que não trazem nada para quem está só em busca de soluções fáceis.

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A Fósforo Editora está dando 20% de desconto no livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” para quem se inscrever no curso sobre drogas modificadoras da consciência no portal Bora Saber, que começa nesta terça-feira (28 de setembro). Não perca essa chance de saber um pouco mais sobre o que a pesquisa está (re)descobrindo de benéfico e terapêutico em substâncias poderosas como psilocibina, LSD, ayahuasca, MDMA e ibogaína.

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Estudo testa cogumelos ‘mágicos’ contra desespero na linha de frente da Covid https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/06/13/estudo-testa-cogumelos-magicos-contra-desespero-na-linha-de-frente-da-covid/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/06/13/estudo-testa-cogumelos-magicos-contra-desespero-na-linha-de-frente-da-covid/#respond Mon, 14 Jun 2021 00:10:38 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/PedroLadeiraFolhapress-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=518  

Parece impossível, nesta altura da pandemia, que o flagelo da Covid não resulte em danos sérios para a saúde mental. Luto, polarização, isolamento, perda de renda e de perspectivas, sequelas da infecção, proliferação de falsidades, aumento da desigualdade, regressão política –parece uma conspiração contra o equilíbrio emocional e a favor do desespero.

Nem tudo caminha para o fundo do poço, entretanto. Há um renascimento psicodélico em curso, e pesquisadores já se movimentam para buscar na revalorização dessas drogas um lenitivo para as primeiras vítimas da invasão dos coronavírus, os profissionais que atuam na linha de frente para salvar vidas.

Os sinais de deterioração na esfera psíquica estão à vista de todos. Nos Estados Unidos, por exemplo, em maio de 2020 –meros três meses após a chegada da Covid– ocorreram 42% mais mortes por overdose de opioides do que no mesmo mês do ano anterior. Teme-se que haja ainda uma alta de suicídios.

Uma revisão sistemática de 29 estudos sobre estado psicológico de profissionais de saúde atuando contra Covid concluiu que um quarto do pessoal nas enfermarias e UTIs sofre com depressão (24,3%) ou ansiedade (25,8%).

Noutro levantamento com 21 mil trabalhadores em 42 estabelecimentos do setor nos EUA, 61% relataram medo permanente de infectar-se e transmitir o vírus Sars-CoV-2, 43% se queixaram de sobrecarga de trabalho e 38% admitiram ansiedade ou depressão. Mais afetadas são as mulheres latinas ou negras.

Com a proliferação de bons resultados preliminares em testes de psilocibina (composto psicoativo dos chamados “cogumelos mágicos” do gênero Psilocybe) contra depressão, a Universidade de Washington e a empresa Cybin se uniram para lançar um ensaio clínico precisamente para sondar a possibilidade de que esse psicodélico clássico venha a aliviar o sofrimento de enfermeiras(os), assistentes e médicas(os) que trabalham diretamente com pacientes de Covid.

O teste clínico controlado duplo-cego será coordenado por Anthony Black em Seattle, noticiou o site da Forbes, uma cidade gravemente atingida pela pandemia. Como de hábito nesses estudos com psicodélicos para transtornos mentais, não será investigada só a droga, mas seu emprego como facilitadora de processos psicoterapêuticos, envolvendo várias sessões antes e depois da ingestão da droga.

O ensaio de Seattle se somará a outros 70 testes clínicos com psicodélicos identificados por pesquisadores do Canadá. A maioria tem por objeto MDMA (46%) –droga mais perto de ser aprovada para uso corrente, notadamente para tratar estresse pós-traumático– e psilocibina (41%), neste caso em geral contra depressão e ansiedade.

Só 21 desses estudos “renascentistas” tiveram resultados publicados, o que equivale a dizer que nada menos que meia centena de ensaios registrados estão em andamento ou para começar. Entre eles há dois testes clínicos em preparação no Brasil, na USP, com o psicodélico ibogaína para tratamento de dependência química (crack/cocaína e álcool).

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Investidor agressivo combate danos cerebrais com golpes de psicodélicos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/31/investidor-agressivo-combate-danos-cerebrais-com-golpes-de-psicodelicos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/31/investidor-agressivo-combate-danos-cerebrais-com-golpes-de-psicodelicos/#respond Mon, 31 May 2021 13:26:31 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/TysonMushroomsCortada-246x215.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=502 A disputa na arena empresarial dos psicodélicos anda acirrada. Quase todo dia competidores anunciam novas aquisições e investimentos, e a Wesana Health –criada há pouco mais de um mês– tem chamado atenção pela chegada de dois pesos pesados ao time.

Para traçar a estratégia de luta, entra em ação o experiente James Fadiman, autor do clássico psiconáutico “O Guia do Explorador Psicodélico – Jornadas Seguras, Terapêuticas e Sagradas” (aqui, em inglês; há também edição em espanhol, aqui). Na quinta-feira (27) a empresa noticiou que ele integrará seu comitê consultivo científico.

Fadiman faz estudos sobre psicodélicos desde os anos 1960, quando drogas como LSD, MDMA e psilocibina não eram proibidas (isso ocorreria nos anos 1970-80). O pesquisador e escritor defende que sejam usadas para fins espirituais (altas doses), propósitos terapêuticos (doses moderadas) e solução de problemas (microdoses). É muito lido no Vale do Silício e em Wall Street.

A Wesana tem como fundador e principal executivo Daniel Carcillo, um jogador de hóquei campeão pelos Chicago Blackhawks. Após 12 anos de carreira profissional e muitas pancadas na cabeça, foi diagnosticado aos 30 anos, em 2015, com síndrome pós-concussional.

Em sua página o ex-atleta Carcillo arrola uma lista chocante de sintomas: sensibilidade à luz; fala arrastada; problemas de memória, concentração e controle de impulsos; dores e pressão interna na cabeça; insônia; perda de apetite; confusão mental; ansiedade; depressão. Chegou a entreter pensamentos suicidas.

Essa modalidade de dano cerebral traumático aparece muito em boxeadores e jogadores de futebol americano, também. Depois de peregrinar por vários especialistas, Carcillo voltou-se a tratamentos inovadores e fundou a Wesana para fomentar pesquisas de terapias alternativas contra o mal que o aflige –entre elas a psilocibina, substância psicoativa dos cogumelos ditos “mágicos” (do gênero Psilocybe).

(Foto: Reprodução danielcarcillo.com)

Sua empresa saltou às manchetes na semana passada porque o lutador Mike Tyson não só investiu na Wesana, listada na Bolsa canadense, como fez a ponte entre ela e o Conselho Mundial de Boxe (WBC, em inglês). A entidade vai partilhar com a companhia seu acervo sobre danos cerebrais reunido desde a década de 1970.

O lutador, também diagnosticado com a condição cerebral, já tinha aparecido no noticiário após hilariante cena de talkshow em que Tyson engoliu 4g de cogumelos Psilocybe secos. A repercussão foi imediata, porém restrita mais à cena psicodélica, e lhe garantiu presença no 56º lugar de uma controversa lista das cem pessoas mais influentes da área.

Desta vez, teve sucesso instantâneo na imprensa esportiva a afirmação de Tyson de que os psicodélicos salvaram sua vida: “Todos achavam que eu estava louco, mordi a orelha de um cara”, disse à Reuters, referindo-se à luta com Evander Holyfield em 1997. “Fiz todas aquelas coisas, e assim que me apresentaram os cogumelos… minha vida inteira mudou.”

Nos planos de Carcillo está aprofundar o conhecimento sobre a síndrome e recrutar boxeadores como voluntários para o teste clínico de sua formulação de psilocibina em desenvolvimento, Sana0013. Para isso, fez duas outras contratações arrojadas, garantindo os passes de Mark Wingertzahn, que já atuou nos times das farmacêuticas GSK e Pfizer, e do médico Stephan Bart, craque com mais de 400 ensaios clínicos.

A Wesana por ora não enfrenta concorrência direta de outros testes clínicos já em andamento com psilocibina, porque esses têm por alvo a depressão. Vai precisar de toda a força de Tyson e toda a ginga de Muhammad Ali, contudo, para escapar dos avanços da britânica Compass Pathways, se esta desafiar a Sana0013 com as três patentes já obtidas para sua fórmula de psilocibina COMP360.

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Conheça portal para combater patentes abusivas de medicamentos psicodélicos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/24/conheca-portal-para-combater-patentes-abusivas-de-medicamentos-psicodelicos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/24/conheca-portal-para-combater-patentes-abusivas-de-medicamentos-psicodelicos/#respond Mon, 24 May 2021 14:03:03 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/PortaSophia2-271x215.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=478 Com o ressurgimento da atenção da pesquisa biomédica para substâncias alteradoras de consciência, levantou-se uma onda de interesse de investidores nos prometidos avanços para a psiquiatria. Na esteira vieram controvérsias sobre propriedade intelectual de psicodélicos, que um novo portal na internet pretende ajudar a resolver distinguindo o que é novidade do que não é.

A iniciativa estreou no final de abril e se chama Porta Sophia, algo como “portal da sabedoria”. Conta com apoio de Bill Linton, dono da empresa de suprimentos e equipamentos de biotecnologia Promega, que tem subsidiária no Brasil e fundador do Instituto Usona, de Madison (Wisconsin, EUA), voltado para a pesquisa clínica de psicodélicos como a psilocibina.

Seus parceiros são o escritório de advocacia americano Casimir Jones, especializado em direito patentário, o Instituto Americano de História da Farmácia da Universidade de Wisconsin, a Coleção Betsy Gordon de Pesquisa de Substâncias Psicoativas da Universidade Purdue e os fóruns online DMT-Nexus e Bluelight.

“Acreditamos fortemente no sistema de patentes que confere o reconhecimento de pedidos considerados legais, inovadores, úteis e não-óbvios”, diz o empresário, mas ressalvando: “Agentes de patentes precisam se fiar em informação que possam obter facilmente a respeito de conteúdos no domínio público, para poder decidir se concedem os pedidos de patentes”.

A ideia da Porta Sophia é reunir num lugar só milhões de documentos, artigos, resultados de pesquisas, conferências e simpósios científicos, bibliotecas de documentos, notas de internet e fontes de informação similares relacionados com terapias psicodélicas e assuntos correlatos. As buscas podem ser feitas por composto, condição mental e data, por exemplo.

“Isso ficará acessível para qualquer indivíduo ou organização, poupando tempo e despesas envolvidas na determinação de patenteabilidade”, afirma Linton.

Os usos terapêuticos desses compostos integram conhecimento milenar, como no caso dos cogumelos Psilocybe utilizados por curanderos e curanderas dos mazatecas, no México, ou da ayahuasca de povos indígenas no Brasil e no Peru. Outros foram criados em laboratório há décadas, como MDMA na farmacêutica Merck (1912) e LSD na Sandoz (1938), usados em psicoterapia nos anos 1950-1970.

A “curandera” Maria Sabina, que apresentou cogumelos “mágicos” à revista Life  nos anos 1950 (Creative Commons)

Não há, assim, tanta novidade nas substâncias psicodélicas, a não ser por seu renascimento para a medicina após meio século de proscrição. Apesar disso, empresas que ora aplicam fortunas na perspectiva de um mercado bilionário, ou recolhendo outro tanto de capitalistas arrojados para financiar ensaios clínicos e semear startups, buscam proteger a rentabilidade futura do investimento com recurso à propriedade intelectual.

Só no caso da depressão estima-se que haja no mundo mais de 100 milhões de doentes que não obtêm bons resultados com antidepressivos disponíveis, os ISRS (inibidores seletivos de recaptação de serotonina, como escitalopram). É o que se chama de depressão resistente.

Investidores em psicodélicos recorrem a pedidos de patentes para formulações retocadas de compostos, processos aperfeiçoados de síntese e protocolos terapêuticos para transtornos mentais particulares –às vezes tudo num pacote só. A proliferação de títulos de propriedade intelectual, contudo, pode desestimular a entrada de novos empreendedores na competição, pelo alto custo de enfrentar batalhas jurídicas.

Considere o caso da britânica Compass Pathways. Começou como uma colaboração entre pesquisadores e terapeutas para avançar testes clínicos de psilocibina para depressão, mas foi reinventada como empresa com fins lucrativos.

Em 2020, a firma levantou US$ 146 milhões (R$ 780 milhões) no mercado de capitais. Outros US$ 80 milhões (R$ 430 milhões) foram amealhados só para custear testes clínicos com vistas à aprovação da psilocibina como medicamento psiquiátrico.

Hoje a Compass está no foco das maiores polêmicas sobre patentes, após apresentar vários pedidos de proteção para a síntese de sua formulação COMP360 aplicada a terapia para deprimidos graves. A companhia já obteve três certificados nos Estados Unidos.

A empresa de George Goldsmith e Ekaterina Malievskaia segue adiantada com testes clínicos de fase 2 sobre emprego de psilocibina para depressão. Seu principal concorrente é o Instituto Usona, de Bill Linton.

Cogumelos “mágicos” do gênero Psilocybe (HansBraxmeier/Pixabay)

O Usona também empreende um teste clínico. A diferença é que publica todos os passos de sua síntese química e põe a própria psilocibina à disposição de outros estudiosos, fiel a ideais de ciência aberta que têm forte tradição no meio psicodélico.

“Devido a aspectos históricos e culturais dos psicodélicos, o estado da arte pode ser difícil ou complicado de achar. Porta Sophia identifica as inovações prévias pertinentes para revisores de patentes onde quer que existam em espaços comuns e incomuns”, afirma o portal patrocinado por Linton.

“Isso inclui fontes tradicionais (literatura científica, patentes publicadas) e arquivos domésticos e estrangeiros que destaquem trabalho fundamental realizado décadas atrás. Porta Sophia está desenvolvendo novas ferramentas para identificar inovação prévia em milhões de notas de blog contidas em vários fóruns digitais.”

Uma equipe de especialistas científicos e jurídicos faz a curadoria das referências relevantes para revisores de patentes. Os organizadores anteveem atualização contínua do conteúdo com o engajamento da comunidade psicodélica, que pode contribuir sugerindo referências, cinco por vez ou por atacado (por exemplo um acervo inteiro de documentos).

“Esperamos fazer Porta Sophia crescer como uma importante estrutura voltada para a sociedade que ajude a proteger o domínio público, estimular inovação sobre aplicações psicodélicas e instrumentar a aprovação rápida de opções de tratamento baseado em psicodélicos.”

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Sai publicado 1º teste clínico de fase 3 com tratamento psicodélico https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/10/sai-publicado-1o-teste-clinico-de-fase-3-com-tratamento-psicodelico/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/10/sai-publicado-1o-teste-clinico-de-fase-3-com-tratamento-psicodelico/#respond Mon, 10 May 2021 21:52:00 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/NatMedMDMA-230x215.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=464 Esta segunda-feira (10) entrará para a história do renascimento psicodélico como data marcante: o periódico científico Nature Medicine publicou artigo pioneiro registrando resultados do primeiro ensaio clínico de fase 3 de uma substância alteradora de consciência (MDMA) para tratar uma condição mental grave, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

É o último passo das pesquisas acadêmicas para aprovar o novo tratamento. Só falta agora a análise dos dados de outros experimentos semelhantes por agências reguladoras, que já se encontra em curso.

Até aqui, só haviam sido concluídos e publicados estudos de fase 1 e 2, como os realizados sobre depressão tratada com ayahuasca, no Brasil, ou psilocibina de cogumelos ditos “mágicos” do gênero Psilocybe, no exterior.

O trabalho na Nature Medicine teve liderança da pesquisadora Jennifer Mitchell, da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF). É um dos braços do estudo multicêntrico capitaneado pela Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês), do incansável Rick Doblin.

Rick Doblin, fundador da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Divulgação/Maps)

Como já apareceu mais de uma vez neste blog e em reportagens da Folha, esse estudo da Maps é o que se encontra mais perto de reentronizar os psicodélicos no rol de medicamentos para a psiquiatria e a psicoterapia. A agência americana de fármacos FDA abriu-lhe uma via rápida de licenciamento, por seu potencial para curar ou pelo menos melhorar a vida de quem sofre com TEPT, tormento muito comum entre veteranos de guerra americanos e vítimas de abuso sexual.

Esses compostos já frequentaram o campo terapêutico, especialmente LSD, psilocibina e MDMA, nas décadas de 1950 e 1960. Mas foram banidos da academia nos anos 1970-80 pela reação conservadora nos EUA contra a contracultura e movimentos sociais associados, como o de direitos civis ou contra a Guerra do Vietnã.

O MDMA, base da droga recreativa conhecida como ecstasy, Michael Douglas, molly ou balinha, não é a rigor um psicodélico clássico como mescalina e LSD, por não desencadear efeitos visuais (mirações, alucinações). Mas é um poderoso empatógeno, ou seja, estimula a empatia com terceiros e com o próprio sujeito, o que favorece elaborar psiquicamente os traumas num processo terapêutico.

Participaram do ensaio clínico da UCSF 90 voluntários, metade dos quais foi sorteada para tomar placebo (no esquema conhecido como teste randomizado duplo-cego controlado). No instrumento mais usado para diagnosticar e mensurar sintomas de TEPT, Caps-5, o grupo que tomou MDMA, após dois meses de acompanhamento, teve redução mediana de 24,4 pontos na escala de 80, contra 11,9 de quem tomou placebo –diferença estatisticamente significativa.

Não se trata de uma pílula que se toma regularmente, como antidepressivos convencionais. Tratamentos psicodélicos experimentais envolvem processos de psicoterapia com várias sessões, além daquelas em que a pessoa toma a droga e é acompanhado por várias horas de “viagem” por uma dupla de terapeutas especialmente treinados. No caso do experimento da UCSF, foram ao todo 12 sessões.

“Em resumo, a terapia assistida por MDMA induz ocorrência rápida de eficácia de tratamento, mesmo para aqueles com TEPT grave”, concluem os autores do teste clínico. “Comparada com as atuais terapias de primeira linha, farmacológicas e comportamentais, a terapia assistida por MDMA tem potencial para transformar dramaticamente o tratamento de TEPT e deveria ser avaliada aceleradamente para uso clínico.”

Quem está habituado com literatura biomédica sabe que conclusões assim contundentes são raras nesse tipo de prosa, sempre cheia de dedos. Tanto o emprego desse palavreado quanto sua aceitação pelos editores da Nature Medicine dão indicação da confiança dos pesquisadores na aprovação pela FDA.

Espera-se que a estrela do renascimento psicodélico termine autorizada pela agência em 2022 ou 2023. Virá em boa hora, se vier, para minorar a epidemia de tristeza e luto na esteira da Covid-19.

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Lista dos mais influentes em psicodélicos tem só duas brasileiras https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/03/lista-dos-mais-influentes-em-psicodelicos-tem-so-uma-antropologa-brasileira/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/03/lista-dos-mais-influentes-em-psicodelicos-tem-so-uma-antropologa-brasileira/#respond Mon, 03 May 2021 19:51:51 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/RankingMachosBrancosPsicodelicos-300x158.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=446 ADENDO: depois de publicada a nota, veio ao meu conhecimento que Adriana Kertzer, 97a. da lista, advogada atuante no Plant Medicine Law Group dos EUA, nasceu em São Paulo. São, portanto DUAS brasileiras no ranking. Texto modificado para incluir essa informação.

Um ranking das cem personalidades com maior influência no campo psicodélico está dando o que falar. Toda lista de bambambãs se sujeita a controvérsia, mas essa caprichou em ignorar a diversidade hoje esperada de qualquer elenco, sob pena de perpetuar vieses que mantêm em posição subalterna quem deveria brilhar tanto ou mais que homens brancos ricos, famosos e poderosos.

A lista dos psiconautas mais influentes foi montada pelo serviço de informações Psychedelic Invest, dando peso sobretudo para audiência em redes sociais. Os organizadores do ranking se penitenciaram pela falta de diversidades, que privilegiou machos caucasianos em todas as 20 primeiras colocações.

Contei apenas 17 mulheres na relação de 100 nomes, entre elas DUAS únicas pessoas naturais do Brasil: Beatriz Caiuby Labate, antropóloga estudiosa de ayahuasca conhecida como Bia Labate, e a advogada Adriana Kertzer.

A antropóloga brasileira Bia Labate  (Divulgação)

Obviamente negros também só se veem dois: o especialista em abuso de drogas Carl Hart e o boxeador Mike Tyson, que em dezembro devorou 4g de cogumelos psicodélicos Psilocybe durante entrevista.

O destaque para Labate é justo. Ela já organizou, editou e escreveu duas dezenas de livros sobre ayahuasca, peiote, povos tradicionais que usam psicodélicos e sua redescoberta pela neurociência e pela psiquiatria.

O último deles, “Ayahuasca Healing and Science” (cura e ciência da ayahuasca, minha tradução para o título), foi editado com Clancy Cavnar, companheira com que administra o Chacruna Institute for Psychedelic Plant Medicines, em São Francisco (EUA).

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Labate também trabalha como especialista em educação pública e cultura da Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês), cujo fundador, Rick Doblin, é o terceiro do ranking. (Possível conflito de interesses para o leitor conhecer e ponderar: já publiquei quatro artigos pagos na página Chacruna e tenho um no prelo do MAPS Bulletin, todos a convite de Labate.)

O volume contém ensaios de vários pesquisadores do Brasil, terceiro país com mais artigos científicos de impacto. O prefácio é do neurocientista Sidarta Ribeiro (40,4 mil seguidores), e o livro tem autores brasileiros como o psiquiatra Luís Fernando Tófoli (30,6 mil) e o físico Dráulio de Araújo, pesquisador principal do estudo sobre ayahuasca e depressão que aparece em sexto lugar naquele ranking dos artigos com mais citações (38/ano).

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Liberação de terapia com psilocibina em Oregon enfrenta resistência empresarial https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/26/liberacao-de-terapia-com-psilocibina-em-oregon-enfrenta-resistencia-empresarial/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/26/liberacao-de-terapia-com-psilocibina-em-oregon-enfrenta-resistencia-empresarial/#respond Mon, 26 Apr 2021 14:42:33 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/measure-109-logo-215x215.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=427  

No estágio atual do renascimento psicodélico em psiquiatria e psicoterapia, fica cada vez mais claro que está longe de ser um movimento unificado a aproximar pesquisadores, investidores e psiconautas, todos marchando na mesma direção. Ele se parece mais e mais com pessoas convergindo a uma sorveteria após longos passeios separados num dia de verão, quando cada cliente está ansioso por escolher a guloseima com maior probabilidade de propiciar a melhor experiência ao paladar –no caso dos psicodélicos, os melhores benefícios para a saúde mental.

Há um senão: cada cliente deve pensar duas vezes antes de optar por uma cumbuca misturada. Alguns sabores simplesmente não combinam com outros e podem arruinar o dia agradável.

O sorvete de creme do empreendimento psicodélico se baseia no modelo da medicalização, com testes clínicos, aprovação por agências reguladoras, investidores capitalistas, patenteamento de moléculas e processos e todo o percurso burocrático voltado para reembolso por planos de saúde. Este é o sabor que faz barulho nos círculos e publicações empresariais, que costumam se entusiasmar com qualquer oportunidade de investimento num mercado de massa com potencial para alcançar centenas de bilhões de dólares em poucos anos.

A escolha pouco imaginativa tem por cobertura alguma controvérsia, também, causada por empresas como a Compass Pathways e suas patentes amplas demais em aplicações de psicoterapia com psilocibina sintética, o ingrediente psicoativo orginalmente obtido de cogumelos “mágicos” do gênero Psilocybe, atualmente em testes clínicos para tratar depressão e várias outras condições.

Psilocybe mexicana, cogumelo psicodélico (Creative Commons)

Há também uma versão menos previsível do sabor popular, por assim dizer o sorvete de pistache da psicodelia. Iniciativas como a Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês) acrescentam ingredientes incomuns à receita convencional ao abrir mão de lucros como objetivo primário e de direitos de propriedade intelectual (PI) sobre inovação por meio de patentes. De olho no benefício público, a Maps prefere privilegiar direitos exclusivos de comercialização de tratamento, menos restritivos, conferidos pela FDA (agência americana de fármacos) ao aprovar uma nova terapia. Com a diferença de que tal exclusividade sobre dados clínicos não impede que outros atores produzam seus próprios dados.

O Instituto Usona, de Wisconsin, segue trilha semelhante ao publicar todos os passos que desenvolveu para a síntese da psilocibina e tornar sua própria versão da droga disponível a outros pesquisadores interessados em testá-la.

Por fim, há o sabor açaí do acesso a psicodélicos, por sua excentricidade, aprovado em Oregon em novembro de 2020 com 56% dos votos: a Medida 109. Os eleitores desse estado do noroeste dos EUA ignoraram as opções creme e pistache e partiram direto para a novidade mais surpreendente, incluída no menu por Tom e Sheri Eckert, iniciadores e peticionadores principais da 109, que estabeleceu um programa estadual de psicoterapia com psilocibina, longe do alcance dos reguladores de Washington DC a da trilha batida das patentes.

Além disso, outra medida de Oregon, a 110 (Lei sobre Tratamento e Recuperação de Dependência de Drogas), foi aprovada com 58% dos votos. De acordo com um artigo de Ismail Ali na última edição do MAPS Builletin, trata-se possivelmente da mais promissora reforma de política de drogas até agora nos EUA, pois é a que chega mais perto de repudiar a mentalidade de criminalização consagrada na Guerra às Drogas e de substituí-la por outra baseada em saúde pública, compaixão e tratamento não-coercitivo.

“Particularmente, a Medida 110 foi o primeiro esforço bem-sucedido nos EUA para descriminalizar o uso pessoal de várias substâncias, inclusive MDMA, LSD, cetamina, metanfetamina e heroína, ao mesmo tempo em que adotava a pioneira descriminalização em nível estadual de plantas, cactos e fungos do Schedule 1 [lista de substâncias proibidas e controladas].”

Em outras palavras, um lance ainda mais radical, já que a Medida 110 vai muito além da 109 ao abranger todas as drogas e o assim chamado uso recreativo, não só a psilocibina para terapeutas licenciados.

A pergunta de centenas de bilhões de dólares que permanece, para retornar aos sorvetes salpicados com psilocibina: Há espaço para todos os sabores na mesma cumbuca psicodélica? Poderia o açaí se mostrar forte demais para os frequentadores costumeiros? Ou ainda, vice-versa, poderia a preferência de capitalistas pelo sabor creme das patentes e reembolsos submergir os esforços em Oregon para tornar a psilocibina mais acessível para os que dela precisam?

“Uma inspiração para a campanha [da 109] foi simplesmente terminar a proibição de 50 anos para a terapia psicodélica, o que já passava da hora, na minha opinião”, disse Tom Eckert em resposta por email. Sheri, Tom e seus companheiros estavam igualmente dedicados a refletir sobre a melhor maneira de integrar os psicodélicos de volta na cultura:

“Vimos a iniciativa de votação como ferramenta perfeita para cavar um espaço para a psicoterapia com psilocibina e erguê-la sobre uma fundação própria. Isso é importante porque os marcos de referência existentes, seja a medicalização movida pela indústria farmacêutica, seja a legalização ao estilo da cânabis, não pareciam ser bem o correto, ou, no caso da medicalização, pareciam incompletos em termos de acesso. Por isso queríamos entalhar uma moldura que desse conta da oferta.

Eckert integra a Comissão Consultiva para Psilobina formada pela Autoridade de Saúde de Oregon (OHA em inglês), como previsto na 109, com a tarefa de desenvolver as normas e regulamentos para disciplinar as aplicações e licenciá-las, assim como manufatura e rastreamento do composto, além do provimento de terapias. A comissão tem até junho de 2022 para fazer suas recomendações, e se espera que a OHA comece a aceitar pedidos de licenciamento de terapeutas e produtores em janeiro de 2023.

Esse cronograma é capaz de tornar a terapia assistida por psicodélicos disponível para o público de Oregon mais rápido que qualquer das iniciativas pela via da FDA. Os ensaios clínicos com psilocibina para depressão da empresa Compass e do Instituto Usona se encontram na fase 2, e mesmo a fase 3 da MAPS com MDMA para transtorno de estresse pós-traumático não deve ganhar aprovação antes disso. Talvez seja essa a razão pela qual alguns entusiastas do sorvete de creme torcem o nariz para o açaí de Oregon.

Pílulas de ecstasy (MDMA) usadas em baladas (Divulgação/DEA)

Um dos primeiros a pôr a boca no trombone foi David Bronner, auto-intitulado Executivo de Engajamento Cósmico (CEO em inglês) da Dr. Bronner’s, empresa fornecedora dos sabonetes naturais mais vendidos nos EUA. Num artigo publicado no blog da companhia, All-One, sob o título “Sounding the Alarm on Compass’s Interference With Oregon’s Psilocybin Therapy Program” (soando o alarme contra a interferência da Compass no programa de terapia com psilocibina de Oregon), Bronner afirmou não só que as patentes da Compass sobre a síntese de psilocibina poderiam dificultar a produção do medicamento pelo Usona, mas também que o CEO da Compass, George Goldsmith, estaria tentando organizar oposição à 109 entre pesquisadores psicodélicos na Universidade de Saúde e Ciência de Oregon.

A Compass nega qualquer interferência. “Não estamos tentando mobilizar oposição à implementação da 109”, afirmou em mensagem de email a chefe de comunicação Tracy Cheung. “O povo de Oregon votou a favor da medida, refletindo a imensa necessidade não atendida em cuidados de saúde mental. Respeitamos e entendemos isso, e não é nossa intenção fazer coisa alguma para mudá-lo.” Após elogiar a 109 como abordagem radicalmente nova para acesso a terapia com psilocibina capaz de ajudar milhões de pessoas, Cheung afirmou que ela “também levanta desafios e questões sobre como será implementada para assegurar segurança e acesso equitativo para os necessitados”.

“Acreditamos que a via médica regulamentada é a melhor maneira de assegurar segurança, eficácia e qualidade para qualquer medicamento ou terapia. Para tanto, estamos desenvolvendo nossa terapia com psilocibina COMP360 por meio de testes clínicos”, ressalvou. “Evidência clínica e aprovação regulatória são também pré-requisitos para qualquer consideração de reembolso. Isso significa que acreditamos ser a via médica a forma mais segura e eficaz de introduzir terapia com psilocibina (se aprovada) no sistema de saúde, com reembolso e tornada disponível para todos que possam beneficiar-se dela.”

Eckert explicou ter conversado com Goldsmith durante a campanha da 109, mas não depois disso. “Foi informativo e cordial, apenas uma troca de perspectivas. Ele vê a psilocibina com as lentes médicas, enquanto eu vejo mais um modelo de acesso, ou um modelo de terapia e bem-estar”, disse, negando ter qualquer informação sobre os alegados contatos de Goldsmith com pesquisadores de Oregon.

Eckert não acredita que os movimentos e patentes da Compass possam afetar o trajeto psicodélico de Oregon. O estado emitirá licenças para cultivadores e desenvolvedores de produtos de acordo com seus próprios padrões. Um espectro de produtos ou medicamentos será provavelmente oferecido para uso conforme a regulamentação, incluindo versões orgânicas, extraídas dos cogumelos.

“Aqui em Oregon, embora conhecedor de padrões de saúde, minha impressão é que realmente não enxergamos a psilocibina como uma droga farmacêutica e, assim, não a regulamentaremos dessa maneira. É claro que a própria psilocibina não pode ser patenteada, e, diante do marco regulatório e das provisões legais de Oregon para produtos inclusivos, patentes sobre processos específicos de produção não parecem relevantes. Você não pode realmente patentear o cultivo de cogumelos, e protocolos para produtos sintéticos ou biossintéticos estão cada vez mais em domínio público, segundo entendo.”

O principal argumento contra as pretensões da Compass se baseia, de fato, no princípio de que algo inerente ao estado da técnica (prior art) não pode ser patenteado. A psilocibina naturalmente existente tem sido usada há séculos em situações rituais por povos tradicionais <https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/01/28/artigo-pede-retribuicao-a-povo-mazateca-por-revelar-espiritu-de-cogumelos/> e por décadas em tratamentos alternativos por terapeutas, legalmente antes da proibição e sob o radar depois disso. Embora a empresa já tenha obtido três patentes de psilocibina nos EUA, uma maneira de contestar seus esforços de “cercamento” está em reunir num único repositório acessível toda a informação existente sobre aquela substância particular e outros compostos psicodélicos.

Pelo menos essa é a visão no Usona sobre a questão. Bill Linton, diretor executivo, deixou claro em mensagem de email que ele não é contra patentes em geral: “Acreditamos firmemente no sistema de patentes, que promove o reconhecimento de reivindicações consideradas legítimas, novas, úteis e não óbvias. Funcionários de patentes precisam se basear em dados que possam obter facilmente a respeito de informações no domínio público, de maneira a saber se devem aceitar pedidos de patentes”.

Nas próximas semanas, segundo informou, uma organização independente passará a prover um portal de referência projetado para ajudar agentes de patentes e funcionários no mundo todo a acessar facilmente milhões de documentos, artigos publicados, resultados de pesquisa científica, conferências, simpósios, bibliotecas de arquivos, notas na rede e fontes similares de informação relacionadas com terapias psicodélicas e temas associados. “Isso estará acessível para qualquer indivíduo ou organização, economizando tempo e despesas envolvidas em determinar patentabilidade”, afirmou, sem dar mais detalhes.

Um exemplo nessa linha é Freedom to Operate (liberdade de operação), organização sem fins lucrativos lançada por Carey Turnbull, que integra o comitê diretor do próprio Usona. Ele fundou a ONG com o propósito de proteger a ciência psicodélica e o desenvolvimento médico no interesse público, por meio de desafios a patentes inapropriadas –aquelas que tentam se apoderar de conhecimento preexistente no espaço público e depois vendê-lo de volta como invenção. O princípio é que patentes equivocadamente emitidas impedem a pesquisa e a inovação por outras organizações e criam ônus excessivo ou perdas para a eficiência da economia.

É o caso de perguntar se essas iniciativas não serão muito pouco muito tarde, em face do tremendo impulso ganho por investidores quando tomaram o bonde andando dos psicodélicos.

Eckert, de sua parte, nada tem de pessimista quando se trata dos vários modelos para levar benefícios de psicodélicos para quem precisa: “A aprovação da FDA para psilocibina e MDMA será enormemente positiva, e cumprimento organizações como Usona e Maps por sua tentativa de inovar abordagens baseadas em ciência aberta, melhores, talvez, do que costumamos esperar da indústria farmacêutica”.

Na sua visão, se um modelo de prescrição médica com reembolso por planos de saúde vier a ser aprovado, a infraestrutura em desenvolvimento em Oregon iria apoiá-lo e facilitá-lo, ao mesmo tempo em que continuaria a oferecer acesso seguro para um número de pessoas presumivelmente maior sem prescrições ou diagnósticos. “Ambos os modelos deveriam coexistir naturalmente dentro de um esquema integrado. Para aqueles em busca de cura psicodélica, deveria ser uma questão de conforto e escolha; todas as opções de uso responsável deveriam ser permitidas. O sucesso de cada área ou abordagem não deveria de modo algum bloquear o sucesso de outra. A coesão entre medicina, terapia e bem-estar representa o melhor serviço para o movimento e para o público.”

Em resumo: misturar o sabor peculiar do açaí com outros sorvetes na mesma cumbuca não parece ser a melhor escolha para paladares convencionais, mas todos devem ter a liberdade de fazer essa opção. A precondição para tanto é manter o açaí no menu da sorveteria psicodélica.

Uma versão deste texto foi originalmente publicada em inglês na página do Instituto Chacruna

https://www.borasaber.art.br/marcelo-leite-historia-das-drogas-para-uso-medicinal

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Psicodélico empata com antidepressivo e pode ganhar partida nos pênaltis https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/14/psicodelico-empata-com-antidepressivo-e-pode-ganhar-partida-nos-penaltis/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/14/psicodelico-empata-com-antidepressivo-e-pode-ganhar-partida-nos-penaltis/#respond Wed, 14 Apr 2021 21:00:45 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/DepressaoLeticiaMoreiraFolhapress-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=411 Apoio científico importante para o renascimento psicodélico sai nesta quarta-feira (14) no New England Journal of Medicine (NEJM), o periódico médico mais lido e citado no mundo: em confronto direto com o antidepressivo escitalopram (Lexapro), o psicodélico psilocibina demonstrou bom desempenho ao reduzir sintomas de depressão.

Poucas pessoas não conhecem alguém tratado com escitalopram ou outro remédio para depressão. É o mal psíquico do século 21, agravado agora pelo flagelo da Covid-19, e pelo menos um terço dos deprimidos não se dá bem com esses medicamentos, os modernos inibidores seletivos de reabsorção de serotonina (ISRS).

Um empate estatístico como o descrito no NEJM já seria grande notícia para substâncias psicodélicas, ora em vias de retornar à farmacopeia da psiquiatria. O autor principal do artigo do Imperial College de Londres, no entanto, vai além e indica que o composto dos “cogumelos mágicos” se sai melhor na disputa dos pênaltis, por assim dizer.

A metáfora futebolística cai bem para descrever a interpretação apresentada em tuítes, nos últimos dias, por Robin Carhart-Harris. Estrela da vanguarda psicodélica, ele acaba de ter seu passe comprado do Imperial pela Universidade da Califórnia em São Francisco, cujo centro de neurociência Neuroscape criou para Carhart-Harris a cátedra Ralph Metzner, dotada com US$ 4 milhões (quase R$ 23 milhões).

RCH parece querer evitar a conclusão de que seu estudo apresenta uma conclusão desfavorável para a psilocibina, substância originalmente extraída de fungos do gênero Psilocybe (em testes clínicos se usam fórmulas sintéticas). Isso porque o artigo na NEJM deixa claro que o desfecho (resultado) principal buscado na investigação com 59 voluntários portadores de depressão moderada não produziu diferença estatisticamente significativa entre o psicodélico e o escitalopram.

Três dezenas de participantes caíram no grupo que recebeu a psilocibina, e os outros 29 tomaram o antidepressivo. No primeiro caso, duas doses de 25 mg do psicodélico separadas por 21 dias, mais seis semanas de placebo; no outro, doses inócuas de psilocibina (1 mg) no mesmo intervalo e seis semanas de escitalopram.

Todos os 59 desconheciam qual dose de psilocibina ingeriam (assim como os experimentadores). E todos foram submetidos a várias sessões de orientação, psicoterapia e monitoramento de efeitos adversos ou sintomas depressivos ao longo das nove semanas de duração do experimento.

Observou-se melhora nos dois contingentes de voluntários, com base na escala de depressão QIDS-SR-16, que tem um máximo de 29 pontos –quanto mais pontos, pior o transtorno. O grupo da psilocibina partiu de um escore mediano de 14,5 e perdeu 8 pontos (redução de 55%); entre os que tomaram escitalopram, a pontuação inicial foi de 16,4 e a redução, de 6 pontos (-37%). Pelo desenho estatístico, a divergência não se provou significativa.

As conclusões do artigo são bem cuidadosas: “Com base na mudança em escores de depressão na QIDS-SR-16 na sexta semana, este ensaio não mostrou uma diferença significativa em efeitos antidepressivos entre psilocibina e escitalopram num grupo selecionado de pacientes”, advertem os autores.

Eles ressalvam que “desfechos secundários [outras escalas padronizadas sobre bem-estar etc.] em geral favoreceram a psilocibina sobre o escitalopram”. RCH e colaboradores, entre eles a farmacologista brasileira Bruna Giribaldi, recorrem à fórmula típica de artigos médicos para sinalizar cautela: “Ensaios maiores e mais longos são necessários para comparar psilocibina com antidepressivos estabelecidos”.

Em contato por email com o blog, o neurocientista britânico revelou que, pessoalmente, não tem planos de empreender novos estudos sobre depressão na Califórnia. Não deixa de ser curioso, tendo em vista que seu time no Imperial foi um dos pioneiros em investigar psilocibina para depressão, com trabalho publicado em 2016.

Na mesma mensagem RCH ofereceu uma interpretação mais positiva dos resultados que a apresentada no artigo. “O [desfecho] primário falhou, mas os secundários todos mostraram significativa superioridade em favor da psilocibina, [algo] bem notável, eu diria”, comentou. “Suspeito que o [desfecho] primário falho seja um falso negativo, em face do panorama mais amplo.”

Dráulio de Araújo, físico neurocientista do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e autor do primeiro estudo no mundo a comparar o efeito antidepressivo de um psicodélico (ayahuasca) contra placebo, saudou o artigo na NEJM como um marco para a ciência psicodélica –isso apesar de o trabalho britânico não incluir grupo de controle com placebo.

“Considero o estudo muito bem-conduzido, embora com o desenho metodológico um pouco complicado, que parece favorecer o escitalopram –e mesmo assim o efeito robusto da psilocibina se mantém”, disse o pesquisador da UFRN, que planeja comparar o efeito antidepressivo da ayahuasca com o anestésico cetamina. “É um dado surpreendente.”

Com Araújo concorda o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), seu coautor no trabalho sobre ayahuasca. “O fato de a resposta ter sido a mesma no desfecho primário para um antidepressivo que é reputado entre os melhores dos ISRS é um feito e tanto para a psilocibina”, avalia.

“Considerando o preconceito que a terapia baseada em psicodélicos sofreu ao longo de décadas, empatar com um tratamento consolidado é uma vitória não desprezível.”

Para o psiquiatra, o ideal seria que o estudo tivesse um terceiro braço, com apenas uma dose irrisória de psilocibina e placebo (sem psilocibina e sem escitalopram). Também há a desvantagem de o estudo ser relativamente curto: “Não sabemos quanto os efeitos antidepressivos de um lado e do outro se sustentariam, se ampliariam ou se reduziriam”, ressalva. “A depressão é um mal crônico, e essa não é uma informação desprezível.”

“Ainda assim, o estudo é alvissareiro para as potencialidades abertas pela psiquiatria psicodélica. Sobre os desfechos secundários, embora sistematicamente eles tenham sidos melhores para o grupo da psilocibina, o próprio estudo pede que eles sejam desconsiderados, pois não foi possível fazer o cálculo estatístico.”

Para saber mais: meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” será publicado dia 17 de maio pela Editora Fósforo.

 

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