Virada Psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental Wed, 01 Dec 2021 01:26:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Microdose é igual a placebo, diz estudo controlado com LSD e psilocibina https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/02/microdose-e-igual-a-placebo-diz-estudo-controlado-com-lsd-e-psilocibina/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/02/microdose-e-igual-a-placebo-diz-estudo-controlado-com-lsd-e-psilocibina/#respond Wed, 03 Mar 2021 02:19:25 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/MicrodoseLogo-300x192.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=342 Adeptos de microdosagem de LSD e outros psicodélicos como a psilocibina dos cogumelos “mágicos” deram uma espécie de tiro no próprio pé: participaram de estudo no qual se conclui que tais viagens homeopáticas não se distinguem dos efeitos mentais produzidos apenas pela expectativa de quem toma cápsulas vazias. E não qualquer estudo, mas o maior experimento controlado por placebo que já se fez com psicodélicos.

LSD e psilocibina são substâncias proibidas, o que encarece muito testes clínicos no padrão da biomedicina atual, mais ainda quando se investiga microdosagem, que implica uso continuado por várias semanas. O esquema é popular nas esferas profissionais de tecnologia, criatividade e finanças, onde se espraiou o costume de tomar 2-3 vezes por semana doses de psicodélicos que não desencadeiam alteração da consciência, mas às quais se atribui melhora de cognição, humor e produtividade –e até menos crises de enxaqueca.

Balázs Szigeti e colegas do Imperial College de Londres empregaram o subterfúgio da “ciência de cidadãos” (citizen science) para estudar a modinha. Vale dizer, com a ajuda de voluntários do público.

Usuários de microdoses de LSD e outros psicodélicos foram convocados pela internet a praticar seu hábito por quatro semanas, mas num sistema de “autocegamento” (self-blinding) em que não saberiam em quais dias tomavam cápsulas opacas contendo o psicodélico ou vazias (placebo). Eles mesmos haviam preparado e acondicionado as cápsulas em envelopes marcados só com códigos de barras fornecidos pelos pesquisadores, seguindo instruções de um vídeo.

Durante a pesquisa e na quinta e na nona semanas após a microdosagem, os participantes deveriam preencher pela internet baterias de questionários padronizados para medir bem-estar, satisfação com a vida, mindfulness, desempenho cognitivo e assim por diante. Dos 1.630 adeptos que se mostraram interessados, 240 iniciaram de fato o experimento, 191 seguiram até a quinta semana (80%) e 159 até a nona (66%).

Esquema exemplifica como foi feito o ‘autocegamento’ no estudo (Reprodução / eLife)

“Segundo nosso melhor conhecimento, este estudo é o primeiro a empregar a metodologia de autocegamento, a primeira investigação controlada por placebo dos efeitos cumulativos de microdosagem repetida e o maior estudo controlado por placebo de um psicodélico até hoje”, afirmam os autores no artigo “Self-blinding Citizen Science to Explore Psychedelic Microdosing” (ciência de cidadãos com autocegamento para explorar microdosagem de psicodélico), publicado terça-feira (2) no periódico eLife.

De cara, o estudo confirmou benefícios que se atribuem às microdoses de psicodélicos no Vale do Silício, em Wall Street e quem sabe na Faria Lima. Outros estudos também os corroboravam, mas com muito menos participantes e sem grupo de controle com placebo.

O galho, no estudo do Imperial College, é que o mesmo nível estatístico de efeitos benéficos apareceu no grupo que tomou placebo. O resultado sugere não existir efeito bioquímico real do composto microdosado sobre a mente, só o que ela própria produz à base de expectativa e auto-sugestão. Fica difícil, em tais circunstâncias, justificar cientificamente a prática da microdosagem, que além de envolver substâncias ilícitas, não é isenta de riscos.

Curiosamente, em 72% das vezes os participantes acertaram se tinham tomado psicodélico ou placebo em determinado dia, acima dos 63% de acertos aleatórios previstos pelos pesquisadores. É um velho problema da pesquisa clínica com essas substâncias modificadoras de consciência, manter o cegamento necessário, pois as pessoas quase sempre percebem quando tomaram o composto psicoativo ou não.

Pelo visto, algo parecido acontece mesmo quando a dose é muito baixa (em média 13 microgramas de LSD e 200 miligramas de cogumelos secos, no estudo): o efeito continua perceptível, mesmo sem desencadear viagem psicodélica, talvez na forma de sensações físicas. Ou então é o efeito placebo que se mostra poderoso a ponto de reviver em usuários experimentados –um critério para inclusão no experimento– sensações comparáveis às de quando tomam a droga de verdade.

“Uma pílula vazia [combinada] com crenças e intenções fortes produzem quase tudo. Vocês puseram, aqui, espiritualidade numa pílula vazia… Uau!”, comentou depois um participante quando o cegamento foi quebrado.

Anos atrás, tive uma experiência do gênero ao participar de um estudo em que tomaria LSD (em dose mais alta, 65 microgramas) para fazer uma sessão de testes cognitivos e placebo em outra, duas semanas depois.

Na primeira vez, surgiram sintomas físicos característicos do estado alterado, como enrijecimento da mandíbula, leve palpitação, suor abundante e mãos frias, além excelente humor, empatia, figuras coloridas de olhos fechados e ideias mais livres; impôs-se a certeza de que ingerira o ácido. Na segunda veio a surpresa, de certa forma humilhante: tudo se repetiu, com intensidade ainda maior, muito maior, e aí veio a certeza de que a certeza anterior estava errada.

Aprendi então, na própria carne, que o efeito placebo é mesmo poderoso. Bem mais poderoso do que a consciência inalterada gostaria de acreditar.

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Pesquisadores apontam risco de microdoses para válvulas cardíacas https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/26/pesquisadores-apontam-risco-de-microdoses-para-valvulas-cardiacas/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/26/pesquisadores-apontam-risco-de-microdoses-para-valvulas-cardiacas/#respond Thu, 26 Nov 2020 22:42:15 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/PsilocybePixabayHansBraxmeier-1-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=119 No Brasil é bem fácil adotar um regime de microdosagem de psicodélicos, com ayahuasca ou com fungos Psilocybe (“cogumelos mágicos”). Mas será seguro para a saúde do psiconauta? O coração aguenta?

Nesses dois casos, pelo menos, não há risco de ir para a cadeia. A dimetiltriptamina (DMT) é ilegal no país, mas não como componente da ayahuasca. Um pouco de pesquisa na rede logo dará em páginas que vendem o chá para tomar em gotas, e não faltam cultos em que a bebida ritual é ministrada aos copos.

Status legal similar vale para a psilocibina, porque a proibição do composto não cobre os cogumelos propriamente ditos. De resto, eles crescem em qualquer pasto depois da chuva e também podem ser encomendados, secos, pelo correio, seja para empreender viagens completas, seja para buscar alegados benefícios psíquicos sem o ônus dos efeitos psicodélicos.

Esse é o espírito da microdosagem, muito praticada no Vale do Silício e em Wall Street, presumivelmente também entre faria-limers. Promessas de melhor disposição física e mental, bom humor, empatia e criatividade turbinadas, mas tudo expurgado de alucinações e do risco de dissolução do ego que vêm com as doses cheias.

Essas marcas das viagens com alucinógenos, no caso dos cogumelos secos, começam a surgir mais ou menos a partir de um grama (1 g), mas com uma enorme margem de erro. Depende muito do produto e da pessoa, a começar de seu peso corporal.

Por outro lado, é improvável que alguém tenha alucinações ingerindo 1/8 de grama (0,125 g) dos fungos à venda no Brasil. Microdosagem seria ingerir essa quantidade diminuta duas vezes por semana, por exemplo, mas fique bem claro que não há estudos científicos controlados suficientes para comprovar se isso traz de fato os benefícios apontados por entusiastas.

Substâncias psicodélicas clássicas como ayahuasca, LSD e psilocibina agem sobre os receptores de serotonina, neurotransmissor que participa da regulação de várias funções, do humor à libido. Tais receptores da família 5HT, alvo de vários medicamentos antidepressivos, estão presentes em células cerebrais e em várias partes do corpo, inclusive nos sistemas digestivo e cardíaco.

Efeitos psicodélicos estão mais relacionados com os receptores 5HT2A. Mas há pelo menos 15 variedades dessa família de moléculas, e a mais problemática parece ser a 5HT2B, em especial as que se encontram nas válvulas cardíacas. Já foram retirados de circulação vários remédios que ativam o receptor 5HT2B e comprovadamente causam dano a esses órgãos vitais.

Estrutura molecular de um receptor de serotonina, da família 5HT (S. Jaehnisch/Wikimedia)

Nenhum composto psicodélico é específico o bastante para ativar só o receptor 5HT2A, e todos acabam atuando também sobre os outros parentes do clã, em maior ou menor grau. Como ninguém toma LSD ou ayahuasca todo dia para alucinar, até porque frustraria a viagem no obstáculo da tolerância, o risco de cardiopatias crônicas não se materializa.

A coisa muda de figura com a microdosagem, quando psiconautas comedidos recorrem aos psicodélicos a intervalos curtos e por meses ou anos a fio. O alerta sobre efeitos cardíacos adversos de moléculas com afinidade ao 5HT2B foi mais uma vez lançado por Daniel Hoyer no periódico Neuropharmacology, mas em caráter genérico, abrangendo dezenas de medicamentos, não só os alucinógenos.

Bem mais específico foi o pedido de cautela formulado por Kelan Thomas na página do Instituto Chacruna, em dezembro: “Não falta hype na mídia acerca da microdosagem de psicodélicos, no momento, mas os consumidores devem acautelar-se, porque o uso crônico pode literalmente partir seus corações”.

Matthew Johnson, diretor do Centro para Pesquisa Psicodélica e da Consciência na Universidade Johns Hopkins, reiterou num tuíte a necessidade de precaução. “Muitos de nós, cientistas responsáveis pelo renascimento da pesquisa psicodélica, pensamos que há uma dúvida realista sobre enfermidade de válvulas cardíacas proveniente da crônica administração de microdoses”, escreveu.

(Reprodução)

“Não é provavelmente um risco para o modelo de tratamento psicodélico envolvendo só umas poucas sessões de dosagem. Tomando um par de vezes por semana, como na microdosagem, durante anos, provavelmente é mais arriscado. Simplesmente não sabemos ainda com certeza, mas, materialmente, o dano é certamente plausível.”

Nenhuma droga é inofensiva, desprovida de efeitos adversos –a começar por álcool e tabaco, que são legais apesar de mortais em excesso. E psicodélicos não são para qualquer um, nem em qualquer quantidade.

Antes de se empanturrar com balinhas na balada ou se exibir no escritório com microdoses, procure informação e, de preferência, converse com seu médico.

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