Virada Psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental Wed, 01 Dec 2021 01:26:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Saiba quem é Rick Doblin, ex-hippie há 35 anos na vanguarda psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/11/saiba-quem-e-rick-doblin-ex-hippie-ha-35-anos-vanguarda-da-ciencia-psicodelica/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/11/saiba-quem-e-rick-doblin-ex-hippie-ha-35-anos-vanguarda-da-ciencia-psicodelica/#respond Thu, 11 Mar 2021 16:32:47 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/Rick-Doblin-MAPS-300x169.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=361 Chovia a cântaros naquela noitinha de outubro de 2018 quando bati à casa de Rick Doblin em Belmont, subúrbio de Boston. Um dos principais responsáveis pelo que se convencionou chamar de renascimento psicodélico abriu a porta com o sorriso que lhe é peculiar e um celular na orelha, gesticulando para que o desconhecido encharcado entrasse.

Fomos direto para a mesa de fórmica na cozinha onde Rick trabalhava com um laptop e a tigela de pipoca à frente. O ex-hippie é uma usina multitarefa hiperativa, que parece dedicar cada minuto da vida à sua maior obra, a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês), que completa 35 anos de militância no mês que vem.

Foi preciso esperar uns 20 minutos até começar a entrevista para o livro “Psiconautas”, que sai agora em maio pela Editora Fósforo. Rick discutia com um aliado os próximos passos após o sucesso do debate sobre medicina psicodélica do dia anterior no Instituto Broad, iniciativa conjunta da Universidade Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) consagrada à genômica. Falava também da bem-recebida palestra recente para uma reunião de chefes de polícia, na Flórida.

Graças em boa medida a sua persistência, substâncias psicodélicas como LSD, psilocibina, MDMA e DMT estão de volta ao panteão farmacológico da medicina, ainda que em fase experimental. Templos da biomedicina como o Imperial College de Londres, os hospitais Massachusetts General e Mount Sinai e as universidades de Nova York (NYU) e Johns Hopkins se apressam a abrir centros dedicados ao tema emergente de pesquisa clínica, seguindo a liderança da Maps.

Em 1986, contudo, era preciso muito tutano para criar uma ONG dessas apenas um ano depois de o governo americano proibir o MDMA. Primeira missão: processar a agência antidrogas DEA por isso. Era o auge da guerra às drogas deflagrada nos EUA pelo presidente Richard Nixon, que não via com bons olhos a crescente popularidade nas baladas de pílulas então conhecidas como ecstasy (hoje se fala mais MDMA, balinha, molly e até Michael Douglas).

Pílulas de ecstasy (MDMA) usadas em baladas (Divulgação/DEA)

O argumento de Rick era que não havia base científica para proscrever a droga empatógena –ao contrário– sob o pretexto de que não teria benefício para a saúde e carregaria potencial para criar dependência química. Mais de três décadas depois, ele caminha para vencer a disputa. Graças aos estudos patrocinados pela Maps, o MDMA é a substância psicodélica mais próxima de obter aprovação da FDA (agência americana de fármacos) para uso em tratamento psicoterápico para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Não deixa de ser ironia que um filho do movimento de objetores de consciência contra a Guerra do Vietnã, como Rick, se torne o campeão da luta por um remédio para aliviar o sofrimento psíquico de quase 900 mil veteranos de guerra americanos que padecem com TEPT. Não poucos desses ex-militares se tornam policiais e bombeiros, fechando a tríade de heróis que os conservadores dos EUA adoram cultuar.

Foi uma tacada de mestre da Maps e de Rick eleger esse transtorno e uma droga não alucinogênica para o teste clínico, alargando assim a trilha aberta pela descriminalização da maconha, que também começou pelo uso medicinal. Alguns estados americanos já começam a modificar suas leis e regulamentos para admitir o uso terapêutico de substâncias como psilocibina (psicoativo originalmente extraído dos cogumelos Psilocybe), com resultados promissores contra depressão e outros distúrbios mentais.

Psilocybe mexicana, cogumelo psicodélico (Creative Commons)

A Maps prepara agora a publicação dos resultados dos estudos clínicos de fase 3 realizados com MDMA para TEPT. Com isso, já tendo obtido acesso a uma via rápida de licenciamento na FDA como terapia revolucionária (breakthrough therapy), estima-se que o tratamento possa ser aprovado em 2022.

Não há dúvida de que Rick e a Maps têm mesmo muito o que comemorar.

 

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Ecstasy está mais perto de virar terapia para estresse pós-traumático https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/12/24/ecstasy-esta-mais-perto-de-virar-terapia-para-estresse-pos-traumatico/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/12/24/ecstasy-esta-mais-perto-de-virar-terapia-para-estresse-pos-traumatico/#respond Thu, 24 Dec 2020 11:04:17 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/EcstasyPilulas-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=201 Este horroroso 2020 termina com um presente de Natal para estimados 350 milhões de pessoas no mundo que sofrem com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT): o advento, talvez em dois anos, de um novo tratamento para quem não melhora com as alternativas disponíveis. É a psicoterapia assistida por MDMA (base do ecstasy, droga das baladas).

Nos Estados Unidos, o ecstasy medicinal pode chegar em 2023. No Brasil, quem sabe uma mudança de governo em 2022 venha também reabrir as portas da medicina psicodélica. Basta sobreviver a 2021 e à pandemia de Covid, que decerto infernizou ainda mais o sofrimento cotidiano dos portadores de TEPT.

A boa nova foi anunciada há poucos dias por Rick Doblin, fundador e diretor executivo da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês), que levantou doações de US$ 30 milhões (cerca de R$ 157 milhões) para o primeiro teste clínico de fase 3 da terapia com MDMA. Terminou a coleta de dados do ensaio MAPP1, iniciado em 2017, com o último de 90 voluntários submetidos ao teste em agosto.

Doblin anunciou que a análise das informações colhidas demonstrou que os dados são estatisticamente significativos e que o estudo clínico, portanto, foi bem-sucedido. No teste, cada voluntário participou de 12 sessões de psicoterapia, 3 delas com administração de 80 ou 120 miligramas de MDMA.

“Os resultados obtidos pela Maps com o método de psicoterapia assistida por MDMA para tratamento de casos graves de transtorno de estresse pós-traumático consolidam essa pesquisa científica de muitos anos como um dos avanços médicos mais importantes para a próxima década”, comemora o neurocientista Eduardo Schenberg, do Instituto Phaneros.

Schenberg é o autor principal de um estudo pioneiro no Brasil com MDMA para vítimas de abuso sexual. O trabalho publicado este ano na Revista Brasileira de Psiquiatria mostrou redução de pelo menos 30% em escala para diagnóstico de TEPT, seguindo o protocolo de psicoterapia desenvolvido pela Maps.

(Reprodução)

“A saúde mental pós-vacinação [contra Covid-19] dependerá de avanços baseados nas mais rigorosas evidências científicas, e para isso será imprescindível que as resoluções da Anvisa em vigor e atualizadas neste ano sejam respeitadas”, diz Schenberg, “garantindo assim que mais estudos científicos de ponta com substâncias controladas possam ser realizados no país.”

Bessel van der Kolk, autor do livro sobre TEPT The Body Keeps the Score (o corpo registra tudo, em tradução livre) e líder da parte da pesquisa realizada em Boston, comentou: “A experiência de ter sido traumatizado altera profundamente as percepções, a experiência de si e a capacidade de planejar, imaginar e antecipar. Como os achados deste estudo espelham os resultados anteriormente publicados, podemos esperar ver mudanças fundamentais na perspectiva de nossos voluntários sobre autonomia, regulação de afetos e atitude em relação àqueles que os cercam. É preciso uma boa dose de coragem para enfrentar a própria TEPT, particularmente quando outros tratamentos já falharam”.

O teste clínico de fase 3 da Maps é o mais adiantado no mundo com vistas a sacramentar a prescrição de substância psicodélica para tratar um transtorno mental. O estudo ganhou da FDA (agência de fármacos dos EUA) o status de terapia inovadora (“breakthrough therapy”), uma via acelerada para obtenção da licença, e foi conduzido em 15 centros de pesquisa (11 nos EUA, 2 em Israel e 2 no Canadá).

Reprodução/Maps

“Agora podemos dizer com certeza que os US$ 30 milhões (…) serão suficientes para gerar todos os dados de pesquisa que precisamos antes de submeter uma NDA [requisição de medicamento novo, na sigla em inglês] à FDA, e depois à Health Canada e ao Ministério de Saúde israelense”, afirmou Doblin no comunicado da Maps.

“A fim de levar o potencial terapêutico da psicoterapia assistida por MDMA para TEPT aos estimados 350 milhões de pessoas no mundo que sofrem com o transtorno, a Maps está lançando agora uma nova campanha de US$ 30 milhões de fundos necessários para conduzir pesquisa de fase 3 na Europa, em busca de aprovação pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e de globalizar a autorização regulatória em vários países do mundo.”

Na visão da Maps, a aprovação abrirá caminho para que se instalem milhares de clínicas especializadas em psicoterapia psicodélica espalhadas pelo mundo. Elas começariam com MDMA e, à medida que a regulação avance, passariam a prescrever também outras substâncias controladas, a exemplo da psilocibina (composto psicoativo dos cogumelos “mágicos”), para pessoas com outros transtornos, como depressão, dependência química e anorexia.

Doblin termina o comunicado com uma mensagem de otimismo:  “Nossos esforços estão abrindo o caminho, ajudando outras organizações psicodélicas e esforços de reforma de políticas de drogas psicodélicas na direção do objetivo de longo prazo de saúde mental de massa, transitando ao final para um mundo com zero trauma e aumento de espiritualidade, tolerância e cuidado com o ambiente”.

Em poucas palavras, tudo aquilo de que mais necessitamos no Brasil.

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Suíços questionam papel terapêutico de alucinações e dissolução do ego https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/suicos-questionam-papel-terapeutico-de-alucinacoes-e-dissolucao-do-ego/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/suicos-questionam-papel-terapeutico-de-alucinacoes-e-dissolucao-do-ego/#respond Mon, 23 Nov 2020 21:19:14 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/PensadorPsicodelicoJRKorpaPixabay-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=114 As alterações visuais e o apagão das fronteiras do self são efeitos típicos de psicodélicos clássicos como LSD, ayahuasca e psilocibina (cogumelos “mágicos”), mas não da MDMA (ecstasy). Estudo suíço com a última substância vem pôr em dúvida que alucinações e dissolução do ego sejam componentes necessários do benefício terapêutico desses compostos, atualmente sob investigação.

Todos eles vêm sendo testados como potenciais tratamentos para transtornos mentais, com destaque para a depressão. Pela ausência de “viagens”, entretanto, muitos nem consideram a MDMA um verdadeiro psicodélico, preferindo chamá-la de empatógeno (causador de empatia) ou entactógeno (facilitador de contato interior), para distingui-la dos alucinógenos.

Essas drogas atuam sobre receptores do neurotransmissor serotonina, envolvido na modulação de várias funções (humor, sono, libido etc.), em especial o receptor rotulado como HT2A, de onde se originaria seu efeito antidepressivo. Afetam também outros neurotransmissores, como a dopamina (MDMA ainda tem efeito sobre a noradrenalina).

Apesar dessas diferenças marcantes com os compostos clássicos, MDMA foi o que mais avançou na trilha de autorização para tratar uma condição específica, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). É o carro-chefe da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, na abreviação em inglês) na corrida à FDA, agência de fármacos dos EUA, para aprovar novos tratamentos.

Comprimidos de ecstasy adulterado identificados em pesquisa que encontrou anfetamina, metanfetemina,cetamina, cafeína etc. nas pílulas (Eduardo Knapp/Folhapress-2012)

Felix Müller e colaboradores da Universidade da Basileia decidiram investigar a hipótese de que efeitos psicodélicos tradicionais constituam apenas um epifenômeno da ingestão dessas drogas. Vale dizer, um efeito colateral sem relação com o impacto terapêutico esperado.

No artigo publicado sexta-feira (20) no periódico Neuropharmacology eles não explicitam que viagens representam a grande fonte de preconceito contra as terapias psicodélicas, por causa da associação com a contracultura e a reação proibicionista. Mas isso tem algo a ver com a escolha do ecstasy pela Maps, assim como o TEPT –um transtorno mental de veteranos de guerra, heróis por excelência de conservadores americanos.

Os pesquisadores da Suíça esmiuçaram efeitos no cérebro de 45 pessoas que tomaram MDMA ou placebo. Fizeram isso com ajuda de imagens de ressonância magnética funcional, que mapeiam a atividade em diversas regiões e redes cerebrais.

No foco principal esteve a rede de modo padrão, mais conhecida pela sigla em inglês DMN. Esse conjunto de conexões entre áreas cerebrais está relacionado com introspecção e se mostra ativo demais em distúrbios que implicam ruminações de pensamentos e sentimentos negativos, como a depressão.

Áreas e redes cerebrais investigadas no artigo da revista Neuropharmacology (Reprodução)

Atribui-se ao relaxamento da DMN o efeito antidepressivo dos psicodélicos, já constatado com ayahuasca em pioneiro teste clínico controlado brasileiro e também em ensaios avançados com psilocibina. Os suíços constataram um padrão semelhante de redução nas conexões internas dessa rede sob efeito da MDMA, assim como em outras áreas.

Como o ecstasy não origina alucinações nem dissolução do ego, surge de pronto a pergunta sobre a contribuição ao benefício terapêutico oferecido por essas alterações psíquicas mais características, se é que têm alguma. O conteúdo das visões, assim como a experiência mística associada à dissociação do ego, vistos desse ângulo, poderiam ser menos importantes para o tratamento do que se supôs até agora.

Não deixa de ser um reforço para a perspectiva que privilegia o enquadramento neurofarmacológico das terapias psicodélicas, do qual emergiria em destaque a MDMA. Cairiam para um segundo plano, assim, as psicoterapias psicodélicas clássicas que mobilizam a dissociação egoica como componente pivotal do que se poderia descrever como reset terapêutico.

O psiquiatra Luís Fernando Tófoli, da Unicamp, ressalva que a MDMA é também o composto menos seguro na aplicação clínica, por atuar sobre a noradrenalina, que acelera batimentos cardíacos. São conhecidos, ainda que raros, os casos de hipertermia (superaquecimento) e até mortes em decorrência do uso recreativo de ecstasy em baladas.

“Não é o caso de dispensar uma nem outra opção. Precisamos de mais pesquisas sobre os entactógenos, sobre quais casos psiquiátricos têm potencial”, recomenda Tófoli. “É importante pesquisar todos os compostos, sem desprezar o potencial terapêutico dos psicodélicos clássicos.”

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