Virada Psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental Wed, 01 Dec 2021 01:26:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Empresa anuncia resultados de maior teste de psilocibina para depressão https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/empresa-anuncia-resultados-de-maior-teste-de-psilocibina-para-depressao/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/empresa-anuncia-resultados-de-maior-teste-de-psilocibina-para-depressao/#respond Tue, 09 Nov 2021 21:10:07 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/COMPASSpacienteFalso-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=743 A empresa britânica Compass Pathways divulgou nesta terça-feira (9) resultados preliminares do maior ensaio clínico sobre psicoterapia com psilocibina para depressão resistente a tratamento. Concluíram o estudo 209 dos 233 pacientes recrutados em centros de dez países (EUA e Europa).

O anúncio da Compass, firma envolta em controvérsias, veio por comunicado a investidores e à imprensa, e não por publicação em periódico científico após análise crítica de especialistas (“peer review”). Não por acaso, foi feito no mesmo dia em que a empresa publicou resultados financeiros do terceiro trimestre de 2021.

No teste, os pacientes foram alocados em três grupos, que receberam 25mg, 10mg ou 1mg, respectivamente, da substância originalmente obtida de cogumelos ditos “mágicos”. O objetivo deste ensaio de fase 2 era estabelecer a dose ótima para o teste clínico de fase 3 que a Compass pretende iniciar em 2022 para obter aprovação do tratamento talvez já em 2024.

O comunicado destaca que 36,7% dos participantes no grupo de 25mg tiveram resposta positiva após três semanas, ou seja, diminuição de sintomas de depressão grave na escala padronizada MADRS. Em comparação, entre os que tomaram a dose quase inócua de 1mg, apenas 17,7% tiveram a mesma resposta, uma diferença estatisticamente significativa.

Mais ainda, 29,1% estavam em remissão no primeiro contingente, contra 7,6% no segundo. Para a dose intermediária (10mg), não se obtiveram resultados com diferenças estatisticamente relevantes.

“Este é um momento importante e animador para a comunidade de cuidados com saúde mental”, disse no comunicado da Compass o neurocientista Robin Carhart-Harris, estrela da ciência psicodélica que se mudou do Imperial College de Londres para a Universidade da Califórnia em São Francisco. Carhart-Harris esteve à frente de dois estudos pioneiros de psilocibina para depressão, no Imperial College, o primeiro sem grupo de controle e o segundo, publicado em abril, comparando-a com o antidepressivo escitalopram (Lexapro).

“[O estudo da Compass] se apoia sobre mais de duas décadas de pesquisa a respeito da viabilidade de compostos psicodélicos para tratar condições de saúde mental e demonstra o potencial que têm para ajudar pessoas que vivem com depressão resistente [a tratamento]. É encorajador ver como progrediu esse campo nos últimos 20 anos, e estou na expectativa pela continuação a pesquisa.”

Sala preparada para psicoterapia assistida por psilocibina (Divulgação/Compass Pathways)

Nove entre dez registros de efeitos adversos durante o experimento foram considerados leves, como dores de cabeça, náuseas, insônia e fadiga. Mas houve 12 pacientes com colaterais mais sérios, como ideações e comportamentos suicidas –ocorrências nada incomuns nesses pacientes, pois até um terço dos 100 milhões de indivíduos no mundo com depressão resistente tentam suicidar-se ao menos uma vez na vida.

A Compass enfrenta resistência de parte da comunidade psicodélica por seu modelo de negócios baseado em propriedade intelectual sobre o poder curativo de uma substância em uso há séculos por comunidades tradicionais e clínicas alternativas. Os adeptos da modalidade de ciência aberta questionam as cinco patentes já concedidas à empresa nos EUA.

Criou-se até um portal com informações para municiar escritórios nacionais de propriedade intelectual (Porta Sophia), na expectativa de que seus funcionários reconheçam a falta de ineditismo. No estado americano de Oregon, a psicoterapia assistida por psilocibina está em fase de regulamentação, sem esperar pela aprovação da FDA (agência de fármacos dos EUA).

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Mais quatro boas novas da ciência psicodélica, uma delas do Brasil https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/10/11/mais-quatro-boas-novas-da-ciencia-psicodelica-uma-delas-do-brasil/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/10/11/mais-quatro-boas-novas-da-ciencia-psicodelica-uma-delas-do-brasil/#respond Mon, 11 Oct 2021 15:00:26 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/chacronafolha-287x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=682 Escrever uma página sobre ciência psicodélica está se tornando um desafio, tantas são as notícias que chegam. Em alguns dias, a saída pode ser abrir mão de notas aprofundadas em favor de registros curtos, como estes de quatro países –começando pela prata da casa.

Destaque do Brasil

O pesquisador Rafael Guimarães dos Santos, da USP de Ribeirão Preto, foi relacionado pelo serviço Expertscape entre os cinco mais destacados especialistas em alucinógenos do mundo nos últimos dez anos. Guimarães dos Santos figura em quinto lugar no topo de 0,1% de cientistas que publicam artigos sobre psicodélicos.

Ele fica atrás apenas de Robin Carhart-Harris (Universidade da Califórnia em São Francisco), David Nutt (Imperial College), Matthew Johnson (Johns Hopkins) e David Nichols (Universidade da Carolina do Norte). O Expertscape compila o ranking com dados da base PubMed.

Já na classificação compilada a partir do termo DMT (dimetiltriptamina, componente psicoativo do chá ayahuasca ou daime), o brasileiro salta para o primeiro lugar. Não chega a surpreender, porque a USP de Ribeirão é um tradicional centro de pesquisa de ayahuasca, sob liderança de Jaime Hallak.

Novo centro no Canadá

A Nikean Foundation, criada pelo empresário de tecnologia Sanjay Singhal, doou US$ 5 milhões (R$ 28 milhões) para a Rede de Saúde da Universidade de Toronto, que reúne hospitais-escola e setores de pesquisa biomédica da instituição. A doação se destina a criar o Centro Nikean de Pesquisa em Psicoterapia Psicodélica, com a missão de investigar novas terapias para condições como anorexia, depressão, dependência química, ansiedade e estresse pós-traumático.

Singhal fez fortuna ao criar o serviço Audiobooks.com, que depois vendeu. A partir de sua própria experiência com problemas de saúde mental, ele havia assumido em 2020 o compromisso de financiar a participação da rede no chamado renascimento psicodélico.

“A reputação da Rede de Saúde da Universidade como um líder mundial em pesquisa de saúde mental, com seu time de experts e especialistas dedicados à exploração de terapias psicodélicas baseadas em evidências, ajudará a avançar nossa compreensão dos medicamentos psicodélicos e o impacto positivo que têm sobre a saúde mental”, afirmou Singhal num comunicado.

“Ao aceitar esta doação, [a rede] envia uma mensagem poderosa de que o Canadá leva a sério a pesquisa psicodélica e o enfrentamento da crise existencial de saúde mental que afeta as massas. Devemos a esta geração e à próxima iniciar o processo de cura, por isso encorajo outros [doadores] a se juntar à Nikean nesta empreitada importante.”

O novo centro será dirigido pela psiquiatra Susan Abbey, especialista no estudo da modalidade de meditação “mindfulness”. A seu lado na direção estará Emma Hapke, que adquiriu experiência em psicoterapia assistida por psicodélicos atuando como pesquisadora da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps).

Reclassificação na Austrália

Uma revisão independente encomendada pela Administração de Produtos Terapêuticos (TGA) do governo da Austrália emitiu parecer favorável ao potencial de psicodélicos. para tratar transtornos mentais resistentes às terapias disponíveis. A comissão ressalvou que o uso deve acontecer em ambiente clínico com supervisão intensiva de pessoal médico, noticiou a rede ABC .

A TGA estuda no momento a possibilidade de rebaixar a classificação dos psicodélicos MDMA (base do ecstasy) e psilocibina (de cogumelos “mágicos”) de substâncias “proibidas” para “controladas”. A reclassificação permitiria seu uso clínico, mas a decisão final só será tomada em dezembro.

Paciente de 14 anos no consultório de psiquiatra com quem trata de quadro depressivo, com episódios de automutilação e tentativa de suicidio (Eduardo Knapp/Folhapress-17.out.2019)

Contra suicídios nos EUA

A notícia é de abril, mas havia deixado passar: o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) dos Estados Unidos aprovou seis projetos de investigação de terapia psicodélica para prevenção de suicídios com cetamina, anestésico de amplo uso que vem sendo empregado contra depressão, e escetamina, uma variante da mesma molécula. Dois outros financiamentos buscam o mesmo objetivo com estimulação magnética transcraniana.

Ocorrem a cada ano mais de 800 mil suicídios no mundo, pelos menos 6% disso nos EUA. Há indícios de que as tentativas podem estar crescendo com a pandemia de Covid-19, em especial entre profissionais de saúde, desempregados, convalescentes com sequelas (Covid longa) e parentes de vítimas do coronavírus.

Segundo o comunicado do NIMH, taxas de suicídio já vinham aumentando nos EUA há duas décadas. Estudos mostram que o sistema de saúde pode fazer mais para diminuir o risco, se dispuser de intervenção rápida baseada em evidências, pois 80% das pessoas que se matam passaram por atendimento nos 12 meses antes da morte, um quarto delas na semana anterior.

A cetamina, que tem efeito dissociativo similar ao de psicodélicos clássicos, mas bem mais breve (menos de uma hora), diminui sintomas de depressão. Parece também atuar para arrefecer ideações suicidas.

A farmacêutica Janssen se baseou na variante escetamina para lançar o medicamento antidepressivo Spravato na forma de spray nasal. Mas testes clínicos não apresentaram resultados estatisticamente robustos o bastante para indicação na bula como eficaz contra ideação suicida.

Além disso, um estudo de custo-benefício não recomendou o remédio para uso em saúde pública, mesmo porque existe a alternativa mais barata da cetamina (injetável). A Anvisa licenciou o Spravato no Brasil.

Dois dos seis projetos do NIMH envolvem risco de suicídio de adolescentes. Os centros de pesquisa financiados pertencem às universidades de Pittsburgh, Columbia, Texas, Yale e Cleveland Clinic.

No Brasil, o grupo de Rafael Guimarães dos Santos na USP de Ribeirão Preto estuda o potencial da ayahuasca na prevenção de suicídios. Com a tragédia da Covid amplificada pela desumanidade de Bolsonaro, vamos precisar, e muito, de tudo que possa combater a presente epidemia de tristeza.

Livro

(Reprodução)
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Psicodélico empata com antidepressivo e pode ganhar partida nos pênaltis https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/14/psicodelico-empata-com-antidepressivo-e-pode-ganhar-partida-nos-penaltis/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/04/14/psicodelico-empata-com-antidepressivo-e-pode-ganhar-partida-nos-penaltis/#respond Wed, 14 Apr 2021 21:00:45 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/DepressaoLeticiaMoreiraFolhapress-300x200.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=411 Apoio científico importante para o renascimento psicodélico sai nesta quarta-feira (14) no New England Journal of Medicine (NEJM), o periódico médico mais lido e citado no mundo: em confronto direto com o antidepressivo escitalopram (Lexapro), o psicodélico psilocibina demonstrou bom desempenho ao reduzir sintomas de depressão.

Poucas pessoas não conhecem alguém tratado com escitalopram ou outro remédio para depressão. É o mal psíquico do século 21, agravado agora pelo flagelo da Covid-19, e pelo menos um terço dos deprimidos não se dá bem com esses medicamentos, os modernos inibidores seletivos de reabsorção de serotonina (ISRS).

Um empate estatístico como o descrito no NEJM já seria grande notícia para substâncias psicodélicas, ora em vias de retornar à farmacopeia da psiquiatria. O autor principal do artigo do Imperial College de Londres, no entanto, vai além e indica que o composto dos “cogumelos mágicos” se sai melhor na disputa dos pênaltis, por assim dizer.

A metáfora futebolística cai bem para descrever a interpretação apresentada em tuítes, nos últimos dias, por Robin Carhart-Harris. Estrela da vanguarda psicodélica, ele acaba de ter seu passe comprado do Imperial pela Universidade da Califórnia em São Francisco, cujo centro de neurociência Neuroscape criou para Carhart-Harris a cátedra Ralph Metzner, dotada com US$ 4 milhões (quase R$ 23 milhões).

RCH parece querer evitar a conclusão de que seu estudo apresenta uma conclusão desfavorável para a psilocibina, substância originalmente extraída de fungos do gênero Psilocybe (em testes clínicos se usam fórmulas sintéticas). Isso porque o artigo na NEJM deixa claro que o desfecho (resultado) principal buscado na investigação com 59 voluntários portadores de depressão moderada não produziu diferença estatisticamente significativa entre o psicodélico e o escitalopram.

Três dezenas de participantes caíram no grupo que recebeu a psilocibina, e os outros 29 tomaram o antidepressivo. No primeiro caso, duas doses de 25 mg do psicodélico separadas por 21 dias, mais seis semanas de placebo; no outro, doses inócuas de psilocibina (1 mg) no mesmo intervalo e seis semanas de escitalopram.

Todos os 59 desconheciam qual dose de psilocibina ingeriam (assim como os experimentadores). E todos foram submetidos a várias sessões de orientação, psicoterapia e monitoramento de efeitos adversos ou sintomas depressivos ao longo das nove semanas de duração do experimento.

Observou-se melhora nos dois contingentes de voluntários, com base na escala de depressão QIDS-SR-16, que tem um máximo de 29 pontos –quanto mais pontos, pior o transtorno. O grupo da psilocibina partiu de um escore mediano de 14,5 e perdeu 8 pontos (redução de 55%); entre os que tomaram escitalopram, a pontuação inicial foi de 16,4 e a redução, de 6 pontos (-37%). Pelo desenho estatístico, a divergência não se provou significativa.

As conclusões do artigo são bem cuidadosas: “Com base na mudança em escores de depressão na QIDS-SR-16 na sexta semana, este ensaio não mostrou uma diferença significativa em efeitos antidepressivos entre psilocibina e escitalopram num grupo selecionado de pacientes”, advertem os autores.

Eles ressalvam que “desfechos secundários [outras escalas padronizadas sobre bem-estar etc.] em geral favoreceram a psilocibina sobre o escitalopram”. RCH e colaboradores, entre eles a farmacologista brasileira Bruna Giribaldi, recorrem à fórmula típica de artigos médicos para sinalizar cautela: “Ensaios maiores e mais longos são necessários para comparar psilocibina com antidepressivos estabelecidos”.

Em contato por email com o blog, o neurocientista britânico revelou que, pessoalmente, não tem planos de empreender novos estudos sobre depressão na Califórnia. Não deixa de ser curioso, tendo em vista que seu time no Imperial foi um dos pioneiros em investigar psilocibina para depressão, com trabalho publicado em 2016.

Na mesma mensagem RCH ofereceu uma interpretação mais positiva dos resultados que a apresentada no artigo. “O [desfecho] primário falhou, mas os secundários todos mostraram significativa superioridade em favor da psilocibina, [algo] bem notável, eu diria”, comentou. “Suspeito que o [desfecho] primário falho seja um falso negativo, em face do panorama mais amplo.”

Dráulio de Araújo, físico neurocientista do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e autor do primeiro estudo no mundo a comparar o efeito antidepressivo de um psicodélico (ayahuasca) contra placebo, saudou o artigo na NEJM como um marco para a ciência psicodélica –isso apesar de o trabalho britânico não incluir grupo de controle com placebo.

“Considero o estudo muito bem-conduzido, embora com o desenho metodológico um pouco complicado, que parece favorecer o escitalopram –e mesmo assim o efeito robusto da psilocibina se mantém”, disse o pesquisador da UFRN, que planeja comparar o efeito antidepressivo da ayahuasca com o anestésico cetamina. “É um dado surpreendente.”

Com Araújo concorda o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), seu coautor no trabalho sobre ayahuasca. “O fato de a resposta ter sido a mesma no desfecho primário para um antidepressivo que é reputado entre os melhores dos ISRS é um feito e tanto para a psilocibina”, avalia.

“Considerando o preconceito que a terapia baseada em psicodélicos sofreu ao longo de décadas, empatar com um tratamento consolidado é uma vitória não desprezível.”

Para o psiquiatra, o ideal seria que o estudo tivesse um terceiro braço, com apenas uma dose irrisória de psilocibina e placebo (sem psilocibina e sem escitalopram). Também há a desvantagem de o estudo ser relativamente curto: “Não sabemos quanto os efeitos antidepressivos de um lado e do outro se sustentariam, se ampliariam ou se reduziriam”, ressalva. “A depressão é um mal crônico, e essa não é uma informação desprezível.”

“Ainda assim, o estudo é alvissareiro para as potencialidades abertas pela psiquiatria psicodélica. Sobre os desfechos secundários, embora sistematicamente eles tenham sidos melhores para o grupo da psilocibina, o próprio estudo pede que eles sejam desconsiderados, pois não foi possível fazer o cálculo estatístico.”

Para saber mais: meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” será publicado dia 17 de maio pela Editora Fósforo.

 

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Estudos atestam benefício de psilocibina, ayahuasca e LSD para deprimidos https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/12/estudos-atestam-beneficio-de-psilocibina-ayahuasca-e-lsd-para-deprimidos/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/12/estudos-atestam-beneficio-de-psilocibina-ayahuasca-e-lsd-para-deprimidos/#respond Thu, 12 Nov 2020 19:13:45 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/IlustracaoRodrigoVisca-300x156.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=88 Apenas um dia após a vitória de Joe Biden, a Universidade Johns Hopkins (JHU) ampliou a janela de otimismo com uma boa nova: a psilocibina de cogumelos “mágicos” diminui rapidamente sintomas de depressão, como indicavam estudos preliminares.

A mesma conclusão aparece reforçada com robusto trabalho estatístico da pesquisadora brasileira Nicole Galvão-Coelho, do grupo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que pesquisa ayahuasca. A novidade aqui é a confirmação da presença dos psicodélicos clássicos DMT (presente na ayahuasca) e LSD no rol de potenciais e potentes antidepressivos.

Nunca é demais lembrar que LSD e psilocibina são drogas proibidas, inclusive no Brasil. Aqui, só o uso religioso da ayahuasca está autorizado.

A aplicação desses compostos contra transtornos mentais é ainda experimental, vale dizer, psiquiatras não estão em princípio autorizados a receitá-los. Apesar disso, a descriminalização da psilocibina avança em cidades e estados americanos.

Começando pela notícia sobre psilocibina: não foi o primeiro teste clínico com o composto psicodélico originalmente extraído de fungos Psilocybe, mas foi até aqui o mais promissor, porque randomizado. Ou seja, por ter comparado dois grupos entre os quais participantes foram distribuídos por sorteio.

O novo artigo científico da JHU foi liderado por um bambambã da área, Roland Griffiths, cabeça do Centro para Pesquisa Psicodélica e da Consciência criado na Johns Hopkins há um ano. O trabalho saiu no periódico JAMA Psychiatry, da Associação Médica Americana.

Em 2016 seu grupo já tinha comprovado redução de ansiedade em pessoas com tipos letais câncer. O benefício se mantinha mesmo seis meses após uma única dose alta de psilocibina.

Artigo de Roland Griffiths em Science Reports sobre psilocibina e neuroplasticidade
Diagrama mostra fortalecimento (vermelho) e enfraquecimento (azul) entre regiões do cérebro 1 semana e 1 mês após alta dose única de psilocibina (Reprodução)

Em fevereiro passado, o mesmo laboratório publicou outro estudo demonstrando que os efeitos emocionais da viagem com a substância dos cogumelos duram sete dias. Além disso, comprovou que novas conexões cerebrais –provável explicação para o efeito antidepressivo– permaneciam um mês depois.

O trabalho mais conhecido sobre psilocibina para depressão partiu da equipe de David Nutt e Robin Carhart-Harris no Imperial College de Londres. Também em 2016, eles publicaram na Lancet Psychiatry bons resultados de um teste com 12 portadores de depressão resistente a tratamento, com redução de sintomas três meses após duas doses de psilocibina ministradas com sete dias de intervalo. No entanto, não houve comparação com outro grupo.

Neuroplasticidade, rede de modo padrão, psicodélicos
Atividade registrada no cérebro sob efeito de LSD à dir. e de placebo à esq. (Divulgação/Imperial College, Beckley Foundation

Griffiths e seus colegas inovaram ao distribuir 24 participantes com depressão, aleatoriamente, em dois contingentes. O primeiro foi tratado com psilocibina de imediato, enquanto os outros tiveram de aguardar oito semanas, uma forma de criar uma amostra de controle e, assim, tentar discriminar eventual melhora espontânea de sintomas no período de expectativa do efeito exclusivo da droga.

Constatou-se já no primeiro dia após a dose uma redução nos sintomas de depressão, medidos por questionários e escalas padronizados. Passadas quatro semanas, metade do grupo ainda estava em remissão, com escores insuficientes para diagnóstico de depressão maior –uma surpresa para Griffiths, como ele conta em vídeo divulgado pela JHU (disponível em inglês; há também comunicado em espanhol da universidade).

O pesquisador explica que a depressão maior (categoria usada nos EUA) afeta 10% da população americana. O custo anual para a sociedade americana seria da ordem de US$ 210 bilhões (R$ 1,1 trilhão, o equivalente a 1/7 do PIB brasileiro).

Na avaliação de Griffiths, o estudo veio reforçar a perspectiva de a psilocibina terminar autorizada como medicamento, uma vez que dois grandes grupos (Compass Pathways e Uzona) já se preparam para realizar testes clínicos com vistas à licença para comercialização da FDA, agência de fármacos dos EUA. Mas isso deve demorar 4 a 6 anos, pela sua estimativa.

“Em vez de martelar uma parede, de repente eu estava martelando um prego”, descreve um dos 24 participantes do estudo em outro vídeo divulgado pela JHU (também apenas em inglês). Foi sua maneira de exemplificar a baixa eficácia dos tratamentos a que se submetera por mais de dez anos, sem sucesso real para calar o que chamou de “crítico interior” a paralisá-lo.

O jovem comparou o reset cerebral que experimentou com a psilocibina ao que acontece com argila. A mente do deprimido seria como uma massa de barro seco, com o qual não se consegue moldar nada. A dose psicodélica equivaleria a lhe adicionar água, tornando-a maleável de novo.

Essa neuroplasticidade e a ação anti-inflamatória de psicodélicos como a DMT da ayahuasca são o campo de pesquisa da fisiologista Nicole Galvão-Coelho, da UFRN, que faz atualmente um pós-doutorado na Universidade de Western Sydney (Austrália). Ela informou a este blog que teve mais um artigo sobre o assunto aceito para publicação.

A pesquisadora integrou o grupo de Dráulio Araújo, do Instituto do Cérebro da UFRN, que publicou em 2019 o primeiro teste randomizado controlado por placebo, no mundo, de um psicodélicopara depressão (ayahuasca, no caso). Apesar de pioneiro, o estudo peregrinou por uma dúzia de publicações científicas antes de ser aceito.

O novo trabalho, que sairá no periódico Psychopharmacology, não é pesquisa de laboratório, mas uma meta-análise –artigo que reúne dados de vários estudos experimentais para robustecer a evidência estatística de eficácia para determinados tratamentos. No caso, o benefício de psicodélicos clássicos para quem sofre de depressão.

Galvão-Coelho listou, com seus colegas australianos, 12 testes clínicos sobre efeitos de psilocibina, DMT e LSD em pacientes deprimidos. Em lugar de 1 ou 2 dezenas de participantes, como é usual nesses estudos preliminares com psicodélicos, a amostra reunida abarca 257 pessoas, 124 delas sem sintomas de depressão e 133 com o transtorno mental.

Os critérios de inclusão foram bem restritivos, pois o levantamento só tratou de ensaios clínicos randomizados com grupo de controle baseado em placebo (substância inócua ou dose mínima do composto em teste, incapaz de desencadear viagens psicodélicas). Os artigos da JHU e do Imperial mencionados acima, por exemplo, ficariam de fora.

A coleção encorpada de resultados medidos depois de doses médias e altas de LSD, ayahuasca ou psilocibina vem fortalecer a conclusão: sim, psicodélicos reduzem os sintomas de depressão significativamente, do ponto de vista estatístico, tanto de imediato (3 a 24 horas) quanto em prazo mais largo (16 a 60 dias).

Estima-se que 10% da população brasileira sofra com depressão, mais de 20 milhões de pessoas, contingente que deve aumentar sob a pandemia de Covid-19 e a confusão sanitária comandada por Jair Bolsonaro. Mas elas terão de esperar bem mais que os 4 ou 6 anos previstos por Roland Griffiths para contar com novos antidepressivos, se as pesquisas científicas desprezadas no Brasil seguirem confirmando o potencial dos psicodélicos.

 

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Anvisa aprova spray nasal psicoativo para tratar depressão grave https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/05/anvisa-aprova-spray-nasal-psicoativo-para-tratar-depressao-grave/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/05/anvisa-aprova-spray-nasal-psicoativo-para-tratar-depressao-grave/#respond Thu, 05 Nov 2020 13:03:14 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/DEpressaoAdolescenteKnapp2019-300x199.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=76 A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou terça-feira (3) a comercialização do medicamento Spravato, um spray nasal para tratar pessoas que tomaram sem sucesso dois medicamentos antidepressivos, a chamada depressão resistente. Poucos sabem, mas a escetamina (ou esquetamina), é uma droga psicodélica.

A venda ainda depende de fixação de preço, o que pode demorar até três meses. Para tanto, o laboratório Janssen precisa que o remédio passe pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), um órgão interministerial.

Em mercados estrangeiros, como União Europeia, EUA e Canadá, o preço da dose está em torno de US$ 240 (cerca de R$ 1.300). A recomendação do laboratório é aplicação semanal nos primeiros 1 ou 2 meses, seguida de manutenção com doses a cada 1 ou 2 semanas. Uma terapia continuada, portanto, pode custar milhares de dólares.

Estima-se que 300 milhões de pessoas no mundo sofram com depressão. No Brasil, seriam 10-12 milhões, 30-40% dos quais apresentam a forma resistente aos antidepressivos mais comuns.

Um estudo de custo-efetividade concluiu que a escetamina não se presta para larga utilização em saúde pública. Para tanto, o spray teria de custar cerca de 40% menos, na estimativa de Eric Ross, do Hospital McLean (afiliado à Escola Médica Harvard).

Spravato, da Janssen, princípio aito escetamina, para depressão resistente a tratamento
Ilustração do aplicador de spray nasal Spravato na bula do remédio (Reprodução)

Na realidade, não se trata de um novo medicamento. A substância escetamina é um dos componentes do anestésico cetamina (quetamina), em uso há muitos anos, que contém mistura de dois isômeros (variantes espelhadas da mesma molécula). A escetamina se constitui de apenas um deles, mais efetivo.

Ambas as drogas não são consideradas substâncias psicodélicas clássicas, como LSD e psilocibina, porque não agem sobre o sistema do neurotransmissor serotonina. Sua ação se dá sobre outro composto atuante nas sinapses, o glutamato, mas seu efeito –em geral prazeroso– também envolve dissociação psíquica, confusão mental e eventuais alucinações.

A cetamina tem sido usada para recreação na cena noturna, onde se tornou conhecida como “vitamina K” (de “ketamine”, o nome em inglês). Pode também aparecer como ingrediente de ecstasy adulterado, no qual traficantes misturam ao MDMA original coisas como anfetamina, metanfetamina e cafeína. Já se verificou que o uso prolongado de cetamina pode causar dependência.

 

Ecstasy adulterado identificados em pesquisa que encontrou anfetamina, metanfetemina,cetamina, cafeína etc. nas pílulas (Eduardo Knapp/Folhapress-2012)

Na forma do spray da Janssen, o remédio só poderá ser ministrado em ambientes controlados, como clínicas e hospitais, sob supervisão, pois há efeitos adversos. A droga tem outros impactos físicos, além dos psíquicos, como taquicardia e hipertensão. Por ser controlada e muito mais cara que a cetamina, espera-se que a escetamina não se converta em substância de abuso.

Conhece-se há pelo menos 15 anos o efeito antidepressivo da cetamina/escetamina, tanto que a primeira já vem sendo usada por meio de injeção intravenosa em consultórios psiquiátricos (com ou sem autorização especial da Anvisa). Uma de suas vantagens é a ação rápida, com diminuição dos sintomas de depressão em até 24 horas.

Muitos médicos a prescrevem na modalidade “off-label” (sem prescrição registrada) para prevenção de tendência ao suicídio. Mas os testes clínicos do Spravato não foram capazes de comprovar estatisticamente tal eficácia, como deixa claro a bula do remédio.

Mesmo assim, a aprovação da Anvisa inclui a indicação para quem tem ideações suicidas. A justificativa é que os estudos mostraram neles também uma melhora nas outras manifestações depressivas.

O psiquiatra Carlos Cais, especialista em prevenção de suicídio que coordena o Ambulatório de Transtornos da Ansiedade no Hospital de Clínicas da Unicamp, avalia que houve imprudência na disseminação terapêutica desse psicodélico. Entre outras razões, pela fama injustificada de ser eficaz contra tendências autodestrutivas.

“É um território sem lei”, diz ele. Na sua opinião, alguns colegas não estariam sendo rigorosos na triagem de pacientes que não devem usar cetamina, como os que têm transtorno de personalidade borderline.

Cais teme que a cetamina continue a dominar o contexto clínico, por ser mais barata que a escetamina da Janssen. Também receia que a onda conservadora no Brasil termine pondo ambas a perder, fechando uma porta que a ciência mal começou a abrir.

“Qualquer passo mal dado pode pôr tudo para trás. Tem muita gente buscando pretexto. A mistura de desinformação com leviandade pode queimar tudo”, alerta. “Não mudou o paradigma da prevenção do suicídio. O que não é surpresa, porque se trata de um fenômeno complexo.”

A Janssen afirma que a escetamina nasal funciona contra depressão por modular receptores do glutamato no cérebro que ajudam a restaurar as conexões sinápticas entre neurônios de pessoas com depressão. Seria surpreendente, contudo, se uma simples molécula pudesse, sozinha, desarmar ideações suicidas.

A explicação do laboratório se restringe ao vocabulário neurobioquímico, ainda a moldura intelectual predominante entre psiquiatras. No campo da ciência psicodélica, porém, considera-se que compostos como LSD, psilocibina e ibogaína funcionam porque a neuroplasticidade —formação de novas sinapses— abriria caminho alternativos para a pessoa que sofre contornar ideias fixas e comportamentos repetitivos.

Não deve ser diferente com a escetamina. Mas é compreensível que uma empresa farmacêutica prefira dissociar seu produto das viagens alucinantes que movimentaram a contracultura, relegando-as à condição de efeitos adversos.

 

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