Virada Psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental Wed, 01 Dec 2021 01:26:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Enquete global confirma força da ayahuasca contra álcool e drogas https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/enquete-global-confirma-forca-da-ayahuasca-contra-alcool-e-drogas/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/enquete-global-confirma-forca-da-ayahuasca-contra-alcool-e-drogas/#respond Sun, 08 Aug 2021 19:31:00 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/InnerVisionsCapa-300x186.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=560 Pesquisa na internet realizada por pesquisadores na Austrália, Brasil e Espanha atesta com base numa grande amostra aquilo que evidências anedóticas de igrejas da ayahuasca já indicavam: o chá psicodélico está diretamente relacionado com menor incidência de uso problemático de drogas, em particular o álcool.

O Projeto Ayahuasca Global colheu em 40 países testemunhos de 10.836 usuários do chá, dos quais 8.629 relataram uso de álcool ou drogas e foram incluídos na análise publicada em 25 de julho no periódico Drug and Alcohol Review. Dos oito autores, três atuam no Brasil: Emerita S. Opaleye (Unifesp), Luís Fernando Tófoli (Unicamp) e Nicole L. Galvão-Coelho (UFRN).

Alguns vão torcer o nariz para a ideia de tratar abuso de drogas com outra droga, mas a DMT da ayahuasca, o LSD e a psilocibina de cogumelos são especiais. Pouco tóxicos, não causam dependência química e estão de volta à pesquisa de tratamentos psiquiátricos, após meio século de proibicionismo, com o ímpeto de um renascimento psicodélico.

De depressão a anorexia, vários são os transtornos para os quais ensaios clínicos apontam aplicações terapêuticas promissoras. Tão promissoras que instituições acadêmicas como Imperial College, Johns Hopkins, Harvard, o hospital Mount Sinai e as universidades de Nova York e da Califórnia abriram centros de estudos específicos para psicodelia. Pipocam investimentos privados bilionários na novidade psicofarmacológica.

O centro mais recente surgiu em Melbourne, Austrália: Instituto Psychae, voltado a testes clínicos de compostos farmacêuticos para medicina psicodélica. Segundo noticiou o jornal The Sydney Morning Herald, o centro de pesquisa nasce com dotação de 40 milhões de dólares australianos (R$ 154 milhões) doados por empresa americana de biotecnologia que prefere não ser identificada.

O Psychae terá como co-diretores Jerome Sarris, da Universidade Western Sydney, e Daniel Perkins, da Universidade de Melbourne. Não por acaso são respectivamente primeiro e último autores do artigo na Drug and Alcohol Review sobre ayahuasca, pois a dimetiltriptamina (DMT, principal psicoativo do chá) está nos planos de ensaios clínicos do novo instituto, por exemplo para tratar transtorno de uso de drogas (abuso e dependência).

Testemunhos obtidos pela internet implicam vieses de seleção, pois usuários de ayahuasca com más experiências provavelmente estariam menos motivados a preencher uma série de formulários padronizados. O forte dessa enquete, por outro lado, está no tamanho avantajado da amostra e na composição multicultural.

A análise revelou que há correlação estatística significativa entre frequência no uso da ayahuasca e menor incidência de uso ou abuso de álcool e outras drogas. E mostrou que esse benefício de saúde mental independe, em certa medida, de beber o chá em rituais religiosos (embora o uso em contexto cerimonial pareça, sim, robustecer o efeito terapêutico).

A presença destacada de brasileiros entre autores e participantes não é coincidência. O estudo da ayahuasca foi facilitado aqui pela legalização do chá para uso religioso a partir de 2004, o que tornou o Brasil o terceiro maior produtor de pesquisas de impacto em ciência psicodélica.

O estudo brasileiro de maior repercussão foi justamente um teste clínico randomizado controlado por grupo placebo com ayahuasca para depressão resistente a medicamentos, de 2018. Chefiado por Dráulio Araújo e Fernanda Palhano-Fontes, o ensaio pioneiro contou com participação de Nicole Galvão-Coelho (todos da UFRN).

Nicole Leite Galvão-Coelho em seu laboratório na UFRN. (UFRN/Divulgação)

A fisiologista retornou há poucos meses de um sabático na Austrália. Sua especialidade são marcadores relacionados com transtornos, como inflamação, cortisol e BDNF (fator cerebral importante na formação de sinapses).

Nicole acaba de publicar artigo sobre os perfis bioquímicos em pacientes com diferentes estágios de depressão, de recém-diagnosticados àqueles que não melhoram com antidepressivos disponíveis. Esse detalhamento poderá ajudar na sintonia fina de terapias com substâncias como a ayahuasca (que normaliza níveis de cortisol em pacientes graves resistentes, por exemplo).

O time potiguar trabalha no planejamento de testes clínicos mais ambiciosos de psicodélicos, com as dificuldades usuais enfrentadas por pesquisadores brasileiros. Grupos da USP também preparam ensaios controlados com o psicodélico ibogaína para dependência química (crack e álcool), mas ainda não abriram recrutamento.

Com frequência este blog recebe consultas sobre oportunidades para participar desses estudos e, quem sabe, beneficiar-se dos efeitos terapêuticos que a ciência vem constatando. Não cabe aqui fazer qualquer recomendação, porque a maioria dos psicodélicos permanece proibida e porque não sou médico nem psicólogo. Psicodélicos não são panaceia emocional, têm contraindição para muitas pessoas e não estão isentos de efeitos adversos, como qualquer substância.

Dito isso, cabe assinalar que havia no final de 2020 pelo menos 70 testes clínicos de psicodélicos com registro ativo no mundo. Entre eles, 56 estavam recrutando voluntários ainda no mês passado.

Seria ótimo se a parceria de pesquisadores nacionais com o milionário Instituto Psychae da Austrália colaborasse para impulsionar mais e maiores ensaios como esses no Brasil, necessitado como está o país de sacudir a depressão galopante (para não dizer ruminante), e manter sua posição de destaque em ciência psicodélica.

PARA SABER MAIS

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USP de Ribeirão testa ayahuasca para medo de falar em público e fobia social https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/usp-de-ribeirao-testa-ayahuasca-para-medo-de-falar-em-publico-e-fobia-social/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/usp-de-ribeirao-testa-ayahuasca-para-medo-de-falar-em-publico-e-fobia-social/#respond Mon, 28 Jun 2021 15:50:54 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/FobiaSocialGettyImages-300x169.jpeg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=529 Não são poucas as pessoas que tremem, suam e chegam a ter dor de barriga ou vontade de urinar quando precisam se apresentar diante de uma plateia. Para 2% a 7% da população de cada país, esse medo cresce a ponto de impedir qualquer atividade pública, com óbvio prejuízo na escola ou no trabalho, mas a ayahuasca pode dar-lhes alguma ajuda.

Ayahuasca? Sim, propõe estudo recém-publicado de Rafael Guimarães dos Santos, neurocientista da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP). “Ayahuasca melhora autopercepção de desempenho discursivo em participantes com transtorno de ansiedade social”, afirma já no título artigo na revista especializada Journal of Clinical Psychopharmacology.

Transtorno de ansiedade social (TAS) e fobia social são nomes pomposos dados por psiquiatras para o famigerado medo de falar em público quando ele se torna paralisante, irracional. É o tipo de ansiedade mais comum, o terceiro transtorno psiquiátrico mais frequente, embora subnotificado (menos de 6% dos casos são diagnosticados), e costuma associar-se com outros distúrbios, como depressão e abuso de álcool.

Antidepressivos e psicoterapia podem ajudar, mas a maioria das pessoas com o problema segue tropeçando pela vida, até que algumas terminam abandonando a escola ou perdendo o emprego. Estima-se que até 25% dos estudantes universitários sofram com isso.

A ayahuasca foi escolhida por ser uma substância psicodélica muito estudada no grupo de Rafael dos Santos e ter conhecido efeito benéfico sobre depressão e ansiedade. O chá sacramentado em rituais de Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV) leva folhas do arbusto chacrona, fonte do alcaloide dimetiltriptamina (DMT), e o cipó mariri ou jagube, fonte de compostos que inibem a decomposição da DMT.

Depois de recrutar 894 possíveis voluntários entre alunos da USP de Ribeirão, o grupo de pesquisa chefiado pelo psiquiatra Jaime Hallak terminou com apenas 17 que satisfizeram todos os requisitos para inclusão na pesquisa e compareceram para entrevistas e questionários padronizados de diagnóstico.

Cinco horas após tomar –pela primeira vez na vida– uma dose baixa de ayahuasca ou placebo (2 mililitros por quilo de peso), os voluntários tinham de fazer apresentação com tema pré-definido diante de uma tela, enquanto eram filmados, como numa conferência por zoom.

Antes e depois da experiência simulando a fala em público, precisavam preencher questionários para determinar o grau de ansiedade e autopercepção negativa (desconfiança sobre a própria capacidade, que contribui para piorar o desempenho).

Uma das limitações do estudo esteve em que os estudantes selecionados apresentavam níveis relativamente baixos de ansiedade antes mesmo do experimento. Talvez por isso os pesquisadores não tenham conseguido detectar diminuições significativas nos escores padronizados, embora os participantes tenham relatado sentir calma maior que usual durante o discurso.

“Não observamos efeitos significativos nas escalas de ansiedade, mas sim nos relatos e nas observações dos pesquisadores”, admite Santos. “A ausência de resultados significativos pode ser porque essas pessoas não tinham níveis elevados de ansiedade, mesmo preenchendo o diagnóstico, ou pela amostra pequena.”

Por outro lado, o experimento revelou que os voluntários melhoraram significativamente a autopercepção. Ou seja, mostraram-se menos desconfiadas quanto à capacidade de desempenhar adequadamente um papel social.

“Os pesquisadores aliaram o histórico internacional dessa equipe em avaliar o potencial terapêutico da ayahuasca nas pessoas e fizeram uso de um teste bem ‘calibrado’ para avaliar sua intensidade nos cuidados de pessoas com fobia social”, avalia o psiquiatra André Brooking Negrão, que não participou do estudo e investiga psicodélicos noutra unidade da USP, o paulistano Instituto de Psiquiatria.

“Os resultados são promissores porque mostraram que esse tipo de ensaio clínico é factível e, especificamente para pessoas com problemas associados à fobia social, pode ser um recurso valioso no futuro. Os pesquisadores terão agora o desafio de expandir esta metodologia para amostras mais numerosas.”

Concorda com Negrão a pesquisadora Fernanda Palhano-Fontes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, autora de um pioneiro teste clínico duplo cego de ayahuasca para depressão: “O estudo é interessante por avaliar a ayahuasca em uma condição como a fobia social, para qual não há um tratamento farmacológico específico, e mostrando uma melhora em como os indivíduos que beberam ayahuasca percebem a performance deles nessa tarefa de falar em público”.

Dilema moral à frente

A fobia social vem, assim, somar-se a uma longa lista de condições que, segundo estudos ainda experimentais, poderiam eventualmente ser tratadas com psicodélicos. Cabem nela depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ansiedade, alguns transtornos do espectro autista, dependência química, anorexia, síndrome pós-concussional (danos cerebrais em boxeadores e jogadores de hóquei) e até Alzheimer, AVC, enxaqueca ou prevenção de suicídios.

Além disso, vários desses problemas de saúde mental são objeto de ensaios clínicos por diferentes substâncias psicodélicas. Por exemplo a depressão, sobre a qual há testes em andamento com psilocibina de cogumelos, DMT de ayahuasca, 5-MeO-DMT de veneno de sapo, LSD e mescalina.

Tamanha inespecificidade seria decorrente do modo básico de atuação desses psicodélicos clássicos. Todos eles são moléculas capazes de se encaixar no receptor de células cerebrais para o neurotransmissor serotonina.

Essa via bioquímica parece relaxar a rede de modo padrão (DMN, em inglês) hiperativa na ruminação (predominância circular de pensamentos negativos). Também seria capaz de aumentar a empatia e a socialidade, dissolver a ditadura do ego e estimular tanto a neuroplasticidade (formação de novas conexões entre neurônios) quanto processos anti-inflamatórios no cérebro.

Não deixa de ser um calcanhar-de-aquiles para o renascimento psicodélico. A multiplicação combinatória de alvos e drogas pode suscitar entusiasmo injustificado para o estágio preliminar das pesquisas, dado que só o MDMA alcançou a fase 3 em testes clínicos e ainda carece de aprovação como adjuvante de psicoterapia. A imensa maioria dos estudos envolve poucas dezenas de participantes, como esse da USP de Ribeirão.

Além disso, não é pequeno o risco de que a imagem de panaceia para todos os males do mundo mental desperte reação conservadora similar à que virtualmente baniu os psicodélicos das farmácias e das pesquisas acadêmicas após sua adoção pelo movimento hippie e contestador da contracultura. Faltam ainda anos de pesquisa a acumular dados suficientes para ancorar os tratamentos na melhor ciência e romper preconceitos de órgãos reguladores, médicos e terapeutas.

Outro obstáculo no caminho de quem se filia à tradição clássica da psicoterapia mediada por psicodélicos é a proposta por alguns neurocientistas de livrar as pesquisas justamente da psicodelia, da psicoterapia ou de ambas. Sua ideia é desenvolver moléculas similares com poder de desarmar a DMN e a ruminação, mas que não desencadeiem estados alterados de consciência, as “viagens”.

O modelo, nesse caso, seria o dos antidepressivos surgidos a partir dos anos 1980, como a classe de inibidores seletivos de receptação de serotonina (ISRS) inaugurada pela fluoxetina (Prozac). Pílulas para as pessoas tomarem todos os dias, no intuito de se livrarem da depressão sem laboriosos processos de psicoterapia, mas que a realidade mostrou não funcionar para pelo menos um terço dos deprimidos graves.

(Reprodução)

A controvérsia sobre “psicodélicos não-psicodélicos” já apareceu no blog (aqui, aqui e aqui) e ganhou destaque há poucos dias na revista Forbes.

A reportagem de Will Yakowicz apresenta o trabalho de Bryan Roth, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, para escrutinar incontáveis moléculas aparentadas à DMT &cia. “O objetivo é encontrar compostos que sejam terapêuticos e não psicodélicos”, disse o neurofarmacologista a Yakowicz.

Roth está abastecido com US$ 27 milhões da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (Darpa, em inglês) dos EUA para desenvolver uma nova geração de medicamentos candidatos a reduzir depressão e TEPT com a rapidez dos psicodélicos, em comparação com os lentos antidepressivos disponíveis, mas sem alucinações ou dissolução do ego e sem os efeitos adversos dos ISRS (como insônia, zonzeiras e redução da libido).

O financiamento corresponde ao valor aproximado que a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês) levou muitos anos a levantar para conseguir empreender estudos de fase 3 com MDMA (ecstasy) contra TEPT. Esses testes clínicos devem render autorização para uso geral da droga como adjuvante em psicoterapia, e não para uso contínuo, até 2023.

A aprovação da FDA (agência de fármacos dos EUA) é a grande esperança de tratamento para veteranos de guerras como a do Iraque e a do Afeganistão. Em 2016, havia 868 mil ex-combatentes recebendo benefícios por incapacidade provocada por TEPT, ao custo de US$ 17 bilhões anuais aos cofres americanos.

Entende-se, assim, o interesse do Departamento de Defesa no trabalho de Roth, para desgosto do ex-hippie Rick Doblin, fundador da Maps. A reportagem da Forbes registra todo seu descontentamento: “A tragédia que vejo é que a Darpa poderia ter um vencedor agora mesmo com MDMA para TEPT, mas está tentando dizer ‘dane-se a experiência psicodélica e vamos investir em psicodélicos não-psicodélicos’ enquanto 20 veteranos por dia estão se  matando”.

SAIBA MAIS

Livro “Psiconautas” (Fósforo Editora)

(Reprodução)
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Por que não fazer da ayahuasca a mãe de todas as reconciliações https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/09/por-que-nao-fazer-da-ayahuasca-a-mae-de-todas-as-reconciliacoes/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/05/09/por-que-nao-fazer-da-ayahuasca-a-mae-de-todas-as-reconciliacoes/#respond Sun, 09 May 2021 23:33:03 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/JairoMalta-300x200.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=459 Alguns de vocês devem ter visto que a Folha publicou neste domingo (9), no caderno Ilustríssima, duas páginas com trecho do livro “Psiconautas — Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”, que começa a ser vendido na quinta-feira (13). A passagem corresponde a cerca de 1/4 do primeiro capítulo, que trata de pesquisas experimentais sobre possíveis efeitos terapêuticos da ayahuasca, por exemplo ajudando quem tem depressão resistente aos antidepressivos disponíveis.

Deprimido como todos estamos com a presença enorme da morte na vida dos brasileiros (Covid, Jacarezinho, Paulo Gustavo, Saudades-SC, Bolsonaro), veio à mente um dos estudos mais intrigantes surgidos na apuração do livro e que acabou não aproveitado no volume. Trata-se do uso do daime como facilitador de congraçamento entre lados opostos de conflitos (só tratei brevemente do caso de israelenses e palestinos numa reportagem de 2019).

Tempos depois fui topar com o relato de Natalie Lyla Ginsberg sobre entrevistas com judeus e palestinos frequentadores de círculos de ayahuasca, cuja leitura recomendo (está em inglês). São tocantes os testemunhos de ambos os lados sobre arrefecimento da polarização e reconhecimento mútuo da humanidade que os aproxima.

Num delírio típico de Dia das Mães, após momentos de intenso prazer na companhia de netos, assaltou-me uma fantasia: e se alguém se aventurasse a organizar uma espécie de grupo de pesquisa qualitativa, do tipo que se faz em vésperas de eleições, mas reunindo bolsominions, petralhas, (neo)liberais, isentões, médicos ou enfermeiros, tucanos, centrãozistas, farialimers e policiais para beber o chá? Quem sabe alguns de nós sairiam do labirinto de ódio em que nos metemos.

(Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Se alguém acha que bolsonaristas jamais tocarão num copo de ayahuasca, que pense duas vezes. O advogado e empresário Luís Felipe Belmonte, que trabalhou pela criação do partido Aliança pelo Brasil, foi um dos mais altos dirigentes da religião União do Vegetal (UDV).

O tema da psicodelia de direita já foi objeto de reportagem de Carlos Minuano e aqui mesmo neste blog, em nota sobre o xamã psicodélico Lobo de Yellowstone, que invadiu com seus chifres o Capitólio em Washington, DC.

Jake Angeli, o xamã psicodélico Lobo de Yellowstone que invadiu o capitólio (REUTERS/Stephanie Keith)

Pensando bem, não tem pé nem cabeça a ideia de juntar esse povo todo para tomar ayahuasca. Ninguém teria coragem para tanto. Por outro lado, nada parece impossível no país que elegeu para presidente o Cavalão de Agulhas Negras.

SAIBA MAIS

Livro

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Britânicos testam DMT, psicodélico da ayahuasca, contra depressão grave https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/21/britanicos-testam-dmt-psicodelico-da-ayahuasca-contra-depressao-grave/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/03/21/britanicos-testam-dmt-psicodelico-da-ayahuasca-contra-depressao-grave/#respond Sun, 21 Mar 2021 14:18:42 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/GloboDeNeveRobertCouseBaker-269x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=380 A startup Small Pharma, do Reino Unido, recebeu autorização para iniciar estudos clínicos preliminares (fase 1) com dimetiltriptamina (DMT) contra depressão e deve começar em breve. DMT é o principal causador do efeito psicodélico da ayahuasca, e seu potencial contra o transtorno que aflige mais de 300 milhões de pessoas no mundo foi já comprovado por pesquisadores brasileiros.

A BBC noticiou o ensaio clínico afirmando que “o poderoso alucinogênico conhecido por seu papel em rituais xamânicos está sendo testado pela primeira vez como uma cura potencial para depressão”. A afirmação contém algo de impreciso, pois o efeito antidepressivo da DMT afinal foi testado antes, ainda que apenas na combinação com os outros ingredientes do chá usado em cerimônias de Santo Daime, União do Vegetal e Barquinha.

Arbusto chacrona, usado no preparo do chá ayahuasca  (Juca Varella/Folhapress)

No caso britânico, o composto em estado puro será provavelmente administrado por injeção, porque na via oral ele termina degradado por enzimas presentes no aparelho digestivo, como a monoamina-oxidase (MAO). A ingestão da ayahuasca não tem o mesmo resultado porque a infusão, além das folhas da chacrona que fornecem DMT, contém inibidores da MAO provenientes do cipó-mariri.

Cipó-mariri, ou jagube, usado no chá ayahuasca  (Marcelo Leite/Folhapress)

Chama a atenção o estudo ser da Small Pharma, uma empresa, e não de instituição acadêmica. Verdade que ele será conduzido em parceria com o Centro para Pesquisa Psicodélica do Imperial College de Londres, mas o envolvimento de uma startup que recebeu incentivo financeiro do governo britânico exemplifica o interesse crescente de investidores nos psicodélicos, não sem alguma controvérsia.

Muitas empresas estão sendo criadas e capitalizadas para investigar e quiçá patentear várias substâncias psicodélicas (DMT, LSD, MDMA, 5-MeO-DMT etc.) para tratar vários transtornos psíquicos e físicos, de estresse e enxaqueca a alcoolismo e anorexia. DMT, por exemplo, está para ser testado contra Alzheimer e AVC.

Participarão da primeira etapa do estudo da Small Pharma 32 voluntários sem experiência anterior com psicodélicos. O objetivo desta fase 1 é estabelecer a dose mínima capaz de desencadear algum efeito psicodélico, como as famosas “mirações” da ayahuasca. Na fase 2, o grupo será de 36 pessoas com depressão crônica grave.

A diretora médico-científica da Small Pharma, Carol Routledge, mencionou estudos anteriores sobre ayahuasca e depressão ao boletim Psilocybin alpha, mas justificou a escolha por DMT dizendo que o chá “contém meio que um coquetel de componentes ativos, e como tal tem perfil de segurança muito mais fraco e experiência psicodélica significativamente mais longa comparada com DMT”.

A expectativa é que o tratamento com DMT encurte sessões de terapia para no máximo duas horas. Isso reduziria custos de um eventual tratamento, diante das seis horas que pode durar uma sessão com ayahuasca –e tempo parecido com a psilocibina de cogumelos “mágicos”, outro psicodélico em testes avançados contra depressão <>.

Routledge comparou o efeito de uma dose alta de DMT com agitar um globo de neve, aquele objeto de vidro cheio de água e alguma cena em geral bucólica. “Sacudir um globo de neve perturba padrões de pensamento insalubres e oferecem uma oportunidade para que se reassentem de maneira diferente” –o que não chega a ser uma metáfora feliz, pois no caso do enfeite estado inicial e estado final são indistinguíveis.

Dráulio Barros de Araújo, físico do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que liderou o estudo sobre ayahuasca e depressão publicado eletronicamente em 2018, seguirá a pista aberta no Brasil investigando também DMT separadamente. Seu plano é apresentar o projeto em breve ao comitê de ética em pesquisa da UFRN.

Para saber mais sobre o pioneirismo psicodélico no Brasil, duas oportunidades surgirão em maio:

Na primeira semana deverá ser lançado meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”, pela Editora Fósforo;

Na segunda quinzena, entrando por junho, um curso com quatro aulas no site Bora Saber.

 

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Estudo sugere DMT, psicodélico da ayahuasca, para recuperação de AVC https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/15/estudo-sugere-dmt-psicodelico-da-ayahuasca-para-recuperacao-de-avc/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/15/estudo-sugere-dmt-psicodelico-da-ayahuasca-para-recuperacao-de-avc/#respond Mon, 15 Feb 2021 15:30:27 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/chacronafolha-287x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=318 O campo de aplicações terapêuticas aberto pela renascença psicodélica se amplia para incluir acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e dores crônicas, além de transtornos como depressão, estresse pós-traumático ou dependência química. E na vanguarda está a dimetiltriptamina (DMT), substância psicoativa presente na ayahuasca.

O teste foi feito em ratos para investigar o potencial da DMT no tratamento do AVC isquêmico, quando se interrompe o fluxo de sangue a uma parte do cérebro e os neurônios afetados morrem por falta de oxigênio. O estudo de pesquisadores húngaros saiu em maio no periódico Experimental Neurology, e empresas já se mexem para levar a ideia a testes clínicos em seres humanos.

Além do AVC isquêmico, que representa 80-85% dos casos no Brasil, existe o AVC hemorrágico, quando uma lesão ou rompimento de artéria provoca o extravasamento de sangue para o tecido cerebral, também conhecido como derrame. A soma dos dois tipos constitui a segunda causa de mortalidade no país, com mais de 100 mil óbitos anuais.

Saiu na frente a empresa canadense Algernon Pharmaceuticals, que lançou um programa de pesquisa e apresentou pedidos de patente para AVC. Sua estratégia se baseia na capacidade do composto DMT de estimular novas sinapses e neurônios (neuroplasticidade), importante na recuperação motora de pacientes.

A neuroplasticidade, entretanto, é o componente mais frágil da evidência obtida até agora. Parecem estar em ação também outros mecanismos biológicos, como a regulação pelo receptor Sigma-1 (Sig-1R) do processo que leva à morte de neurônios na falta de oxigênio (hipóxia). Ou, ainda, o efeito anti-inflamatório da DMT, já comprovado por pesquisadores brasileiros no caso da ayahuasca.

Em paralelo, a também canadense PharmaDrug, que tem subsidiárias na área de cânabis medicinal na Alemanha e em Israel, apresentou à FDA, agência americana de fármacos, pedido de reconhecimento da DMT como “droga órfã” para tratar AVCs isquêmicos. O status especial pode ser concedido a remédios sob investigação para doenças que acometam menos de 200 mil pessoas nos EUA.

Esse reconhecimento pela FDA implica incentivos para arriscar-se na pesquisa, como o perdão de até US$ 2,4 milhões (R$ 13 milhões) em taxas para obter licença. Saindo a autorização, quem desenvolveu o tratamento ganha sete anos de exclusividade para comercializá-lo. Nos EUA, os gastos com AVC isquêmico alcançaram US$ 46 bilhões (R$ 250 bilhões) nos anos 2014-15.

No experimento com ratos, a neuroplasticidade não foi inferida diretamente, por exemplo com a identificação de novos neurônios ou conexões entre eles. Os cientistas húngaros só mediram um composto associado com novas ligações neurais, o BDNF (brain-derived neurotrophic factor, fator neurotrófico derivado do cérebro).

Rato de laboratório da variedade Wistar (Janet Stephens/Creative Commons)

Eles também mostraram, com testes comportamentais, que os roedores isquêmicos tratados com DMT tiveram melhor recuperação motora. Isso não prova, porém, que a causa da melhora foram novas conexões induzidas pela DMT.

“A expectativa para uso terapêutico da DMT no AVC estaria em seu efeito anti-apoptótico, através do Sig-1R [receptor envolvido na regulagem da morte celular], para evitar a perda de neurônios pela falta de oxigênio, ou hipóxia”, comenta Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor)

Stevens Rehen (esq.) na conferência Breaking Convention de Londres (Marcelo Leite/Folhapress 2019)

Rehen pesquisa efeitos de psicodélicos, inclusive compostos da ayahuasca, sobre tecidos cerebrais. “Reduzir fatores inflamatórios e aumentar BDNF podem sim ajudar na reabilitação, através de neuroplasticidade, mas nesse caso seria importante um estudo desenhado para esse fim específico”, pondera.

Nicole Galvão-Coelho, fisiologista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), hoje terminando um pós-doutorado na Universidade de Western Sydney (Austrália), vê bom potencial na DMT para recuperação de AVC isquêmico. Ela tem investigado tanto o BDNF quanto o benefício da ayahuasca contra inflamação.

Nicole Leite Galvão-Coelho em seu laboratório na UFRN (Divulgação)

A pesquisadora aponta que, mesmo sem essa comprovação direta de neurogênese (formação de neurônios, não só de sinapses), o progresso motor no teste comportamental é um indício alentador. Na sua opinião, os psicodélicos estão em vias de se mostrar úteis também no tratamento de dores crônicas, como no caso de artrite.

Com efeito, já estão em curso estudos para tratar enxaquecas, por exemplo, com psilocibina, substância psicoativa dos “cogumelos mágicos” Psilocybe. E, no Reino Unido, a empresa Beckley PsyTech obteve aprovação para testes clínicos do mesmo composto contra um tipo raro e incapacitante de dor de cabeça conhecida pela sigla SUNHA (em inglês, short-lasting unilateral neuralgiform headache attacks), uma das cefaleias que envolvem o nervo trigêmeo.

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Brasileiros apontam potencial da ayahuasca para prevenir suicídio https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/19/brasileiros-apontam-potencial-da-ayahuasca-para-prevenir-suicidio/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/11/19/brasileiros-apontam-potencial-da-ayahuasca-para-prevenir-suicidio/#respond Thu, 19 Nov 2020 22:48:27 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/AyahuascaCopoDanielMarencoFolhapress-300x200.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=107 Cerca de 800 mil pessoas se matam por ano no planeta, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS). As Américas são a única região do mundo onde a taxa de suicídios aumentava, puxada pelos EUA, e ela poderá subir ainda mais sob os rigores da pandemia de Covid-19. Poderiam os psicodélicos ajudar a prevenir esses atos extremos de desespero?

Duas pesquisas recentes no Brasil indicam que sim, talvez a ayahuasca possa contribuir para isso. Já se comprovou o efeito antidepressivo do chá, mas os novos estudos são os primeiros no exame de seu potencial para desarmar ideações suicidas.

Prepara-se a bebida ritual de religiões como Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal com a cocção de folhas do arbusto chacrona (Psychotria viridis) e do cipó mariri (Banisteriopsis caapi). Por sua condição de sacramento, ela é legal no Brasil, o que facilita a pesquisa com a substância psicoativa proibida dimetiltriptamina (DMT) presente na chacrona.

Arbusto chacrona, cujas folhas são usadas no preparo do chá ritual ayahuasca (Juca Varella/Folhapress)

Fortaleceu-se assim, no país, o campo de investigação da ayahuasca. Em 2019 ele rendeu o primeiro teste clínico controlado por grupo placebo de um psicodélico para tratar depressão resistente, publicado pelo grupo de Dráulio de Araújo no Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande Norte (UFRN).

Os dados sobre tendências suicidas são filhotes desse trabalho pioneiro. Dos 29 participantes do ensaio clínico, 14 tomaram ayahuasca, e 15, uma substância inócua (o placebo). A publicação se deu exato um ano atrás no periódico Frontiers in Pharmacology.

O objetivo primeiro era detectar efeito antidepressivo do chá, o que foi comprovado. Os psiquiatras avaliaram também suas tendências suicidas, numa escala padronizada de 0 (gosta da vida e a aceita como é) a 6 (planos explícitos ou preparação para suicídio). Constataram as ideações suicidas diminuíram significativamente só no grupo da ayahuasca e que o efeito benéfico se manteve por uma semana.

O segundo estudo sobre suicídio tem dois autores em comum com esse primeiro, Richard Zeifman, da Universidade Ryerson (Canadá), e Jaime Hallak, da USP em Ribeirão Preto. Publicado quase um ano depois, em 29 de outubro, saiu na revista Psychopharmacology.

A diferença é que, neste caso, todos os 17 pacientes avaliados tomaram ayahuasca, ou seja, não houve grupo placebo. Por outro lado, a duração foi maior, 21 dias –e mais uma vez se constatou a permanência da redução das ideias suicidas.

Em ambos os artigos os autores assinalam que são estudos preliminares, realizados com amostra pequena de portadores de depressão grave. Recomendam, em face dos resultados promissores, realizar ensaios com amostras maiores para confirmar o achado. Até lá, não conte com psiquiatras a receitar ayahuasca como estratégia de prevenção do suicídio.

Se confirmado o benefício potencial do chá, entretanto, seria uma opção bem-vinda. Uma dose única de ayahuasca tem efeito imediato, enquanto os antidepressivos hoje disponíveis podem demorar semanas para fazer efeito, e mais de um terço dos pacientes não melhora com eles.

A cetamina, outra substância psicodélica, tem sido empregada para agir rapidamente contra ideações suicidas. Diferentemente da ayahuasca, requer uso continuado e pode acarretar risco de dependência. A escetamina, composto aparentado, recebeu autorização da Anvisa para uso na forma de spray.

Cogumelo do gênero Psilocybe (Hans Braxmeier/Pixabay)

Não se sabe ainda, em detalhe, como a ayahuasca –e outros psicodélicos como a psilocibina de cogumelos— age contra a depressão e pensamentos suicidas. Eles parecem flexibilizar e enriquecer a comunicação entre áreas cerebrais, o que pode abrir caminho para interromper ruminações.

Essa plasticidade teria origem na formação de novas conexões entre neurônios, e um dos compostos presentes na ayahuasca, a harmina, já demonstrou favorecer a formação de sinapses. Também parece estar envolvido um efeito anti-inflamatório, mas ainda faltam muitas peças nesse quebra-cabeças.

O fato de drogas psicoativas como DMT, LSD e MDMA permanecerem na lista de substâncias proibidas ergue um obstáculo considerável para a rediviva ciência psicodélica. Aplicações para condições como estresse pós-traumático, ansiedade, alcoolismo e anorexia ficam assim desnecessariamente dificultadas, pois esses compostos têm baixa toxicidade e baixo potencial para causar dependência.

Soa particularmente irracional deter a pesquisa de alternativas promissoras contra a perda de vidas para o desespero. O suicídio é a segunda causa de morte para jovens de 15 a 29 anos (depois de acidentes de trânsito e à frente da violência urbana), e eles estão entre os que mais sofrem as consequências da pandemia, apartados do estudo e dos empregos que lhes permitem crescer na vida.

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Conheça catalão que impulsionou estudos de ayahuasca no Brasil https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/10/21/conheca-catalao-que-impulsionou-estudos-de-ayahuasca-no-brasil/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2020/10/21/conheca-catalao-que-impulsionou-estudos-de-ayahuasca-no-brasil/#respond Thu, 22 Oct 2020 00:05:06 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/JordiRiba-287x215.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=27 Ciência de Jordi Riba ajudou a reabilitar psicodélicos, hoje discutidos até no Instituto de Psiquiatria da USP

O campo dos estudos psicodélicos perdeu em agosto um de seus especialistas de maior renome, o catalão Jordi Riba, nascido em 1968. Não o conheci pessoalmente, mas assisti palestra sua na conferência Psychedelic Science 2017 e ouvi de pesquisadores brasileiros os maiores elogios a sua pessoa e sua pesquisa.

Riba se notabilizou por investigações no hospital Santa Creu i Sant Pau da Universidade Autônoma de Barcelona. Foi o primeiro cientista a organizar estudos controlados comparando efeitos da ayahuasca com placebo, estabelecendo a segurança e a tolerabilidade das substâncias contidas nesse chá cerimonial de religiões como Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal. Recentemente vinculou-se à Universidade de Maastricht, na Holanda.

O catalão trabalhou com o daime por duas décadas e publicou mais de 40 trabalhos científicos sobre a bebida. Um dos primeiros foi sua tese de doutorado, “Farmacologia Humana da Ayahuasca”, defendida em 2003.

Depois disso ele comprovaria que a beberagem pode ser liofilizada e produzir os mesmos efeitos, com segurança. Também mostrou que as betacarbolinas nele presentes, como harmina e harmalina, são a chave para que o alcaloide dimetiltriptamina (DMT) chegue ao cérebro e ali produza as manifestações psicodélicas.

Riba era próximo de vários colegas no Brasil. Um deles foi Dráulio de Araújo, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), líder do estudo pioneiro sobre o impacto benéfico da ayahuasca na depressão. Araújo recorda com carinho o voo que fez na Califórnia com o amigo no manche –além de piloto, o catalão era também mergulhador e velejador.

Araújo assina com Jaime Hallak, Rafael dos Santos e Rafael Sanches um curto e elogioso obituário de Riba no periódico médico Brazilian Journal of Psychiatry. Sob sua orientação de 2006 a 2012, Santos demonstrou na tese de doutorado que duas doses consecutivas de ayahuasca não produzem tolerância.

Sanches contou com sua supervisão no pós-doutorado. Riba também foi estreito colaborador dos estudos de Hallak e Araújo sobre depressão.

A homenagem cita ainda que o catalão foi incluído pela revista Rolling Stone numa relação de 2017 dos 25 cientistas mais influentes no mundo. Com tantas realizações, ainda assim alguns fantasmas que lhe ocupavam a mente deram um fim trágico para sua vida.

A tradição de estudos que ajudou a firmar no Brasil segue dando frutos. Um dos mais recentes é a tese de doutorado de Lucas Maia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), “Uso ritual da ayahuasca durante o tratamento de doenças físicas graves: um estudo qualitativo”.

O trabalho, aceito para publicação no periódico Journal of Psychoactive Drugs, se baseou em extensas entrevistas qualitativas com 14 portadores de doenças graves, como câncer e Aids. Como já comprovaram estudos quantitativos com psilocibina, mais uma vez se mostrou que psicodélicos podem ajudar as pessoas a controlar a ansiedade diante da aproximação da morte.

“Não que eu quero morrer, não quero, eu quero viver bastante”, disse a Lucas Maia a jovem Rosa (nome fictício), 32, sobre seu tumor e as experiências de uso ritual da ayahuasca. “Mas eu não vejo com aquele medo que eu via no começo. Com aquela insegurança que eu via no começo. Com desespero.”

Quem se debruça sobre a ciência psicodélica e seu renascimento no século 21 topa a toda hora com relatos assim pungentes, acerca do efeito apaziguador sobre doenças do corpo e da alma –depressão, estresse pós-traumático, dependência química, anorexia, alcoolismo, e por aí vai.

Não são só relatos anedóticos, mas benefícios confirmados por número crescente de estudos clínicos controlados, a exemplo do realizado na UFRN sobre depressão. Os preconceitos com psicodélicos ainda existentes na classe médica vão aos poucos sendo abatidos pelo acúmulo de dados que a ciência da melhor qualidade vem produzindo.

Jordi Riba decerto ficaria feliz de saber que o vetusto Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, por exemplo, escolheu para sua próxima reunião mensal o tema “Quando a droga vira medicamento: Usos terapêuticos de alucinógenos em saúde mental”.

Será nesta nesta quarta-feira, às 10h30, com transmissão ao vivo. A convite de Valentim Gentil Filho, participam Jaime Hallak, um dos pioneiros no estudo da ayahuasca na USP de Ribeirão Preto, e André Negrão, que prepara um estudo clínico no IPq sobre terapia psicodélica para dependência.

Quando as drogas viram medicamento: O uso de alucinógenos em saúde mental
Cartaz da reunião geral do Instituto de Psiquiatria da USP IReprodução)
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