Virada Psicodélica https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental Wed, 01 Dec 2021 01:26:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Enquete global confirma força da ayahuasca contra álcool e drogas https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/enquete-global-confirma-forca-da-ayahuasca-contra-alcool-e-drogas/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/enquete-global-confirma-forca-da-ayahuasca-contra-alcool-e-drogas/#respond Sun, 08 Aug 2021 19:31:00 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/InnerVisionsCapa-300x186.png https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=560 Pesquisa na internet realizada por pesquisadores na Austrália, Brasil e Espanha atesta com base numa grande amostra aquilo que evidências anedóticas de igrejas da ayahuasca já indicavam: o chá psicodélico está diretamente relacionado com menor incidência de uso problemático de drogas, em particular o álcool.

O Projeto Ayahuasca Global colheu em 40 países testemunhos de 10.836 usuários do chá, dos quais 8.629 relataram uso de álcool ou drogas e foram incluídos na análise publicada em 25 de julho no periódico Drug and Alcohol Review. Dos oito autores, três atuam no Brasil: Emerita S. Opaleye (Unifesp), Luís Fernando Tófoli (Unicamp) e Nicole L. Galvão-Coelho (UFRN).

Alguns vão torcer o nariz para a ideia de tratar abuso de drogas com outra droga, mas a DMT da ayahuasca, o LSD e a psilocibina de cogumelos são especiais. Pouco tóxicos, não causam dependência química e estão de volta à pesquisa de tratamentos psiquiátricos, após meio século de proibicionismo, com o ímpeto de um renascimento psicodélico.

De depressão a anorexia, vários são os transtornos para os quais ensaios clínicos apontam aplicações terapêuticas promissoras. Tão promissoras que instituições acadêmicas como Imperial College, Johns Hopkins, Harvard, o hospital Mount Sinai e as universidades de Nova York e da Califórnia abriram centros de estudos específicos para psicodelia. Pipocam investimentos privados bilionários na novidade psicofarmacológica.

O centro mais recente surgiu em Melbourne, Austrália: Instituto Psychae, voltado a testes clínicos de compostos farmacêuticos para medicina psicodélica. Segundo noticiou o jornal The Sydney Morning Herald, o centro de pesquisa nasce com dotação de 40 milhões de dólares australianos (R$ 154 milhões) doados por empresa americana de biotecnologia que prefere não ser identificada.

O Psychae terá como co-diretores Jerome Sarris, da Universidade Western Sydney, e Daniel Perkins, da Universidade de Melbourne. Não por acaso são respectivamente primeiro e último autores do artigo na Drug and Alcohol Review sobre ayahuasca, pois a dimetiltriptamina (DMT, principal psicoativo do chá) está nos planos de ensaios clínicos do novo instituto, por exemplo para tratar transtorno de uso de drogas (abuso e dependência).

Testemunhos obtidos pela internet implicam vieses de seleção, pois usuários de ayahuasca com más experiências provavelmente estariam menos motivados a preencher uma série de formulários padronizados. O forte dessa enquete, por outro lado, está no tamanho avantajado da amostra e na composição multicultural.

A análise revelou que há correlação estatística significativa entre frequência no uso da ayahuasca e menor incidência de uso ou abuso de álcool e outras drogas. E mostrou que esse benefício de saúde mental independe, em certa medida, de beber o chá em rituais religiosos (embora o uso em contexto cerimonial pareça, sim, robustecer o efeito terapêutico).

A presença destacada de brasileiros entre autores e participantes não é coincidência. O estudo da ayahuasca foi facilitado aqui pela legalização do chá para uso religioso a partir de 2004, o que tornou o Brasil o terceiro maior produtor de pesquisas de impacto em ciência psicodélica.

O estudo brasileiro de maior repercussão foi justamente um teste clínico randomizado controlado por grupo placebo com ayahuasca para depressão resistente a medicamentos, de 2018. Chefiado por Dráulio Araújo e Fernanda Palhano-Fontes, o ensaio pioneiro contou com participação de Nicole Galvão-Coelho (todos da UFRN).

Nicole Leite Galvão-Coelho em seu laboratório na UFRN. (UFRN/Divulgação)

A fisiologista retornou há poucos meses de um sabático na Austrália. Sua especialidade são marcadores relacionados com transtornos, como inflamação, cortisol e BDNF (fator cerebral importante na formação de sinapses).

Nicole acaba de publicar artigo sobre os perfis bioquímicos em pacientes com diferentes estágios de depressão, de recém-diagnosticados àqueles que não melhoram com antidepressivos disponíveis. Esse detalhamento poderá ajudar na sintonia fina de terapias com substâncias como a ayahuasca (que normaliza níveis de cortisol em pacientes graves resistentes, por exemplo).

O time potiguar trabalha no planejamento de testes clínicos mais ambiciosos de psicodélicos, com as dificuldades usuais enfrentadas por pesquisadores brasileiros. Grupos da USP também preparam ensaios controlados com o psicodélico ibogaína para dependência química (crack e álcool), mas ainda não abriram recrutamento.

Com frequência este blog recebe consultas sobre oportunidades para participar desses estudos e, quem sabe, beneficiar-se dos efeitos terapêuticos que a ciência vem constatando. Não cabe aqui fazer qualquer recomendação, porque a maioria dos psicodélicos permanece proibida e porque não sou médico nem psicólogo. Psicodélicos não são panaceia emocional, têm contraindição para muitas pessoas e não estão isentos de efeitos adversos, como qualquer substância.

Dito isso, cabe assinalar que havia no final de 2020 pelo menos 70 testes clínicos de psicodélicos com registro ativo no mundo. Entre eles, 56 estavam recrutando voluntários ainda no mês passado.

Seria ótimo se a parceria de pesquisadores nacionais com o milionário Instituto Psychae da Austrália colaborasse para impulsionar mais e maiores ensaios como esses no Brasil, necessitado como está o país de sacudir a depressão galopante (para não dizer ruminante), e manter sua posição de destaque em ciência psicodélica.

PARA SABER MAIS

Curso

 

Livro

(Reprodução)

 

 

 

 

 

 

]]>
0
Estudo britânico confirma potencial do MDMA para tratar abuso de álcool https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/27/estudo-britanico-confirma-potencial-do-mdma-para-tratar-abuso-de-alcool/ https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/2021/02/27/estudo-britanico-confirma-potencial-do-mdma-para-tratar-abuso-de-alcool/#respond Sat, 27 Feb 2021 18:12:09 +0000 https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/AlcoolJamesCridlandCC-300x198.jpg https://viradapsicodelica.blogfolha.uol.com.br/?p=335 Antes de ser banido da farmacopeia psiquiátrica nos anos 1970, o LSD deu bons resultados em clínicas para tratar uso abusivo de álcool, em especial no Canadá. As pesquisas com ácido estão retornando, mas pesquisadores no Reino Unido investem em outra substância psicoativa, o MDMA (ecstasy), para tratar a condição que mata 3 milhões por ano no mundo.

Os estudos ainda são preliminares. Em 2019, a equipe de Ben Sessa no Imperial College de Londres já havia apresentado indicações animadoras com 11 pacientes. Agora, com um grupo um pouco maior (14), confirmou potencial encorajador.

O trabalho saiu dia 18 no periódico Journal of Psychopharmacology, sob o título “Primeiro Estudo de Segurança e Tolerabilidade de Psicoterapia Assistida por 3,4-Metilenodioximetanfetamina em Pacientes com Transtorno de Uso de Álcool”. Depois de desintoxicados, os 14 voluntários passaram dois meses em terapia, incluindo duas sessões em que tomaram 187,5 mg de MDMA, na terceira e na sexta semana.

Em seguida, os 8 homens e 6 mulheres foram acompanhados por nove meses. Ao final do período, verificou-se que seu consumo médio de álcool se reduzira em 86% –em 11 dos 14 casos, para níveis comparáveis ao chamado consumo social.

Pílulas de ecstasy (MDMA) usadas em baladas (Divulgação/DEA)

O MDMA tem sobre o LSD e outros psicodélicos “clássicos” a vantagem de não desencadear manifestações visuais, efeito que poderia afastar da possível terapia pessoas com receio da experiência completa de dissolução do ego que substâncias como o ácido, a psilocibina de cogumelos e o DMT da ayahuasca podem ocasionar. Por causa dessa diferença, há quem defenda que o composto de base do ecstasy deve ser classificado como “empatógeno”, e não “psicodélico”.

O forte do MDMA está no derrame de empatia que provoca na pessoa, predispondo-a para a psicoterapia. O efeito, sob esse aspecto, é similar ao de outros psicodélicos, razão pela qual eles vêm sendo estudados no tratamento de depressão, ansiedade e traumas –não por acaso condições que muitas vezes subjazem ao consumo abusivo de álcool.

No retorno triunfal dos psicodélicos ao proscênio psiquiátrico, o ecstasy tem papel de destaque. É a droga mais próxima de alcançar aprovação como tratamento da FDA, a agência de fármacos dos Estados Unidos, com estudos de fase 3 em vias de consagrar o MDMA como terapia para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

A Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês), patrocinadora deste clínico, foi estratégica na escolha de uma droga sem o estigma do LSD e de uma patologia que aflige 3,5% dos americanos, em especial veteranos de guerra. Políticos conservadores tendem a levantar menos obstáculos para pesquisas que objetivem minimizar o dano causado pelo TEPT a esses indivíduos e à sociedade, cujo custo anual pode chegar a US$ 30 bilhões (quase R$ 170 bilhões) nos EUA.

No Brasil, o MDMA foi empregado num estudo preliminar de pequeno porte para tratar vítimas de abuso sexual. Saiba mais sobre o trabalho neste resumo publicado em reportagem de Fernando Tadeu Moraes na Folha:

]]>
0