Terapias psicodélicas movimentam milhões antes de regulamentadas

Quem quiser ter uma ideia da movimentação frenética dos negócios para aproveitar o renascimento psicodélico pode olhar para a Delic Corp. A empresa americana, que se apresenta como “corporação líder em bem-estar psicodélico”, fechou por US$ 3,3 milhões (R$ 18 milhões) a compra da rede Ketamine Welness Centers (KWC).

A KWC, como diz o nome em inglês, reúne clínicas que usam cetamina (ou ketamina) para tratamento de depressão e outros problemas mentais. Trata-se de um anestésico empregado há décadas, porém só mais recentemente na terapia desses transtornos.

A cetamina não pertence à classe dos psicodélicos clássicos, na qual figuram mescalina, LSD, psilocibina e DMT (dimetiltriptamina, presente na ayahuasca). Tem sobre eles a vantagem do efeito rápido e curto, compatível com atendimento no prazo de uma consulta médica, além de não ser substância proibida.

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A aplicação se faz por injeção e só por médicos. A droga carrega ainda a fama de tirar de crises deprimidos graves, com ideações suicidas, embora sua versão em spray nasal (Spravato) não tenha essa indicação na bula porque testes clínicos da Janssen não obtiveram significância estatística para esse desfecho.

A KWC conta com dez clínicas de cetamina em nove estados: Arizona, Colorado, Flórida, Illinois, Minnesota, Nevada, Texas, Utah e Washington. Em 2020 a rede faturou US$ 3,5 milhões (R$ 19 milhões) e, neste ano, projeta alcançar US$ 4,5 milhões (R$ 25 milhões). Em seis anos, afirma ter aplicado 60 mil tratamentos.

A compradora, Delic, já operava duas clínicas com o nome Ketamine Infusion Centers (KIC), na Califórnia e no Arizona. O plano é abrir mais 15 delas em um ano e meio, consolidando a posição de líder do setor nos EUA e já se preparando para a explosão de mercado de psicoterapia assistida por psicodélicos esperada a partir de 2023, com a provável regulamentação de MDMA e psilocibina para esses tratamentos.

Na mira dos investidores estão milhões e milhões de pessoas que sofrem com depressão resistente a medicamentos existentes, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e dor crônica. Como as terapias psicodélicas em investigação não serão pílulas para tomar em casa, todo dia, como os antidepressivos, e sim como parte de tratamento psicológico ou psiquiátrico, pacientes terão de recorrer a médicos e centros clínicos.

No Brasil, nem mesmo a discussão sobre maconha medicinal avançou tanto quanto poderia, o que deixa prever muita morosidade quando chegar a vez dos estigmatizados psicodélicos. E não será por falta de gente que sofre, após uma pandemia mortífera potencializada pelo governo Jair Bolsonaro.

A movimentação de investidores por aqui é tímida, embora o país disponha de larga tradição de pesquisa com cânabis e psicodélicos, sobretudo ayahuasca. Foi graças a estudos com o chá, aliás, que pesquisadores psiconautas brasileiros ficaram em terceiro lugar num levantamento de estudos científicos de alto impacto, como o realizado sobre depressão na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Por ora o Brasil só conta com uma aceleradora de startups psicodélicas, a recém-fundada Scirama. Talvez não seja para estranhar tanto a falta de visão, numa nação em que a classe dos endinheirados apoiou, e em grande medida ainda apoia, um presidente do naipe de Bolsonaro.

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