Detroit e Seattle abrem caminho para descriminalização de psicodélicos

Detroit e Seattle, cidades norte-americanas mais conhecidas de brasileiros por seu papel na música pop, entraram para a lista de municipalidades cujas polícias não mais perseguirão quem usa psicodélicos. Farão companhia, assim, para Denver, Santa Cruz, Oakland, Ann Arbor, Cambridge, Sommerville e Northampton.

No plano regional, legislações parecidas foram adotadas em Oregon e Washington (D.C.). Califórnia e Colorado poderão segui-los dentro de pouco tempo, relegando substâncias como psilocibina (cogumelos “mágicos”), ayahuasca, ibogaína e mescalina à condição de prioridade mais baixa para repressão policial se não forem destinadas ao comércio ilegal.

Não se trata, portanto, de legalização, mas de orientar agentes da lei para deixar de prender portadores de pequenas quantidades dessas drogas alteradoras da consciência. O carro-chefe das campanhas movidas por organizações como Decriminalize Nature tem sido a psilocibina, com seu reconhecido potencial terapêutico (mais sobre  a substância no final do texto).

“Curandera” em Huautla de Jimenez, Oaxaca, México (Efren Del Sosa/Creative Commons)

É o que se chama de uso adulto. As mudanças refletem evidências científicas de que psicodélicos clássicos como mescalina, LSD, psilocibina e dimetiltriptamina (DMT, da ayahuasca) têm perfil toxicológico administrável, não causam dependência e apresentam, sim, potencial médico. O que não quer dizer que não tenham contra-indicações e que possam ser usados por qualquer pessoa; não se recomenda, por exemplo, para quem tem histórico pessoal ou familiar de psicose.

Nessas novas normas se usa em geral a denominação de “enteógenos”, de radicais gregos para algo como “gerador de inspiração (divina)”, e não “psicodélicos”. É alusão aos usos ancestrais de plantas e fungos em cerimônias, que os militantes consideram um direito fundamental.

A medida aprovada em Seattle diz que “enteógenos têm sido reconhecidos como sagrados para culturas humanas no mundo todo, por séculos, e continuam a ser reverenciadas e usadas até hoje por líderes e comunidades culturais e espirituais veneráveis e sinceros através do mundo e dos Estados Unidos”.

Em Oregon, aprovou-se em 2020 por 56% do voto popular a Medida 109, que cria um programa estadual de psicoterapia com o psicoativo dos cogumelos do gênero Psilocybe. Na mesma eleição saiu referendada a Medida 110 (Lei sobre Tratamento e Recuperação de Dependência de Drogas), que descriminaliza a posse pessoal de várias substâncias, inclusive MDMA, LSD, cetamina, metanfetamina e heroína.

No caso de Seattle, regulamentou-se apenas o uso da mescalina sintética, não obtida diretamente do peiote, cacto de reprodução lenta que cresce no sudoeste dos EUA e no México e caminha para risco de extinção na natureza se for coletado de forma intensiva. É uma vitória de grupos de indígenas norte-americanos, como os praticantes da Native American Church, que temem por sua planta sagrada.

Psilocibina x MDMA

A empresa britânica Compass Pathways, objeto de controvérsia por suas patentes de psilocibina em psicoterapia para depressão, anunciou que fará ensaio clínico de fase 2 sobre tratamento de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) com a mesma droga. Serão 20 pacientes no estudo a cargo do King’s College de Londres.

O mesmo transtorno é objeto do teste clínico mais avançado de psicodélico para TEPT, de fase 3, com o empatógeno MDMA (ou ecstasy, que não ocasiona efeitos visuais), patrocinado pela Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos. O Boletim Psylocybin alpha ouviu a respeito Rick Doblin, líder da entidade mais conhecida pela sigla em inglês Maps.

Rick Doblin, fundador da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Divulgação/Maps)

Rick disse não ver a psilocibina para TEPT como concorrente, pois se trata de maximizar benefícios para portadores: “Dou boas-vindas à pesquisa da Compass sobre psicoterapia assistida por psilocibina para TEPT, assim como para pesquisas com cetamina, ibogaína e outros tratamentos”.

A própria Maps investiga o uso de maconha para TEPT em 300 veteranos de guerra, com financiamento de US$ 12,9 milhões (mais de R$ 70 milhões). Rick vê com interesse a ideia de comparar e detalhar efeitos de ambas as drogas, inclusive para investigar a possibilidade de associá-las em fases sucessivas do tratamento, ou mesmo em conjunto, no que se conhece como “candy-flipping”.

“É nossa opinião que a terapia assistida por MDMA tem probabilidade de ser mais segura e eficaz do que a terapia assistida por psilocibina para TEPT, ou LSD, por causa das propriedades redutoras do medo no MDMA. Entretanto, essa é uma questão empírica que precisa ser resolvida por meio de pesquisa, e é por isso que damos as boas-vindas ao estudo da Compass”, disse o dirigente da Maps ao boletim.

Leia mais sobre psicodélicos no livro:

(Reprodução)