Estudo na Unicamp indica janela psicoterapêutica aberta pelo LSD

Nova pesquisa realizada na Universidade Estadual de Campinas pôs mais uma pedra no edifício em reconstrução da ciência psicodélica: se o LSD for usado como adjuvante de psicoterapia, o momento propício para a chamada terapia psicolítica provavelmente recairia quatro horas após a ingestão da substância.

“Baixa Dose de LSD e Corrente do Pensamento: Descontinuidade Aumentada da Mente, Pensamento Profundo e Fluxo Abstrato”, diz o título do segundo artigo publicado pelo grupo de Luís Fernando Tófoli. O trabalho saiu no periódico Psychopharmacology, tendo como primeira autora a alemã Isabel Wießner, orientanda de doutorado de Tófoli, e colaboradores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

O primeiro estudo dos autores havia sido publicado em julho, como noticiou o blog. Ambos os trabalhos tomam por base observações com 24 voluntários saudáveis que participaram de duas sessões experimentais.

Num dos encontros, a pessoa tomava 50 microgramas de LSD, e, no outro, um placebo, mas sem saber em qual deles tomava o quê. Wießner e o psiquiatra Marcelo Falchi, presentes na sala com os participantes por cerca de dez horas, tampouco sabiam.

Durante esse tempo, os voluntários respondiam a perguntas verbais, marcavam em escalas a intensidade das alterações mentais experimentadas e realizam testes num computador. Neste segundo artigo, a equipe deu destaque para alterações no fluxo de pensamento ao longo do tempo, algo ainda pouco conhecido no efeito lisérgico.

É bom mencionar que o LSD só foi proibido para usos não científicos na década de 1970. Antes disso, distribuído pelo laboratório suíço Sandoz com a marca Delysid, teve largo emprego em consultórios e estudos para tratar transtornos mentais e dependência de álcool, mas não com as metodologias e os controles rigorosos hoje usuais em pesquisa biomédica. Com a proibição e a demonização, o psicodélico quase desapareceu da pesquisa científica.

O medicamento Delysid (LSD) era comercializado pelo laboratório suíço Sandoz nos anos 1950 e 1960

No desenho da investigação liderada pela Unicamp, o controle residiu na comparação entre os efeitos medidos nos dias de ácido com os do dia de placebo. É o método conhecido como “cross-over”.

Num dos testes, o voluntário tinha de encadear a cada duas horas uma lista de palavras que lhe viessem à cabeça sob estímulo de um vocábulo-semente de três tipos (animais, objetos e palavras abstratas). Posteriormente, o time usou medidas de distância semântica para caracterizar o fluxo de pensamento –por exemplo, a separação entre “gado” e “vaca” é menor do que entre “gado” e “jornada”.

Para mensurar a divagação mental (“mind wandering”), empregou-se o Questionário Amsterdã de Estado de Repouso (ARSQ, na sigla em inglês). São 55 questões, por exemplo sobre descontinuidade da mente, planejamento, sonolência, conforto, percepção do corpo, preocupação com saúde e pensamento visual ou verbal que o participante tinha de responder no computador logo após passar cinco minutos de olhos fechados. Cada item solicitava que a pessoa indicasse seu grau de concordância/discordância numa escala de cinco pontos.

Resumindo muito a profusão de dados, o grupo constatou que o LSD, comparado com placebo,     acentuou aspectos caóticos, significativos e sensoriais do pensamento, como seria de esperar. Quanto ao fluxo da mente, curiosamente, as distâncias semânticas foram maiores quando as sementes eram palavras abstratas, mais que animais ou objetos.

Observaram-se também diferenças temporais. No pico inicial da experiência lisérgica, mesmo com a dose baixa de 50 mcg (1/5 a 1/4 de uma dose psicodélica plena), o caos dificultava até a comunicação e aumentava a arbitrariedade aparente das respostas aos testes.

 

Por volta das quatro horas de experimento, porém, a entropia mental causada pela LSD arrefecia e passava do polo caótico para um estado caracterizado por um fluxo mais livre nas associações, criativas e flexíveis. O oposto do fluxo disfuncional de pensamento caraterizado pela rigidez e fixação de certos transtornos mentais, como a ruminação presente em casos graves de depressão.

Eis o que os autores, tentativamente, apontaram como possível janela terapêutica. “A principal conclusão seria que vários elementos dos resultados (aumento de significado, fluxo abstrato) indicam que uma tal janela após quatro horas parece juntar vários efeitos interessantes com potencial terapêutico nessa dose relativamente baixa”, diz Wießner.

“Porém, nosso estudo avaliou participantes saudáveis, então outros estudos com pacientes serão necessários para dizer algo mais concreto em termos de benefícios terapêuticos durante essa janela.”

A pesquisadora se diz surpresa com o fluxo mais livre de pensamento estimulado por palavras abstratas. “Uma potencial interpretação é que palavras abstratas estimulam um pensamento amplo, em termos de distâncias semânticas, mais viagens mentais e na linguagem”, especula Wießner.

Uma interpretação alternativa seria que termos abstratos são mais difíceis de processar no cérebro, se comparados com animais e objetos, que evocariam processos mais automáticos. “Essa segunda interpretação iria na linha da redução de controle frontal: pode ser que o cérebro não consiga controlar suficientemente os processos cognitivos, e, assim, quando chegam estímulos mais difíceis, essa perda de controle se reflete num ‘caos’ de distâncias semânticas aumentadas na cadeia de palavras.”

A continuidade natural do estudo, propõe a pesquisadora alemã, seria investigar o potencial do LSD para quebrar esses padrões de fluxos de pensamento disfuncionais em pacientes ou demonstrar e ensinar outros fluxos possíveis, por exemplo mais orientados a coisas que ganharam um significado especial durante o estado lisérgico.

Isso, evidentemente, se um dia o LSD –que não causa overdose nem dependência– for um dia retirado da lista de substâncias proibidas em que foi parar como bode expiatório da Guerra às Drogas declarada por Richard Nixon em 1970. Até lá, a janela terapêutica que ele e outros psicodélicos banidos podem abrir continuará fechada.

Tófoli, o autor sênior da pesquisa, chama a atenção para o fato de “o LSD ser proposto hoje em dia menos como molécula terapêutica e mais como ferramenta para caracterizar o efeito subjetivo”. Isso porque com outros psicodélicos, como a psilocibina (cogumelos) e a dimetiltriptamina (DMT), o efeito tem duração mais curta.

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(Reprodução)