Mais quatro boas novas da ciência psicodélica, uma delas do Brasil

Escrever uma página sobre ciência psicodélica está se tornando um desafio, tantas são as notícias que chegam. Em alguns dias, a saída pode ser abrir mão de notas aprofundadas em favor de registros curtos, como estes de quatro países –começando pela prata da casa.

Destaque do Brasil

O pesquisador Rafael Guimarães dos Santos, da USP de Ribeirão Preto, foi relacionado pelo serviço Expertscape entre os cinco mais destacados especialistas em alucinógenos do mundo nos últimos dez anos. Guimarães dos Santos figura em quinto lugar no topo de 0,1% de cientistas que publicam artigos sobre psicodélicos.

Ele fica atrás apenas de Robin Carhart-Harris (Universidade da Califórnia em São Francisco), David Nutt (Imperial College), Matthew Johnson (Johns Hopkins) e David Nichols (Universidade da Carolina do Norte). O Expertscape compila o ranking com dados da base PubMed.

Já na classificação compilada a partir do termo DMT (dimetiltriptamina, componente psicoativo do chá ayahuasca ou daime), o brasileiro salta para o primeiro lugar. Não chega a surpreender, porque a USP de Ribeirão é um tradicional centro de pesquisa de ayahuasca, sob liderança de Jaime Hallak.

Novo centro no Canadá

A Nikean Foundation, criada pelo empresário de tecnologia Sanjay Singhal, doou US$ 5 milhões (R$ 28 milhões) para a Rede de Saúde da Universidade de Toronto, que reúne hospitais-escola e setores de pesquisa biomédica da instituição. A doação se destina a criar o Centro Nikean de Pesquisa em Psicoterapia Psicodélica, com a missão de investigar novas terapias para condições como anorexia, depressão, dependência química, ansiedade e estresse pós-traumático.

Singhal fez fortuna ao criar o serviço Audiobooks.com, que depois vendeu. A partir de sua própria experiência com problemas de saúde mental, ele havia assumido em 2020 o compromisso de financiar a participação da rede no chamado renascimento psicodélico.

“A reputação da Rede de Saúde da Universidade como um líder mundial em pesquisa de saúde mental, com seu time de experts e especialistas dedicados à exploração de terapias psicodélicas baseadas em evidências, ajudará a avançar nossa compreensão dos medicamentos psicodélicos e o impacto positivo que têm sobre a saúde mental”, afirmou Singhal num comunicado.

“Ao aceitar esta doação, [a rede] envia uma mensagem poderosa de que o Canadá leva a sério a pesquisa psicodélica e o enfrentamento da crise existencial de saúde mental que afeta as massas. Devemos a esta geração e à próxima iniciar o processo de cura, por isso encorajo outros [doadores] a se juntar à Nikean nesta empreitada importante.”

O novo centro será dirigido pela psiquiatra Susan Abbey, especialista no estudo da modalidade de meditação “mindfulness”. A seu lado na direção estará Emma Hapke, que adquiriu experiência em psicoterapia assistida por psicodélicos atuando como pesquisadora da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps).

Reclassificação na Austrália

Uma revisão independente encomendada pela Administração de Produtos Terapêuticos (TGA) do governo da Austrália emitiu parecer favorável ao potencial de psicodélicos. para tratar transtornos mentais resistentes às terapias disponíveis. A comissão ressalvou que o uso deve acontecer em ambiente clínico com supervisão intensiva de pessoal médico, noticiou a rede ABC .

A TGA estuda no momento a possibilidade de rebaixar a classificação dos psicodélicos MDMA (base do ecstasy) e psilocibina (de cogumelos “mágicos”) de substâncias “proibidas” para “controladas”. A reclassificação permitiria seu uso clínico, mas a decisão final só será tomada em dezembro.

Paciente de 14 anos no consultório de psiquiatra com quem trata de quadro depressivo, com episódios de automutilação e tentativa de suicidio (Eduardo Knapp/Folhapress-17.out.2019)

Contra suicídios nos EUA

A notícia é de abril, mas havia deixado passar: o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) dos Estados Unidos aprovou seis projetos de investigação de terapia psicodélica para prevenção de suicídios com cetamina, anestésico de amplo uso que vem sendo empregado contra depressão, e escetamina, uma variante da mesma molécula. Dois outros financiamentos buscam o mesmo objetivo com estimulação magnética transcraniana.

Ocorrem a cada ano mais de 800 mil suicídios no mundo, pelos menos 6% disso nos EUA. Há indícios de que as tentativas podem estar crescendo com a pandemia de Covid-19, em especial entre profissionais de saúde, desempregados, convalescentes com sequelas (Covid longa) e parentes de vítimas do coronavírus.

Segundo o comunicado do NIMH, taxas de suicídio já vinham aumentando nos EUA há duas décadas. Estudos mostram que o sistema de saúde pode fazer mais para diminuir o risco, se dispuser de intervenção rápida baseada em evidências, pois 80% das pessoas que se matam passaram por atendimento nos 12 meses antes da morte, um quarto delas na semana anterior.

A cetamina, que tem efeito dissociativo similar ao de psicodélicos clássicos, mas bem mais breve (menos de uma hora), diminui sintomas de depressão. Parece também atuar para arrefecer ideações suicidas.

A farmacêutica Janssen se baseou na variante escetamina para lançar o medicamento antidepressivo Spravato na forma de spray nasal. Mas testes clínicos não apresentaram resultados estatisticamente robustos o bastante para indicação na bula como eficaz contra ideação suicida.

Além disso, um estudo de custo-benefício não recomendou o remédio para uso em saúde pública, mesmo porque existe a alternativa mais barata da cetamina (injetável). A Anvisa licenciou o Spravato no Brasil.

Dois dos seis projetos do NIMH envolvem risco de suicídio de adolescentes. Os centros de pesquisa financiados pertencem às universidades de Pittsburgh, Columbia, Texas, Yale e Cleveland Clinic.

No Brasil, o grupo de Rafael Guimarães dos Santos na USP de Ribeirão Preto estuda o potencial da ayahuasca na prevenção de suicídios. Com a tragédia da Covid amplificada pela desumanidade de Bolsonaro, vamos precisar, e muito, de tudo que possa combater a presente epidemia de tristeza.

Livro

(Reprodução)