Cresce interesse de psicólogos por psicodélicos, mas estigma persiste
Repare no vídeo acima: uma chamada para evento da SBPA (Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica), associação de psicanalistas junguianos. “Plantas de poder e outras substâncias psicoativas – Ciência e espiritualidade”, promete o título.
Junguianos talvez sejam a tribo psi mais propensa a se interessar por essas substâncias, afinal há entre eles uma tradição de estudo sobre o acesso ao inconsciente coletivo e seus arquétipos intermediado por psicodélicos, como relembrou James Harris no periódico Jama Psychiatry. Essa linhagem remonta aos anos 1950, com o analista Ronald Sandison, seguido pelo psiquiatra Stanislav Grof na Universidade Johns Hopkins.
O interesse extrapola o campo junguiano, contudo. Pipoca aqui e ali, entre psicólogos e psiquiatras, uma aproximação cautelosa com os compostos modificadores de consciência, após décadas de hegemonia da psicanálise refratária a medicamentos e da psiquiatria farmacológica fundada no conceito de desequilíbrio bioquímico (neurotransmissores).
Reemerge, assim, o emprego de psicodélicos para recuperar conteúdos psíquicos recalcados, como traumas, a serem elaborados depois na psicoterapia. A técnica chamada de “psicolítica” teve larga utilização até meados dos anos 1960, pelo menos, quando a reação proibicionista da Guerra às Drogas lançou LSD, psilocibina e MDMA no rol das drogas proibidas.
Alan Davis, da mesma Johns Hopkins e da Universidade do Estado de Ohio, pôs-se a campo para medir o interesse entre psicólogos. Constatou, conforme relata no artigo “Atitudes e Crenças sobre o Uso Terapêutico de Drogas Psicodélicas entre Psicólogos nos Estados Unidos”, uma disposição cautelosamente favorável ao uso, ainda que acompanhada de perene preocupação com riscos psiquiátricos e neurocognitivos.
Dito de outra maneira, o trabalho publicado no periódico Journal of Psychoactive Drugs indica que estigma persiste. Isso apesar do crescente corpo de estudos comprovando que o perigo de danos permanentes ao cérebro ou à saúde mental contido nos psicodélicos é diminuto, sobretudo se comparado ao álcool.
Não vai ser fácil desfazer a lenda urbana de que o LSD, por exemplo, abriria buracos no tecido cerebral. Ou que várias pessoas entrem em surto psicótico com o ácido, que viagens ruins sejam frequentes e que muitos “nunca voltariam”, mitos criados pela propaganda governamental americana com auxílio da imprensa sensacionalista no mundo todo.
Davis e seu grupo usaram um desenho complicado, “quase-experimental”, para obter pela internet respostas que permitissem tirar conclusões com significado estatístico de 366 psicólogos clínicos atuantes nos EUA. Mais de quatro quintos opinaram que intervenções apoiadas por psicodélicos merecem mais estudos, embora menos da metade concorde com a afirmação de que representem uma promessa para tratamento de transtornos psiquiátricos.
Ora, é precisamente isso que a pesquisa científica vem constatando. O MDMA (ecstasy) enfrenta testes clínicos de fase 3 para tratar transtorno de estresse pós-traumático, e há expectativa de que seja licenciado para isso até 2023. A psilocibina passa por ensaios clínicos contra depressão e, como o MDMA, entrou numa via rápida de aprovação pela FDA (a Anvisa dos EUA), como “breakthrough therapy”.
Os psicólogos entrevistados se mostraram duas vezes mais inclinados a alertar pacientes para riscos de tomar psicodélicos do que de praticar meditação, embora haja trabalhos indicando que o risco de efeitos psiquiátricos adversos é similar. Nos artigos sobre psicodélicos publicados na última década, não há notícia da ocorrência de psicose prolongada, comportamentos lesivos ou alterações persistentes de percepção.
A equipe de Davis conclui pela necessidade de educar e esclarecer psicólogos sobre os efeitos reais dos psicodélicos, até porque seu consumo só faz aumentar: “Dada sua sensibilidade e experiência no trabalho com questões de saúde mental, acreditamos que psicólogos são especialmente qualificados para apoiar clientes no processamento e na integração de experiências psicodélicas e para encorajar práticas vitais de redução de danos, assim como ajudar a guiar a implementação ética desses tratamentos em contextos clínicos e de pesquisa”.
O evento virtual da SBPA se propõe exatamente a isso, por meio de quatro meses redondas no final de novembro. Participarão algumas das figuras de proa da ciência psicodélica nacional, como o psiquiatra Dartiu Xavier, a antropóloga Bia Labate e o biomédico Eduardo Schenberg.
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