Renascimento psicodélico chega à Escola de Direito da Universidade Harvard
Harvard, em alguns rankings a melhor universidade do mundo, entra com os dois pés no terreno fértil da pesquisa sobre psicodélicos. Cinco meses depois de seu hospital-escola Mass General abrir um Centro para Neurociência de Psicodélicos, a Escola de Direito de Harvard lança o Projeto sobre Direito e Regulação de Psicodélicos.
A iniciativa do Centro Petrie-Flom atende pelo simpático acrônimo Poplar, que em inglês é um nome de árvore, choupo. O projeto tem conexão com o pioneirismo de Oregon na descriminalização de psicodélicos, na pessoa do líder do projeto Mason Marks, membro do Comitê Consultivo de Psilocibina daquele estado americano.
O Poplar focalizará cinco áreas: ética em pesquisa e terapêutica psicodélica; desafios na intersecção de psicodélicos com direito de propriedade intelectual; oportunidades para fomento federal de pesquisa psicodélica; acesso a terapias psicodélicas e equidade na indústria psicodélica emergente; e papel de psicodélicos na cura de traumas.
Com efeito, um dos temas legais mais espinhosos em torno de psicodélicos são as patentes abusivas. A Vice, por exemplo, publicou quinta-feira passada (1) reportagem de Shayla Love apontando a concessão de patente para tratamento de alergias alimentares com LSD, algo que nem mesmo se encontra em estudo.
A corrida por direitos de propriedade intelectual parte dos bons resultados experimentais obtidos por psicodélicos contra transtornos psiquiátricos. A substância mais próxima de obter regulamentação da agência de fármacos americana (FDA) é o MDMA (base do ecstasy), para tratamento do estresse pós-traumático –uma patologia enfrentada por mais de 800 mil veteranos dos EUA, um país dado a cultuá-los como heróis.
Acesso futuro aos tratamentos inovadores, inclusão de grupos minoritários na nova indústria e repartição de benefícios com povos tradicionais são outros temas emergentes. Agora é a hora de contemplá-los nas normas regulatórias que estão pipocando por toda parte nos Estados Unidos e noutros países.
Maine, Vermont, Flórida, Iowa, Califórnia, Massachusetts, Connecticut e Havaí debatem legislações com vistas a descriminalização (extinção de penas para quem usa ou possui pequenas quantidades) ou legalização (permissão para comercializar) de psicodélicos e até opioides. Também o Canadá debate se segue essa via, aberta há duas décadas por Portugal, um caso de sucesso na prevenção de overdoses e mortes.
Não se descarta nem que a legislação federal americana acabe indo na linha que tantas cidades e estados acabaram adotando com maconha medicinal, depois com uso recreativo e, nos últimos meses, com psicodélicos. No mesmo dia (17 de junho) em que a Guerra às Drogas de Richard Nixon completou 50 anos, a Câmara dos Representantes recebeu um projeto de lei para reforma da política de drogas.
De autoria de das deputadas democratas Bonnie Watson e Cori Bush, a proposta prevê acabar com penalidades criminais para posse de drogas. Prescreve ainda a transferência de jurisdição sobre as substâncias e seus usuários do Departamento de Justiça para a Secretaria de Saúde e Serviços Humanos, mudança similar à executada em Portugal.
O projeto contou com consultoria da Aliança para Políticas de Drogas (DPA, em inglês). Kassandra Frederique, diretora-executiva da DPA, disse em depoimento na Câmara que o fracasso da Guerra às Drogas em reduzir mortes (além de encarcerar em massa negros e latinos) “exacerbou os perigos de mercados ilícitos e impediu a implementação de sistemas robustos de redução de danos, afastando as pessoas que querem e precisam de ajuda para longe dos recursos de saúde pública”.
No Brasil, recurso extraordinário aguarda há uma década decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade de manter como crime a posse de maconha. Mais de 1/5 da população carcerária aqui está trancafiada por tráfico de drogas, acusação e condenação mais comuns, muitos por flagrantes com quantidades mínimas de maconha, cocaína ou crack.
O julgamento começou em 2015, com três ministros a favor da descriminalização. Em 2019, o julgamento poderia ter sido reiniciado, mas os presidentes do STF Dias Toffoli e Luiz Fux tiraram o tema da pauta desde então, para não melindrar Jair Bolsonaro. Zero de ativismo judicial aqui.
O presidente, aliás, já prometeu vetar qualquer coisa que saia do Congresso no sentido de legalizar até a maconha medicinal. Decisão da Anvisa autorizou esse tipo de uso, mas o plantio de cânabis para obter o fármaco canabidiol segue proibido, forçando pacientes –crianças com epilepsia grave, por exemplo– a pagar caro por produtos importados.
Bolsonaro et caterva só imitam Estados Unidos e Israel no que eles têm de pior.
Não se pode esperar outra coisa de um governo que trivializa a morte de 520 mil brasileiros e cumprimenta policiais pela chacina de Jacarezinho. E que dificulta por meses a compra da vacina mais moderna enquanto move mundos e fundos para acelerar contrato com vistas a 400 milhões de doses inexistentes oferecidas por empresa de três funcionários do Texas representada por um cabo da PM de Minas Gerais que denunciou pedido de propina pelo Ministério da Saúde.