Estudo testa cogumelos ‘mágicos’ contra desespero na linha de frente da Covid

 

Parece impossível, nesta altura da pandemia, que o flagelo da Covid não resulte em danos sérios para a saúde mental. Luto, polarização, isolamento, perda de renda e de perspectivas, sequelas da infecção, proliferação de falsidades, aumento da desigualdade, regressão política –parece uma conspiração contra o equilíbrio emocional e a favor do desespero.

Nem tudo caminha para o fundo do poço, entretanto. Há um renascimento psicodélico em curso, e pesquisadores já se movimentam para buscar na revalorização dessas drogas um lenitivo para as primeiras vítimas da invasão dos coronavírus, os profissionais que atuam na linha de frente para salvar vidas.

Os sinais de deterioração na esfera psíquica estão à vista de todos. Nos Estados Unidos, por exemplo, em maio de 2020 –meros três meses após a chegada da Covid– ocorreram 42% mais mortes por overdose de opioides do que no mesmo mês do ano anterior. Teme-se que haja ainda uma alta de suicídios.

Uma revisão sistemática de 29 estudos sobre estado psicológico de profissionais de saúde atuando contra Covid concluiu que um quarto do pessoal nas enfermarias e UTIs sofre com depressão (24,3%) ou ansiedade (25,8%).

Noutro levantamento com 21 mil trabalhadores em 42 estabelecimentos do setor nos EUA, 61% relataram medo permanente de infectar-se e transmitir o vírus Sars-CoV-2, 43% se queixaram de sobrecarga de trabalho e 38% admitiram ansiedade ou depressão. Mais afetadas são as mulheres latinas ou negras.

Com a proliferação de bons resultados preliminares em testes de psilocibina (composto psicoativo dos chamados “cogumelos mágicos” do gênero Psilocybe) contra depressão, a Universidade de Washington e a empresa Cybin se uniram para lançar um ensaio clínico precisamente para sondar a possibilidade de que esse psicodélico clássico venha a aliviar o sofrimento de enfermeiras(os), assistentes e médicas(os) que trabalham diretamente com pacientes de Covid.

O teste clínico controlado duplo-cego será coordenado por Anthony Black em Seattle, noticiou o site da Forbes, uma cidade gravemente atingida pela pandemia. Como de hábito nesses estudos com psicodélicos para transtornos mentais, não será investigada só a droga, mas seu emprego como facilitadora de processos psicoterapêuticos, envolvendo várias sessões antes e depois da ingestão da droga.

O ensaio de Seattle se somará a outros 70 testes clínicos com psicodélicos identificados por pesquisadores do Canadá. A maioria tem por objeto MDMA (46%) –droga mais perto de ser aprovada para uso corrente, notadamente para tratar estresse pós-traumático– e psilocibina (41%), neste caso em geral contra depressão e ansiedade.

Só 21 desses estudos “renascentistas” tiveram resultados publicados, o que equivale a dizer que nada menos que meia centena de ensaios registrados estão em andamento ou para começar. Entre eles há dois testes clínicos em preparação no Brasil, na USP, com o psicodélico ibogaína para tratamento de dependência química (crack/cocaína e álcool).