Hunter Biden usou veneno de sapo e ibogaína contra dependência de crack
Não li a autobiografia de Hunter Biden, filho de Joe Biden, intitulada “Beautiful Things” (coisas bonitas); satisfiz-me com a descrição de Lúcia Guimarães na Folha. Aí topei com a notícia resumida no título acima e vi que precisaria escrever sobre ela (a notícia, não a autobiografia).
Não era desconhecido que Hunter atravessou 51 anos de vida com problemas de álcool e cocaína. No livro, ele aprofunda a questão para revelar que, na busca para interromper a dependência, recorreu a terapias psicodélicas, como narra David Carpenter no site Lucid News (em inglês).
Atente o leitor para o significado disso: o filho do presidente dos Estados Unidos e pivô do escândalo que Donald Trump tentou armar em torno do oponente era não só usuário de drogas como recorreu a duas outras substâncias proscritas em seu país, 5-MeO-DMT e ibogaína, para tentar livrar-se do abuso que ameaçava destruir sua vida.
Que Hunter se sinta à vontade para admitir isso por escrito é um sinal claro de que os psicodélicos deixaram de ser tabu. Se o fez no best seller, é porque a neurociência e outro livro muito vendido, “Como Mudar sua Mente”, de Michael Pollan, tinham aberto o caminho para tornar público a renascimento psicodélico.
Caso tivesse sido detido nos EUA com uma das substâncias, Hunter poderia ser condenado a 5 ou 10 anos de prisão. Mas ele não correu tal risco por ter procurado tratamento numa clínica do México, onde a droga 5-MeO-DMT não é regulamentada.
A primeira terapia foi com ibogaína, composto obtido da casca da raiz de uma planta africana, a Tabernanthe iboga. Sob o efeito onírico da droga, que pode durar várias horas, Hunter viu sua vida passar como se fosse uma apresentação de slides.
Depois, como parte do processo de cura que lhe propiciou mais de um ano de abstinência, o filho do presidente fumou 5-MeO-DMT, obtida da secreção das glândulas do sapo-do-deserto-de-sonora (Bufo alvarius, ou Incilius alvarius). A viagem dura 10 ou 15 minutos, mas já foi descrita por Pollan como decolar atado ao lado de fora de um foguete.
“Sei que soa maluco”, escreve Hunter na autobiografia. “No entanto, o que quer que [a droga] tenha feito ou não, a experiência destravou sentimentos e feridas que eu tinha enterrado fundo por tempo demais. Serviu como um bálsamo.”
“Foi uma experiência profunda. [O veneno do sapo] me conectou, de modo vívido e renovado, a todas as pessoas em minha vida, vivas ou mortas. Senti como se estivesse vendo toda a existência de uma vez –e como algo único.”
Não terá sido a primeira vez em que se alcança sobriedade após uma vivência transformadora que muitos descrevem como mística. A sensação de participar da unidade do cosmo é elemento recorrente em relatos de viagens psicodélicas intensas, também chamada de dissolução do ego por quem prefere evitar os subtons espiritualistas.
O elo do misticismo psicodélico com a superação da dependência química remonta às origens da própria organização Alcoólicos Anônimos, como anota Carpenter. O fundador da AA Bill Wilson chegou a experimentar LSD, em 1956, e a recomendá-lo para frequentadores por seu poder de desencadear transformações espirituais favorecedoras da abstinência.
A informação se encontra numa carta que Bill W. remeteu, em 1961, a ninguém menos que o psicólogo suíço Carl Jung. É o que conta Don Lattin (autor do ótimo livro “The Harvard Psychedelic Club”) em outra matéria de Lucid News: “Alguns de meus amigos da AA e eu tomamos o material [LSD] frequentemente e com muito proveito”, escreveu Wilson a Jung. Relatou que a droga deflagrava “grande alargamento e aprofundamento e elevação da consciência”.
O LSD teve farta distribuição como medicamento pelo laboratório suíço Sandoz nos anos 1950 e 1960, sob o nome Delysid. O ácido lisérgico foi usado contra alcoolismo e como apoio para psicoterapia, inclusive no Brasil.
Só acabou proibido nos EUA, e em seguida no mundo, depois de cair nas graças dos hippies e contestadores reunidos no vagalhão da contracultura. O renascimento dos psicodélicos para a ciência e a psiquiatria demorou quatro décadas para acontecer, e a confissão de Hunter Biden oferece indício eloquente de que parece ter voltado para ficar.
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