Conheça portal para combater patentes abusivas de medicamentos psicodélicos
Com o ressurgimento da atenção da pesquisa biomédica para substâncias alteradoras de consciência, levantou-se uma onda de interesse de investidores nos prometidos avanços para a psiquiatria. Na esteira vieram controvérsias sobre propriedade intelectual de psicodélicos, que um novo portal na internet pretende ajudar a resolver distinguindo o que é novidade do que não é.
A iniciativa estreou no final de abril e se chama Porta Sophia, algo como “portal da sabedoria”. Conta com apoio de Bill Linton, dono da empresa de suprimentos e equipamentos de biotecnologia Promega, que tem subsidiária no Brasil e fundador do Instituto Usona, de Madison (Wisconsin, EUA), voltado para a pesquisa clínica de psicodélicos como a psilocibina.
Seus parceiros são o escritório de advocacia americano Casimir Jones, especializado em direito patentário, o Instituto Americano de História da Farmácia da Universidade de Wisconsin, a Coleção Betsy Gordon de Pesquisa de Substâncias Psicoativas da Universidade Purdue e os fóruns online DMT-Nexus e Bluelight.
“Acreditamos fortemente no sistema de patentes que confere o reconhecimento de pedidos considerados legais, inovadores, úteis e não-óbvios”, diz o empresário, mas ressalvando: “Agentes de patentes precisam se fiar em informação que possam obter facilmente a respeito de conteúdos no domínio público, para poder decidir se concedem os pedidos de patentes”.
A ideia da Porta Sophia é reunir num lugar só milhões de documentos, artigos, resultados de pesquisas, conferências e simpósios científicos, bibliotecas de documentos, notas de internet e fontes de informação similares relacionados com terapias psicodélicas e assuntos correlatos. As buscas podem ser feitas por composto, condição mental e data, por exemplo.
“Isso ficará acessível para qualquer indivíduo ou organização, poupando tempo e despesas envolvidas na determinação de patenteabilidade”, afirma Linton.
Os usos terapêuticos desses compostos integram conhecimento milenar, como no caso dos cogumelos Psilocybe utilizados por curanderos e curanderas dos mazatecas, no México, ou da ayahuasca de povos indígenas no Brasil e no Peru. Outros foram criados em laboratório há décadas, como MDMA na farmacêutica Merck (1912) e LSD na Sandoz (1938), usados em psicoterapia nos anos 1950-1970.
Não há, assim, tanta novidade nas substâncias psicodélicas, a não ser por seu renascimento para a medicina após meio século de proscrição. Apesar disso, empresas que ora aplicam fortunas na perspectiva de um mercado bilionário, ou recolhendo outro tanto de capitalistas arrojados para financiar ensaios clínicos e semear startups, buscam proteger a rentabilidade futura do investimento com recurso à propriedade intelectual.
Só no caso da depressão estima-se que haja no mundo mais de 100 milhões de doentes que não obtêm bons resultados com antidepressivos disponíveis, os ISRS (inibidores seletivos de recaptação de serotonina, como escitalopram). É o que se chama de depressão resistente.
Investidores em psicodélicos recorrem a pedidos de patentes para formulações retocadas de compostos, processos aperfeiçoados de síntese e protocolos terapêuticos para transtornos mentais particulares –às vezes tudo num pacote só. A proliferação de títulos de propriedade intelectual, contudo, pode desestimular a entrada de novos empreendedores na competição, pelo alto custo de enfrentar batalhas jurídicas.
Considere o caso da britânica Compass Pathways. Começou como uma colaboração entre pesquisadores e terapeutas para avançar testes clínicos de psilocibina para depressão, mas foi reinventada como empresa com fins lucrativos.
Em 2020, a firma levantou US$ 146 milhões (R$ 780 milhões) no mercado de capitais. Outros US$ 80 milhões (R$ 430 milhões) foram amealhados só para custear testes clínicos com vistas à aprovação da psilocibina como medicamento psiquiátrico.
Hoje a Compass está no foco das maiores polêmicas sobre patentes, após apresentar vários pedidos de proteção para a síntese de sua formulação COMP360 aplicada a terapia para deprimidos graves. A companhia já obteve três certificados nos Estados Unidos.
A empresa de George Goldsmith e Ekaterina Malievskaia segue adiantada com testes clínicos de fase 2 sobre emprego de psilocibina para depressão. Seu principal concorrente é o Instituto Usona, de Bill Linton.
O Usona também empreende um teste clínico. A diferença é que publica todos os passos de sua síntese química e põe a própria psilocibina à disposição de outros estudiosos, fiel a ideais de ciência aberta que têm forte tradição no meio psicodélico.
“Devido a aspectos históricos e culturais dos psicodélicos, o estado da arte pode ser difícil ou complicado de achar. Porta Sophia identifica as inovações prévias pertinentes para revisores de patentes onde quer que existam em espaços comuns e incomuns”, afirma o portal patrocinado por Linton.
“Isso inclui fontes tradicionais (literatura científica, patentes publicadas) e arquivos domésticos e estrangeiros que destaquem trabalho fundamental realizado décadas atrás. Porta Sophia está desenvolvendo novas ferramentas para identificar inovação prévia em milhões de notas de blog contidas em vários fóruns digitais.”
Uma equipe de especialistas científicos e jurídicos faz a curadoria das referências relevantes para revisores de patentes. Os organizadores anteveem atualização contínua do conteúdo com o engajamento da comunidade psicodélica, que pode contribuir sugerindo referências, cinco por vez ou por atacado (por exemplo um acervo inteiro de documentos).
“Esperamos fazer Porta Sophia crescer como uma importante estrutura voltada para a sociedade que ajude a proteger o domínio público, estimular inovação sobre aplicações psicodélicas e instrumentar a aprovação rápida de opções de tratamento baseado em psicodélicos.”
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