Por que não fazer da ayahuasca a mãe de todas as reconciliações

Alguns de vocês devem ter visto que a Folha publicou neste domingo (9), no caderno Ilustríssima, duas páginas com trecho do livro “Psiconautas — Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”, que começa a ser vendido na quinta-feira (13). A passagem corresponde a cerca de 1/4 do primeiro capítulo, que trata de pesquisas experimentais sobre possíveis efeitos terapêuticos da ayahuasca, por exemplo ajudando quem tem depressão resistente aos antidepressivos disponíveis.

Deprimido como todos estamos com a presença enorme da morte na vida dos brasileiros (Covid, Jacarezinho, Paulo Gustavo, Saudades-SC, Bolsonaro), veio à mente um dos estudos mais intrigantes surgidos na apuração do livro e que acabou não aproveitado no volume. Trata-se do uso do daime como facilitador de congraçamento entre lados opostos de conflitos (só tratei brevemente do caso de israelenses e palestinos numa reportagem de 2019).

Tempos depois fui topar com o relato de Natalie Lyla Ginsberg sobre entrevistas com judeus e palestinos frequentadores de círculos de ayahuasca, cuja leitura recomendo (está em inglês). São tocantes os testemunhos de ambos os lados sobre arrefecimento da polarização e reconhecimento mútuo da humanidade que os aproxima.

Num delírio típico de Dia das Mães, após momentos de intenso prazer na companhia de netos, assaltou-me uma fantasia: e se alguém se aventurasse a organizar uma espécie de grupo de pesquisa qualitativa, do tipo que se faz em vésperas de eleições, mas reunindo bolsominions, petralhas, (neo)liberais, isentões, médicos ou enfermeiros, tucanos, centrãozistas, farialimers e policiais para beber o chá? Quem sabe alguns de nós sairiam do labirinto de ódio em que nos metemos.

(Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Se alguém acha que bolsonaristas jamais tocarão num copo de ayahuasca, que pense duas vezes. O advogado e empresário Luís Felipe Belmonte, que trabalhou pela criação do partido Aliança pelo Brasil, foi um dos mais altos dirigentes da religião União do Vegetal (UDV).

O tema da psicodelia de direita já foi objeto de reportagem de Carlos Minuano e aqui mesmo neste blog, em nota sobre o xamã psicodélico Lobo de Yellowstone, que invadiu com seus chifres o Capitólio em Washington, DC.

Jake Angeli, o xamã psicodélico Lobo de Yellowstone que invadiu o capitólio (REUTERS/Stephanie Keith)

Pensando bem, não tem pé nem cabeça a ideia de juntar esse povo todo para tomar ayahuasca. Ninguém teria coragem para tanto. Por outro lado, nada parece impossível no país que elegeu para presidente o Cavalão de Agulhas Negras.

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