Mais estudos atestam potencial psicodélico contra pandemia de suicídios
Um ano atrás, em 29 de março de 2020, o corpo de Thomas Schäfer foi encontrado junto de trilhos de trem perto de Wiesbaden, na Alemanha. Ele era secretário da Fazenda do estado de Hesse, e sua morte foi atribuída a suicídio após desespero com a impotência diante do desastre na economia e no emprego causado pela Covid-19. Dias depois, outro funcionário da secretaria tirou a própria vida.
A pandemia generalizou o temor de um crescimento no número de suicídios (são mais de 800 mil por ano no mundo), na tempestade perfeita a combinar angústia, isolamento social, desemprego e perda de renda. Não há dados ainda para confirmar uma tendência, mas é certo que ao menos nos EUA há mais gente pensando em tirar a própria vida, segundo os Centros de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), num país que sem a Covid já contava 48 mil desses óbitos por ano, e aumentando.
Em paralelo, avolumam-se indicações da pesquisa biomédica de que psicodélicos clássicos como a psilocibina de cogumelos “mágicos” e o DMT da ayahuasca podem ser úteis na prevenção dessas mortes. No entanto, essa classe de substâncias permanece banida na maior parte dos países, sob a justificativa de que os chamados “alucinógenos” causam dependência e têm alta toxicidade –coisas que a ciência comprova ser uma falsidade.
O potencial de psicodélicos na prevenção do suicídio já foi tratado aqui. Pesquisadores brasileiros, favorecidos pelo fato de a ayahuasca ser legal no país, mostravam então que o chá ritual de religiões como Santo Daime, Barquinha e UDV pode ser útil nessa empreitada.
Agora, mais estudos surgem para corroborar essa promessa terapêutica e a irracionalidade manifesta de manter tais compostos no rol de substâncias proibidas e controladas, o que só dificulta a pesquisa. Um deles, sobre ansiedade de pacientes com câncer grave e risco de suicídio multiplicado por quatro, tem como co-autor Richard Zeifman, do Imperial College, que já aparecera entre os responsáveis pelo artigo de brasileiros sobre ayahuasca e suicídio, liderado por Dráulio de Araújo, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
No novo trabalho, publicado em 18 de março, Zeifman, Stephen Ross e outros mostram que a diminuição de ideações suicidas entre diagnosticados com câncer submetidos a psicoterapia com psilocibina permanece até 4,5 anos depois. Para os autores, o psicoativo dos cogumelos Psilocybe aparece como boa alternativa aos antidepressivos disponíveis na prevenção do problema.
Zeifman também participa do outro estudo, lançado em 11 de março, neste caso sobre risco de suicídio e psicodélicos clássico em geral, não só psilocibina. Trata-se de uma revisão sistemática, tipo de artigo que busca reunir conclusões de vários outros estudos para robustecer relações causais pressupostas.
Foram considerados 64 trabalhos, 41 deles sobre a associação entre uso não clínico de psicodélicos e comportamentos suicidas e 23 sobre terapias psicodélicas e seu impacto no risco de morte autoprovocada. Nada conseguiram concluir sobre uso continuado dessas substâncias e aumento ou diminuição de risco, mas nos estudos clínicos recentes sobre psicodélicos encontraram evidências preliminares de redução acentuada e sustentada em ideações suicidas.