Universidade da Califórnia tem doação de US$ 6,4 mi para estudar psicodélicos

(Reprodução)
Marcelo Leite

O entusiasmo acadêmico com o chamado renascimento psicodélico ganhou adesão de peso nesta terça-feira (30): a Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF) criou uma divisão só para pesquisar essas drogas em seu centro de neurociência Neuroscape.  O financiamento inicial, obtido com doações privadas, é de US$ 6,4 milhões (cerca de R$ 36 milhões).

Parte desse valor, US$ 4 milhões, se destina à nova cátedra Ralph Metzner de Neurologia e Psiquiatria. Para ela foi designado, como diretor-fundador da divisão, o neurocientista britânico Robin Carhart-Harris, hoje a face mais conhecida desse campo de pesquisa biomédica voltado a encontrar alternativas para a psiquiatria tratar transtornos mentais como depressão.

Carhart-Harris deixa a direção do pioneiro Centro para Pesquisa Psicodélica do Imperial College de Londres, aberto em 2019 com dotação privada similar à que o atrai agora para a Califórnia. O pesquisador se notabilizou por imagens do cérebro de voluntários sob efeito de LSD e psilocibina, substância psicoativa de cogumelos que o Imperial College mostrou em estudo preliminar ser eficaz contra depressão.

Perguntei por email a Carhart-Harris sobre a razão de interromper a carreira no Imperial, pelo qual publicou mais de uma centena de artigos científicos em 11 anos. “Muito bem-sucedida, sim, mas menos em termos de promoção na carreira”, respondeu o neurocientista. “Ofereceram-me algo incrível na UCSF, a cátedra com dotação sendo particularmente atraente.”

“Ainda tenho estudos importantes em curso no Imperial, mas espero produzir neurociência realmente bacana, ciência interdisciplinar entre medicina e tecnologia, na UCSF. A expertise em tecnologia do Neuroscape é particularmente animadora. Ah, sim, e o tempo na área leste da baía [de São Francisco], onde pretendemos nos estabelecer!”

O Imperial puxou uma fila que não cessa de aumentar. Em seguida viria o Centro para Pesquisa de Psicodélicos e Consciência da Universidade Johns Hopkins, o mais bem-dotado (US$ 17 milhões). Depois, a Universidade de Nova York (NYU), os hospitais Mount Sinai e MassGeneral/Harvard.

Hospital Mount Sinai em Nova York (REUTERS/Mike Segar)

A doação para a cátedra Metzner homenageia o companheiro de Timothy Leary e Richard Alpert no Projeto Psilocibina, criado em 1960 para estudar psicodélicos na mesma Universidade Harvard que agora retoma o veio de pesquisa. O grupo controverso acabou expulso da universidade, e Leary se tornou a partir daí o “guru do LSD” e inimigo número 1 na Guerra às Drogas deflagrada em 1971 por Richard Nixon, que lançou os psicodélicos no ostracismo.

Os US$ 4 milhões doados à vaga aberta para Carhart-Harris na UCSF partiram de outras figuras polêmicas, Ekaterina Malievskaia e George Goldsmith, da empresa Compass Pathways. A companhia realiza testes clínicos para obter para obter aprovação da psilocibina no tratamento de depressão e atua agressivamente para patentear o uso do psicodélico em terapia.

“Como um dos destacados cientistas desta geração, estamos satisfeitos que Robin Carhart-Harris seja o primeiro beneficiário dessa cátedra. Estamos confiantes de que ele e a equipe do Neuroscape continuarão avançando a inovação para transformar o cuidado em saúde mental”, declarou Goldsmith.

Robin Carhart-Harris (Divulgação)

“Nossos generosos financiadores estão tornando possível um grande salto à frente na geração de eficácia e segurança clínica para indivíduos no uso de psicodélicos para tratar uma ampla gama de condições de saúde mental, incluindo depressão, ansiedade, TEPT [transtorno de estre pós-traumático] e dependência química”, afirmou em comunicado da UCSF Adam Gazzaley, diretor do Neuroscape, a unidade interdisciplinar que se dedica a aproximar a neurociência da tecnologia.

A nova divisão da UCSF no Neuroscape atuará no que se diagnosticou como carência de estudos para otimizar a administração de psicodélicos, uma vez que os testes clínicos preliminares até aqui só teriam focalizado sua comparação com placebo. A ideia é monitorar dados fisiológicos, neurológicos e psicológicos para determinar a influência de vários fatores sobre o resultado terapêutico, como condições prévias do paciente, ambiente de terapia, decoração, música etc. –o que na literatura psicodélica ficou conhecido como set e setting.

“Essa pesquisa nos permitirá entender se um tratamento particular está bem adequado a um indivíduo, monitorando em tempo real como uma experiência [psicodélica] se desenrola”, disse no comunicado Jennifer Mitchell, professora da UCSF que lidera ensaios sobre MDMA (ecstasy) para tratar TEPT. “Nós miramos em ajustar dinamicamente elementos chave do contexto de uma maneira que guie os pacientes a uma experiência otimizada, assim maximizando benefícios positivos sustentáveis, de longo prazo.”

As principais instituições acadêmicas do mundo surfam a onda psicodélica com dedicação. Já o Brasil, que tem tradição pioneira de pesquisa com ayahuasca e figura entre os três países com estudos de maior impacto na área, atrás só de EUA e Reino Unido, está ficando para trás.

Por mais improvável que pareça durante um governo retrógrado como o de Jair Bolsonaro, a pergunta do primeiro post deste blog se mantém: quando o país vai abrir seu centro de pesquisa psicodélica? Onde estão os investidores brasileiros visionários o bastante para não se acomodar diante do obscurantismo?

Para quem quiser mais, em maio darei um curso sobre o renascimento psicodélico na plataforma Bora Saber: