Britânicos testam DMT, psicodélico da ayahuasca, contra depressão grave
A startup Small Pharma, do Reino Unido, recebeu autorização para iniciar estudos clínicos preliminares (fase 1) com dimetiltriptamina (DMT) contra depressão e deve começar em breve. DMT é o principal causador do efeito psicodélico da ayahuasca, e seu potencial contra o transtorno que aflige mais de 300 milhões de pessoas no mundo foi já comprovado por pesquisadores brasileiros.
A BBC noticiou o ensaio clínico afirmando que “o poderoso alucinogênico conhecido por seu papel em rituais xamânicos está sendo testado pela primeira vez como uma cura potencial para depressão”. A afirmação contém algo de impreciso, pois o efeito antidepressivo da DMT afinal foi testado antes, ainda que apenas na combinação com os outros ingredientes do chá usado em cerimônias de Santo Daime, União do Vegetal e Barquinha.
No caso britânico, o composto em estado puro será provavelmente administrado por injeção, porque na via oral ele termina degradado por enzimas presentes no aparelho digestivo, como a monoamina-oxidase (MAO). A ingestão da ayahuasca não tem o mesmo resultado porque a infusão, além das folhas da chacrona que fornecem DMT, contém inibidores da MAO provenientes do cipó-mariri.
Chama a atenção o estudo ser da Small Pharma, uma empresa, e não de instituição acadêmica. Verdade que ele será conduzido em parceria com o Centro para Pesquisa Psicodélica do Imperial College de Londres, mas o envolvimento de uma startup que recebeu incentivo financeiro do governo britânico exemplifica o interesse crescente de investidores nos psicodélicos, não sem alguma controvérsia.
Muitas empresas estão sendo criadas e capitalizadas para investigar e quiçá patentear várias substâncias psicodélicas (DMT, LSD, MDMA, 5-MeO-DMT etc.) para tratar vários transtornos psíquicos e físicos, de estresse e enxaqueca a alcoolismo e anorexia. DMT, por exemplo, está para ser testado contra Alzheimer e AVC.
Participarão da primeira etapa do estudo da Small Pharma 32 voluntários sem experiência anterior com psicodélicos. O objetivo desta fase 1 é estabelecer a dose mínima capaz de desencadear algum efeito psicodélico, como as famosas “mirações” da ayahuasca. Na fase 2, o grupo será de 36 pessoas com depressão crônica grave.
A diretora médico-científica da Small Pharma, Carol Routledge, mencionou estudos anteriores sobre ayahuasca e depressão ao boletim Psilocybin alpha, mas justificou a escolha por DMT dizendo que o chá “contém meio que um coquetel de componentes ativos, e como tal tem perfil de segurança muito mais fraco e experiência psicodélica significativamente mais longa comparada com DMT”.
A expectativa é que o tratamento com DMT encurte sessões de terapia para no máximo duas horas. Isso reduziria custos de um eventual tratamento, diante das seis horas que pode durar uma sessão com ayahuasca –e tempo parecido com a psilocibina de cogumelos “mágicos”, outro psicodélico em testes avançados contra depressão <>.
Routledge comparou o efeito de uma dose alta de DMT com agitar um globo de neve, aquele objeto de vidro cheio de água e alguma cena em geral bucólica. “Sacudir um globo de neve perturba padrões de pensamento insalubres e oferecem uma oportunidade para que se reassentem de maneira diferente” –o que não chega a ser uma metáfora feliz, pois no caso do enfeite estado inicial e estado final são indistinguíveis.
Dráulio Barros de Araújo, físico do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que liderou o estudo sobre ayahuasca e depressão publicado eletronicamente em 2018, seguirá a pista aberta no Brasil investigando também DMT separadamente. Seu plano é apresentar o projeto em breve ao comitê de ética em pesquisa da UFRN.
Para saber mais sobre o pioneirismo psicodélico no Brasil, duas oportunidades surgirão em maio:
Na primeira semana deverá ser lançado meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”, pela Editora Fósforo;
Na segunda quinzena, entrando por junho, um curso com quatro aulas no site Bora Saber.