Saiba quem é Rick Doblin, ex-hippie há 35 anos na vanguarda psicodélica

Chovia a cântaros naquela noitinha de outubro de 2018 quando bati à casa de Rick Doblin em Belmont, subúrbio de Boston. Um dos principais responsáveis pelo que se convencionou chamar de renascimento psicodélico abriu a porta com o sorriso que lhe é peculiar e um celular na orelha, gesticulando para que o desconhecido encharcado entrasse.

Fomos direto para a mesa de fórmica na cozinha onde Rick trabalhava com um laptop e a tigela de pipoca à frente. O ex-hippie é uma usina multitarefa hiperativa, que parece dedicar cada minuto da vida à sua maior obra, a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês), que completa 35 anos de militância no mês que vem.

Foi preciso esperar uns 20 minutos até começar a entrevista para o livro “Psiconautas”, que sai agora em maio pela Editora Fósforo. Rick discutia com um aliado os próximos passos após o sucesso do debate sobre medicina psicodélica do dia anterior no Instituto Broad, iniciativa conjunta da Universidade Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) consagrada à genômica. Falava também da bem-recebida palestra recente para uma reunião de chefes de polícia, na Flórida.

Graças em boa medida a sua persistência, substâncias psicodélicas como LSD, psilocibina, MDMA e DMT estão de volta ao panteão farmacológico da medicina, ainda que em fase experimental. Templos da biomedicina como o Imperial College de Londres, os hospitais Massachusetts General e Mount Sinai e as universidades de Nova York (NYU) e Johns Hopkins se apressam a abrir centros dedicados ao tema emergente de pesquisa clínica, seguindo a liderança da Maps.

Em 1986, contudo, era preciso muito tutano para criar uma ONG dessas apenas um ano depois de o governo americano proibir o MDMA. Primeira missão: processar a agência antidrogas DEA por isso. Era o auge da guerra às drogas deflagrada nos EUA pelo presidente Richard Nixon, que não via com bons olhos a crescente popularidade nas baladas de pílulas então conhecidas como ecstasy (hoje se fala mais MDMA, balinha, molly e até Michael Douglas).

Pílulas de ecstasy (MDMA) usadas em baladas (Divulgação/DEA)

O argumento de Rick era que não havia base científica para proscrever a droga empatógena –ao contrário– sob o pretexto de que não teria benefício para a saúde e carregaria potencial para criar dependência química. Mais de três décadas depois, ele caminha para vencer a disputa. Graças aos estudos patrocinados pela Maps, o MDMA é a substância psicodélica mais próxima de obter aprovação da FDA (agência americana de fármacos) para uso em tratamento psicoterápico para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Não deixa de ser ironia que um filho do movimento de objetores de consciência contra a Guerra do Vietnã, como Rick, se torne o campeão da luta por um remédio para aliviar o sofrimento psíquico de quase 900 mil veteranos de guerra americanos que padecem com TEPT. Não poucos desses ex-militares se tornam policiais e bombeiros, fechando a tríade de heróis que os conservadores dos EUA adoram cultuar.

Foi uma tacada de mestre da Maps e de Rick eleger esse transtorno e uma droga não alucinogênica para o teste clínico, alargando assim a trilha aberta pela descriminalização da maconha, que também começou pelo uso medicinal. Alguns estados americanos já começam a modificar suas leis e regulamentos para admitir o uso terapêutico de substâncias como psilocibina (psicoativo originalmente extraído dos cogumelos Psilocybe), com resultados promissores contra depressão e outros distúrbios mentais.

Psilocybe mexicana, cogumelo psicodélico (Creative Commons)

A Maps prepara agora a publicação dos resultados dos estudos clínicos de fase 3 realizados com MDMA para TEPT. Com isso, já tendo obtido acesso a uma via rápida de licenciamento na FDA como terapia revolucionária (breakthrough therapy), estima-se que o tratamento possa ser aprovado em 2022.

Não há dúvida de que Rick e a Maps têm mesmo muito o que comemorar.