Conheça os padrões de uso de drogas psicodélicas em 25 países
A nova edição anual do Levantamento Global de Drogas (GDS 2020), enquete online realizada desde 2015, dedicou em 2020 uma seção especial sobre consumo de psicodélicos divulgada nesta sexta-feira. Das 110 mil pessoas em 25 países (Brasil incluído) que participaram, mais de 20 mil responderam à seção que tratava dos alteradores de consciência.
O próximo levantamento GDS ainda está aceitando participantes. Os questionários ficam disponíveis em 11 línguas, incluindo o português.
Embora a amostra não seja estatisticamente representativa das diversas populações, percebe-se nos resultados um reflexo da profusão de estudos que apontam essas drogas como alternativas para tratar transtornos mentais como a depressão. O chamado renascimento psicodélico se espraia mais e mais entre pesquisadores, médicos, psicólogos e, por fim, no público, impelido pela cobertura da imprensa.
Antes que alguém se escandalize com a crescente popularidade de drogas proibidas, duas coisas precisam ficar claras. Uma: substâncias como LSD e psilocibina têm bom perfil de segurança e baixo potencial para dependência. Duas: como o mostra o GDS 2020, o maior problema está numa droga legal, o álcool, consumido por 94% dos participantes, que informaram ter ficado bêbados, a ponto de se desequilibrar, 21 vezes no ano anterior, em média, e arrepender-se disso em um terço das ocasiões.
Depois do álcool, a segunda droga psicoativa mais usada foi maconha (64,5%), seguida de tabaco (60,8%). Em quarto lugar aparece o primeiro psicodélico, MDMA (37,6%), embora muitos não o considerem um integrante “clássico” desse grupo, preferindo caracterizar o ecstasy como “empatógeno”.
O primeiro psicodélico clássico, LSD, aparece em nono lugar, com 21% de adeptos. O ácido é também a droga avaliada como portadora da melhor relação custo/benefício, com nota média de 8,5 pontos numa escala de 10.
Cerca de 15 mil pessoas indicaram usar LSD, 61% delas entre 2 e 10 vezes num ano. Metade (52%) para ficar bem, um terço (32%) para enfrentar uma dificuldade emocional específica e 15% para tentar resolver um problema psiquiátrico, como depressão ou ansiedade.
Perfil bem similar emerge do levantamento entre os 11 mil que responderam usar cogumelos “mágicos”, em geral do gênero Psilocybe, fontes de psilocibina. Um pouco mais da metade (56%) fez isso entre 2 e 10 vezes nos 12 meses anteriores, 55% estavam em busca de bem-estar, 32% por motivos emocionais e 13%, psiquiátricos.
Com a popularização de psicodélicos como lenitivos do sofrimento psíquico, o levantamento coordenado pelo psiquiatra Adam Winstock, professor do University College de Londres, incluiu perguntas sobremicrodosagem, automedicação e consumo supervisionado. Só existem estudos experimentais sobre o uso terapêutico dessas substâncias proibidas, sempre sob cuidados médicos em instituições de pesquisa, e o propósito de Winstock foi investigar condições reais em que elas são consumidas para aquilatar o grau de risco envolvido no uso informal.
No Brasil, encontrou-se que 23% dos respondentes recorrem a microdoses, definidas como quantidades que não chegam a desencadear efeito psicodélico pleno ou perceptível, como manifestações visuais. Quase metade (47%), considerando todos os países, o faz com microdose única, de quando em quando, e 20%, de maneira regular, 2 a 3 vezes por semana.
O psicodélico preferido por 9 em 10 adeptos das microdoses são cogumelos secos (que podem ser comprados no Brasil pela internet). Acredita-se que eles melhorem o humor, a criatividade, a empatia e a produtividade.
No entanto, estudo recente constatou que os efeitos benéficos atribuídos à microdosagem não são estatisticamente diferentes dos induzidos por placebo. E cabe assinalar que microdoses não são isentas de riscos.
Um contingente de 6.500 participantes declarou recorrer a psicodélicos como automedicação, em busca de alívio para problemas de relacionamento, depressão e ansiedade. Neste caso, as preferências se distribuem entre LSD (34%), MDMA (25%), cogumelos (20%), cetamina (13%) e ayahuasca (4%). Nesse grupo, 96% relataram não ter procurado atendimento médico ou psiquiátrico emergencial no ano anterior.
Só 800 dos 6.500 automedicados, porém, responderam sobre o uso de psicodélicos sob a supervisão de outra pessoa. Os protocolos atualmente em pesquisa indicam ser indispensável o acompanhamento especializado por terapeutas.
Na maioria das situações (46%) relatadas, o facilitador é um amigo ou companheiro, não alguém com capacitação profissional. Ela seria importante sobretudo quando se tem em conta que essas pessoas raramente passam pelas sessões recomendadas de triagem e orientação. Psicodélicos são psicoativos poderosos, que podem desencadear experiências difíceis (bad trips) e até surtos psicóticos em quem tiver tendência não detectada para isso.
Não há surpresa, entretanto, dado que benefícios já vêm sendo apontados em estudo clínico após estudo clínico, na constatação do levantamento de que 52% dos automedicados reportam ter melhorado muito em seus transtornos e 34% pelo menos um pouco. Nove entre 10 seguiriam tratamentos em clínicas psicodélicas, caso venham a ser autorizados por autoridades reguladoras.
Esse renascimento psicodélico para a medicina parece mesmo incontornável. Na vanguarda está o tratamento de transtorno de estresse pós-traumático com MDMA, prestes a obter aprovação da FDA (agência farmacológica americana), e pela trilha aberta vem na sequência a psilocibina.
Com as evidências fornecidas pela ciência e sua crescente aceitação pelo público, a exemplo do ocorrido com a maconha, o próximo passo seria banir a proibição e dar acesso a essas substâncias para quem delas precisar e em condições de segurança melhores do que no consumo informal.