Microdose é igual a placebo, diz estudo controlado com LSD e psilocibina
Adeptos de microdosagem de LSD e outros psicodélicos como a psilocibina dos cogumelos “mágicos” deram uma espécie de tiro no próprio pé: participaram de estudo no qual se conclui que tais viagens homeopáticas não se distinguem dos efeitos mentais produzidos apenas pela expectativa de quem toma cápsulas vazias. E não qualquer estudo, mas o maior experimento controlado por placebo que já se fez com psicodélicos.
LSD e psilocibina são substâncias proibidas, o que encarece muito testes clínicos no padrão da biomedicina atual, mais ainda quando se investiga microdosagem, que implica uso continuado por várias semanas. O esquema é popular nas esferas profissionais de tecnologia, criatividade e finanças, onde se espraiou o costume de tomar 2-3 vezes por semana doses de psicodélicos que não desencadeiam alteração da consciência, mas às quais se atribui melhora de cognição, humor e produtividade –e até menos crises de enxaqueca.
Balázs Szigeti e colegas do Imperial College de Londres empregaram o subterfúgio da “ciência de cidadãos” (citizen science) para estudar a modinha. Vale dizer, com a ajuda de voluntários do público.
Usuários de microdoses de LSD e outros psicodélicos foram convocados pela internet a praticar seu hábito por quatro semanas, mas num sistema de “autocegamento” (self-blinding) em que não saberiam em quais dias tomavam cápsulas opacas contendo o psicodélico ou vazias (placebo). Eles mesmos haviam preparado e acondicionado as cápsulas em envelopes marcados só com códigos de barras fornecidos pelos pesquisadores, seguindo instruções de um vídeo.
Durante a pesquisa e na quinta e na nona semanas após a microdosagem, os participantes deveriam preencher pela internet baterias de questionários padronizados para medir bem-estar, satisfação com a vida, mindfulness, desempenho cognitivo e assim por diante. Dos 1.630 adeptos que se mostraram interessados, 240 iniciaram de fato o experimento, 191 seguiram até a quinta semana (80%) e 159 até a nona (66%).
“Segundo nosso melhor conhecimento, este estudo é o primeiro a empregar a metodologia de autocegamento, a primeira investigação controlada por placebo dos efeitos cumulativos de microdosagem repetida e o maior estudo controlado por placebo de um psicodélico até hoje”, afirmam os autores no artigo “Self-blinding Citizen Science to Explore Psychedelic Microdosing” (ciência de cidadãos com autocegamento para explorar microdosagem de psicodélico), publicado terça-feira (2) no periódico eLife.
De cara, o estudo confirmou benefícios que se atribuem às microdoses de psicodélicos no Vale do Silício, em Wall Street e quem sabe na Faria Lima. Outros estudos também os corroboravam, mas com muito menos participantes e sem grupo de controle com placebo.
O galho, no estudo do Imperial College, é que o mesmo nível estatístico de efeitos benéficos apareceu no grupo que tomou placebo. O resultado sugere não existir efeito bioquímico real do composto microdosado sobre a mente, só o que ela própria produz à base de expectativa e auto-sugestão. Fica difícil, em tais circunstâncias, justificar cientificamente a prática da microdosagem, que além de envolver substâncias ilícitas, não é isenta de riscos.
Curiosamente, em 72% das vezes os participantes acertaram se tinham tomado psicodélico ou placebo em determinado dia, acima dos 63% de acertos aleatórios previstos pelos pesquisadores. É um velho problema da pesquisa clínica com essas substâncias modificadoras de consciência, manter o cegamento necessário, pois as pessoas quase sempre percebem quando tomaram o composto psicoativo ou não.
Pelo visto, algo parecido acontece mesmo quando a dose é muito baixa (em média 13 microgramas de LSD e 200 miligramas de cogumelos secos, no estudo): o efeito continua perceptível, mesmo sem desencadear viagem psicodélica, talvez na forma de sensações físicas. Ou então é o efeito placebo que se mostra poderoso a ponto de reviver em usuários experimentados –um critério para inclusão no experimento– sensações comparáveis às de quando tomam a droga de verdade.
“Uma pílula vazia [combinada] com crenças e intenções fortes produzem quase tudo. Vocês puseram, aqui, espiritualidade numa pílula vazia… Uau!”, comentou depois um participante quando o cegamento foi quebrado.
Anos atrás, tive uma experiência do gênero ao participar de um estudo em que tomaria LSD (em dose mais alta, 65 microgramas) para fazer uma sessão de testes cognitivos e placebo em outra, duas semanas depois.
Na primeira vez, surgiram sintomas físicos característicos do estado alterado, como enrijecimento da mandíbula, leve palpitação, suor abundante e mãos frias, além excelente humor, empatia, figuras coloridas de olhos fechados e ideias mais livres; impôs-se a certeza de que ingerira o ácido. Na segunda veio a surpresa, de certa forma humilhante: tudo se repetiu, com intensidade ainda maior, muito maior, e aí veio a certeza de que a certeza anterior estava errada.
Aprendi então, na própria carne, que o efeito placebo é mesmo poderoso. Bem mais poderoso do que a consciência inalterada gostaria de acreditar.