Minidose de psilocibina promete reduzir frequência de enxaquecas

Quando era criança, o terror da casa eram as enxaquecas de nossa mãe, Edith. Ela se trancava no quarto, com as janelas fechadas de dia, e ai de quem desse um pio no quintal –o mundo viria abaixo. E pensar que uns 10 miligramas de psilocibina agora prometem reduzir pesadelos como esse de mais de cinco décadas atrás…

A promessa aparece num estudo da Universidade Yale publicado no periódico Neurotherapeutics. Emmanuelle Schindler, Deepak D’Souza e colegas testaram a forma sintética da substância psicodélica originalmente obtida de cogumelos ditos “mágicos” (gênero Psilocybe) num grupo de apenas dez pessoas, mas com resultados animadores.

É o que se chama de prova de conceito, ou prova de princípio. Cada participante recebeu a dose baixa de psilocibina (cerca de 10 mg, dependendo do peso da pessoa, quando outros estudos psicodélicos recorrem a 25-30 mg) numa sessão e placebo na outra, separadas por duas semanas, sem saber o que tomava em cada uma.

Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina (Divulgação)

Os experimentadores também desconheciam quem ingeriu o quê no primeiro e no segundo encontro –é o que se chama de ensaio duplo-cego. Os pacientes mantiveram diários sobre seus ataques de dor de cabeça, começando duas semanas antes da sessão inicial e indo até duas semanas depois da última.

O efeito placebo induziu uma ligeira redução na frequência das enxaquecas (em média -0,15 dia/semana) nas duas semanas após a ingestão da pílula inócua. Depois da psilocibina, o resultado foi muito superior: -1,65 dia/semana de sofrimento, ou 1,5 dia em média de ganho. Edith teria adorado os cogumelos e decerto concordaria que são mesmo “mágicos”.

As enxaquecas, que costumam afetar 15% da população mundial, vêm somar-se a uma lista de testes com psicodélicos para tratar condições neurológicas e psiquiátricas que anda pela casa da dezena. A empresa MindMed, por exemplo, investe num ensaio clínico de fase 2 para verificar o potencial de LSD contra dores de cabeça em salvas (“cluster headaches”), que podem ocorrer mais de uma vez por dia, mas não são acompanhadas de sintomas de enxaqueca como náusea e fotofobia.

O transtorno mental mais estudado é a depressão, em especial a modalidade resistente aos medicamentos disponíveis, que acomete cerca de um terço ou mais dos deprimidos. Além dos estudos preliminares já concluídos, há pelo menos oito testes clínicos começando ou em andamento com psilocibina e outros compostos sintéticos.

Em seguida aparece a dependência química, sobretudo de opioides e álcool, investigados em seis ensaios, por exemplo com MDMA –a base do ecstasy, aliás, é o único composto psicoativo que chegou à fase 3, mas para tratar o transtorno de estresse pós-traumático.

Em seguida na lista surgem tipos de ansiedade, com quatro estudos envolvendo MDMA, LSD e psilocibina. O rol prossegue com anorexia, Alzheimer, autismo e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (um teste cada).

O serviço de informações Psilocybin alpha mantém um registro atualizado dos ensaios clínicos com psicodélicos, com links para seus registros oficiais e perfis das instituições envolvidas.

Vale a pena acompanhar, porque a coisa não para de crescer.