Startup levanta R$ 123 mi para explorar veneno de sapo contra depressão

Numa segunda rodada com investidores, a startup Beckley PsyTech obteve £ 14 milhões (R$ 101 milhões) para realizar testes clínicos com a substância psicodélica 5-metoxi-DMT (5-MeO-DMT). O recurso se soma a £ 3 milhões (R$ 22 milhões) angariados em junho pela empresa do Reino Unido, surgida há cinco anos com pedigree dourado.

À frente da companhia de olho no veneno de sapo, como é conhecida a 5-MeO-DMT, está Cosmo Feilding Mellen, 35. Apesar da pouca idade, o rapaz tem larga experiência com psicodélicos –drogas que, como ele próprio diz, são usadas algumas há milhares de anos, ainda que seu plano de negócios não preveja compensações para povos tradicionais que as legaram para a ciência contemporânea.

A 5-MeO-DMT está presente na secreção das glândulas do sapo-do-rio-colorado, Bufo alvarius ou Incilius alvarius. Aspirar o vapor da droga, que é ilegal na maioria dos países, produz uma curta e radical viagem, muitas vezes descrita como uma sensação de morte. Após a experiência com 5-MeO-DMT, decaem indicadores de depressão, ansiedade e estresse, resultado que se mantém quatro semanas depois, de acordo com estudo recente.

Cosmo é filho de Amanda Feilding, criadora da Beckley Foundation, uma espécie de ONG que há 22 anos incentiva e financia projetos de ciência psicodélica e de reforma de políticas públicas sobre drogas. A condessa aparece como coautora de vários estudos que patrocinou no chamado renascimento psicodélico, mas agora decidiu que precisa de lucros para a empreitada de transformar esses compostos em remédios convencionais licenciados.

Cosmo Feildiong Mellen e Amanda Feilding, nos jardins de Beckley Park, nos arredores de Oxford, Reino Unido (Divulgação Beckley PsyTech)

“Minha mãe criou a Beckley Foundation em 1998. Sempre estive pesadamente envolvido com o tema da ciência psicodélica, cercado por esse tema, essa paixão”, conta Cosmo. “Tive a felicidade de crescer na companhia de figuras como Sasha Shulgin e Rick Doblin. Fui voluntário em vários testes no Imperial College, por exemplo para tomada de imagens do cérebro sob psilocibina.”

Alexander “Sasha” Shulgin é figura lendária no panteão psicodélico. Autor de livros como “Pihkal – Uma história de amor químico” e “Tihkal – A Continuação”, ambos com a mulher Ann, Shulgin sintetizou e experimentou com amigos dezenas de compostos psicodélicos, tema das duas obras. O farmacologista, apontado como redescobridor do ecstasy (MDMA), morreu em 2014.

Rick Doblin está à frente da iniciativa mais avançada para sacramentar um psicodélico como medicamento, o próprio MDMA de Shulgin. O ex-hippie e objetor de consciência que temia ser convocado para a guerra do Vietnã escolheu para o teste de fogo um composto que não engendra visões (razão pela qual o ecstasy não é considerado um psicodélico clássico) e uma condição típica de veteranos militares, o transtorno de estresse pós-traumático, numa estratégia esperta para vencer as resistências a psicodélicos.

Cinco anos atrás, com o crescimento do interesse de investidores na indústria de cânabis medicinal e psicodélicos, Amanda e Cosmo se lançaram a criar um braço da Beckley com fins lucrativos para continuar o trabalho da família, a fim de aumentar a escala e a ambição do que Amanda tentava fazer há cinco décadas.

“Basicamente, [queremos] aproveitar a oportunidade de nos tornarmos um farol, uma empresa ética fazendo coisas realmente boas”, afirma o CEO da PsyTech. “O objetivo é desenvolver psicodélicos como uma nova classe de medicamentos neuropsiquiátricos e tratar dessa necessidade de saúde [transtornos mentais como depressão] que rapidamente está se tornando o maior peso sobre o mundo.”

Mãe e filho não brincam em serviço. Buscaram na Johnson & Johnson duas pessoas experimentadas no desenvolvimento e autorização de fármacos: Steve Wooding (diretor científico da nova companhia) e Fiona Dunbar (assessora-chefe de medicina).

Como consultores, Cosmo e Amanda alistaram duas celebridades da nova neurociência: Robin Carhart-Harris, do Imperial College, e Matt Johnson, da Universidade Johns Hopkins. Não por acaso, as duas instituições acadêmicas foram pioneiras na abertura de centros de pesquisa psicodélica, elas mesmas envolvidas em ensaios clínicos com a psilocibina dos “cogumelos mágicos” para tratar vários transtornos mentais.

Segundo Cosmo, esse time analisou várias possibilidades de inovação, diante do que outros grupos estão investigando, e se fixou na 5-MeO-DMT como candidata a antidepressivo. A principal vantagem do composto batráquio é induzir uma alteração da consciência que dura uma hora ou menos, o que diminuiria de modo acentuado os custos da psicoterapia assistida por psicodélicos como LSD e psilocibina, que na configuração atual exigem acompanhamento de uma dupla de terapeutas por longos períodos.

“Dois terapeutas sentados com o paciente por 6-8 horas é uma alocação de recursos enorme para o paciente, vai ser difícil de disseminar e sairá caro, também”, pondera Cosmo. “O que sabemos sobre 5-MeO-DMT é que induz confiavelmente o tipo de experiência de dissolução do ego sabidamente correlacionada com resultados positivos de tratamento, mas com duração do efeito da droga abaixo de uma hora.”

O CEO não cogita patentear 5-MeO-DMT. A propriedade intelectual faz parte de seu modelo de negócios, mas essas drogas são substâncias conhecidas, algumas usadas há milhares de anos e sobre as quais muitas pessoas já escreveram –não são patenteáveis.

“Não é o mesmo que um desenvolvimento farmacêutico clássico. Haverá propriedade intelectual na criação de novos e inventivos passos de tratamento médico, na formulação, na aplicação, no modelo terapêutico.”

Cosmo não prevê, entretanto, compensação para povos tradicionais que preservaram o conhecimento sobre essas substâncias, uma das preocupações entre estudiosos do fenômeno cultural psicodélico. A PsyTech dedica uma parte da receita para a parceira estratégica Beckley Foundation, que não tem fins lucrativos: “Eles estão envolvidos em muitas atividades filantrópicas, de pesquisa a políticas públicas. É aí que focalizamos nossa responsabilidade social”, justifica.

O sigilo comercial impede no momento divulgar quais equipes conduzirão os testes clínicos de fase 1 e 2 (segurança, dosagem e evidência inicial de eficácia) com o veneno de sapo. A empresa só confirma que os ensaios serão realizados no Reino Unido tanto por parceiros acadêmicos quanto empresariais.

A Beckley Foundation lista pesquisadores brasileiros entre seus colaboradores, como os que atuam no Instituto do Cérebro da UFRN, no Institudo D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), na UFRJ e na Unicamp. Cosmo, que também tem alguma ligação com o Brasil –foi o diretor da versão para língua inglesa do documentário de Fernando Grostein Andrade “Quebrando o Tabu” (2012), sobre política de drogas– diz que a empresa Beckley PsyTech não tem planos concretos de parcerias por aqui.

Cosmo Feilding-Mellen, CEO da empresa Beckley PsyTech (Divulgação Beckley PsyTech)

Além do veneno de sapo, a empresa investe num programa de desenvolvimento de fármacos, novas entidades químicas baseadas no que se sabe sobre os psicodélicos existentes. A proposta é alterar as moléculas de maneira a melhorar os resultados clínicos ou a segurança.

Pergunto se a ideia seria retirar delas o efeito psicodélico propriamente dito, o que se chama de dissolução do ego ou experiência mística. Cosmo: “Não. Certamente não apenas nessa direção, de todo modo. Eu acredito que a experiência subjetiva é uma parte importante da eficácia do tratamento. Mas será interessante ver o que virá da ciência, de outras escolas de pensamento”.