Conheça catalão que impulsionou estudos de ayahuasca no Brasil

Ciência de Jordi Riba ajudou a reabilitar psicodélicos, hoje discutidos até no Instituto de Psiquiatria da USP

O campo dos estudos psicodélicos perdeu em agosto um de seus especialistas de maior renome, o catalão Jordi Riba, nascido em 1968. Não o conheci pessoalmente, mas assisti palestra sua na conferência Psychedelic Science 2017 e ouvi de pesquisadores brasileiros os maiores elogios a sua pessoa e sua pesquisa.

Riba se notabilizou por investigações no hospital Santa Creu i Sant Pau da Universidade Autônoma de Barcelona. Foi o primeiro cientista a organizar estudos controlados comparando efeitos da ayahuasca com placebo, estabelecendo a segurança e a tolerabilidade das substâncias contidas nesse chá cerimonial de religiões como Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal. Recentemente vinculou-se à Universidade de Maastricht, na Holanda.

O catalão trabalhou com o daime por duas décadas e publicou mais de 40 trabalhos científicos sobre a bebida. Um dos primeiros foi sua tese de doutorado, “Farmacologia Humana da Ayahuasca”, defendida em 2003.

Depois disso ele comprovaria que a beberagem pode ser liofilizada e produzir os mesmos efeitos, com segurança. Também mostrou que as betacarbolinas nele presentes, como harmina e harmalina, são a chave para que o alcaloide dimetiltriptamina (DMT) chegue ao cérebro e ali produza as manifestações psicodélicas.

Riba era próximo de vários colegas no Brasil. Um deles foi Dráulio de Araújo, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), líder do estudo pioneiro sobre o impacto benéfico da ayahuasca na depressão. Araújo recorda com carinho o voo que fez na Califórnia com o amigo no manche –além de piloto, o catalão era também mergulhador e velejador.

Araújo assina com Jaime Hallak, Rafael dos Santos e Rafael Sanches um curto e elogioso obituário de Riba no periódico médico Brazilian Journal of Psychiatry. Sob sua orientação de 2006 a 2012, Santos demonstrou na tese de doutorado que duas doses consecutivas de ayahuasca não produzem tolerância.

Sanches contou com sua supervisão no pós-doutorado. Riba também foi estreito colaborador dos estudos de Hallak e Araújo sobre depressão.

A homenagem cita ainda que o catalão foi incluído pela revista Rolling Stone numa relação de 2017 dos 25 cientistas mais influentes no mundo. Com tantas realizações, ainda assim alguns fantasmas que lhe ocupavam a mente deram um fim trágico para sua vida.

A tradição de estudos que ajudou a firmar no Brasil segue dando frutos. Um dos mais recentes é a tese de doutorado de Lucas Maia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), “Uso ritual da ayahuasca durante o tratamento de doenças físicas graves: um estudo qualitativo”.

O trabalho, aceito para publicação no periódico Journal of Psychoactive Drugs, se baseou em extensas entrevistas qualitativas com 14 portadores de doenças graves, como câncer e Aids. Como já comprovaram estudos quantitativos com psilocibina, mais uma vez se mostrou que psicodélicos podem ajudar as pessoas a controlar a ansiedade diante da aproximação da morte.

“Não que eu quero morrer, não quero, eu quero viver bastante”, disse a Lucas Maia a jovem Rosa (nome fictício), 32, sobre seu tumor e as experiências de uso ritual da ayahuasca. “Mas eu não vejo com aquele medo que eu via no começo. Com aquela insegurança que eu via no começo. Com desespero.”

Quem se debruça sobre a ciência psicodélica e seu renascimento no século 21 topa a toda hora com relatos assim pungentes, acerca do efeito apaziguador sobre doenças do corpo e da alma –depressão, estresse pós-traumático, dependência química, anorexia, alcoolismo, e por aí vai.

Não são só relatos anedóticos, mas benefícios confirmados por número crescente de estudos clínicos controlados, a exemplo do realizado na UFRN sobre depressão. Os preconceitos com psicodélicos ainda existentes na classe médica vão aos poucos sendo abatidos pelo acúmulo de dados que a ciência da melhor qualidade vem produzindo.

Jordi Riba decerto ficaria feliz de saber que o vetusto Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, por exemplo, escolheu para sua próxima reunião mensal o tema “Quando a droga vira medicamento: Usos terapêuticos de alucinógenos em saúde mental”.

Será nesta nesta quarta-feira, às 10h30, com transmissão ao vivo. A convite de Valentim Gentil Filho, participam Jaime Hallak, um dos pioneiros no estudo da ayahuasca na USP de Ribeirão Preto, e André Negrão, que prepara um estudo clínico no IPq sobre terapia psicodélica para dependência.

Quando as drogas viram medicamento: O uso de alucinógenos em saúde mental
Cartaz da reunião geral do Instituto de Psiquiatria da USP IReprodução)